INVERTEBRADOS

19 de novembro de 2019 às 18:42

Gaudêncio Torquato
Jair Bolsonaro, com sua caneta cheia de tinta, sai do PSL e anuncia a cria&ccedil;&atilde;o de um novo partido, Alian&ccedil;a pelo Brasil, que ficar&aacute; sob seu mando. Se arrumar 500 mil assinaturas e conseguir que o TSE aprove a nova sigla at&eacute; maio de 2020, teremos a elei&ccedil;&atilde;o para prefeitos e vereadores em outubro com sua participa&ccedil;&atilde;o ao lado de outras 30. O que &eacute; comum a essas entidades? A luta pelo poder. Sem nenhum verniz ideol&oacute;gico.<br /> <br /> Lula da Silva, o maior l&iacute;der da oposi&ccedil;&atilde;o, que disse sair da pris&atilde;o &ldquo;mais &agrave; esquerda&rdquo;, estar&aacute; tamb&eacute;m na luta, desfraldando a bandeira do socialismo como prega o ex-todo-poderoso Jos&eacute; Dirceu. Ser&aacute; o grande teste antes do jogo de outubro de 2022. Lula, na condi&ccedil;&atilde;o de condenado em 2&ordf; inst&acirc;ncia, n&atilde;o poder&aacute; ser candidato. Por&eacute;m, por nossas plagas tudo &eacute; poss&iacute;vel. Basta que o processo que o condenou, o do tr&iacute;plex, seja anulado para ele adquirir e elegibilidade. Bolsonaro, pelo lado direito, continuar&aacute; a puxar o cabo de guerra e a mobilizar a milit&acirc;ncia.<br /> <br /> Situa&ccedil;&atilde;o e oposi&ccedil;&atilde;o, desde j&aacute;, se preparam para o embate. Que doutrinas balizar&atilde;o os pr&oacute;ximos tempos? O socialismo de Dirceu? O que isso significa? Um Estado paquid&eacute;rmico, com 600 empresas e autarquias, a susta&ccedil;&atilde;o do processo de privatiza&ccedil;&atilde;o? E o liberalismo de Bolsonaro? Ser&aacute; entendido que as for&ccedil;as do mercado dar&atilde;o o tom da pol&iacute;tica, sem interven&ccedil;&atilde;o do Estado na corre&ccedil;&atilde;o de desvios e situa&ccedil;&otilde;es an&ocirc;malas? E a social-democracia, a terceira via encostada pelo tucanato, dispor&aacute; de novos crentes? Quem se habilita a resgatar seus eixos?<br /> <br /> Vamos a uma pequena leitura da pol&iacute;tica, aqui e alhures. O que se observa no cen&aacute;rio &eacute; um fen&ocirc;meno que se pode chamar de embaciamento do jogo pol&iacute;tico, ou, como denomina Roger-G&eacute;rard Schwartzenberg, uma &ldquo;uniformiza&ccedil;&atilde;o no cinzento&rdquo;.&nbsp; O posicionamento dos partidos em zona cinzenta aponta para a gangorra que os caracteriza. Quer dizer, est&atilde;o eles identificados com o pragmatismo, a pol&iacute;tica de resultados.<br /> <br /> Cada vez mais assemelhados, partidos e l&iacute;deres se afastam do campo doutrin&aacute;rio, interessados apenas na luta do &ldquo;poder pelo poder&rdquo;. Alternativas para constru&ccedil;&atilde;o de avan&ccedil;os que, em tempos idos, eram fincadas em bases s&oacute;lidas de um ide&aacute;rio s&atilde;o, agora, substitu&iacute;das por um discurso de oportunidade, balizado em quest&otilde;es pontuais, como carga de impostos, reformas (previd&ecirc;ncia, trabalho), projetos pol&ecirc;micos, comportamentos e desvios de agentes p&uacute;blicos. <br /> <br /> N&atilde;o se quer dizer que tal escolha &eacute; conden&aacute;vel. Imp&otilde;e-se, por&eacute;m, acentuar o papel dos partidos no debate sobre um projeto de longo alcance para o Pa&iacute;s. O que pensam os partidos a respeito de uma estrat&eacute;gia para o desenvolvimento? Em sua trajet&oacute;ria, o PT, maior partido de oposi&ccedil;&atilde;o, caminhou em dire&ccedil;&atilde;o ao centro, ocupando flancos da social-democracia. Os grandes partidos da situa&ccedil;&atilde;o refugiam-se em um &ldquo;centr&atilde;o democr&aacute;tico&rdquo;. Em suma, os entes partid&aacute;rios se encontram, hoje, reunidos nas salas e antessalas do poder, onde se serve geleia insossa e inodora.<br /> <br /> Mesmo nos EUA, onde os partidos Republicano e Democrata dominam a pol&iacute;tica desde 1852, abrigando a grande maioria do eleitorado, cresce a tend&ecirc;ncia para a pasteuriza&ccedil;&atilde;o do discurso. L&aacute; ainda se consegue enxergar que os republicanos s&atilde;o mais fi&eacute;is aos princ&iacute;pios do nacionalismo e da &ecirc;nfase no individualismo, no moralismo e na religi&atilde;o, sustentando a base do conservadorismo. E os democratas se posicionam mais na banda esquerda do Centr&atilde;o, havendo at&eacute; protagonistas com certo ar radical, como o senador Bernie Sanders, este que faz quest&atilde;o de avocar &iacute;ndole socialista.<br /> <br /> Na Europa, os partidos social-democratas ganharam for&ccedil;a em um primeiro ciclo e hoje tentam reconstruir suas identidades, sob a ascens&atilde;o da direita. Na nossa Am&eacute;rica Latina, a instabilidade se generaliza. O Chile do liberal Pi&ntilde;era v&ecirc; multid&otilde;es nas ruas. No Uruguai, a esquerda pode ceder o poder para a direita. A Argentina volta a desfraldar a bandeira kircnherista com a vit&oacute;ria do Alberto Fern&aacute;ndez e de Cristina. Peru vive momento tormentoso. No Equador, a ciclotimia entre esquerda e direita tamb&eacute;m se instala. Na Bol&iacute;via, Evo renuncia sob press&atilde;o das For&ccedil;as Armadas e suspei&ccedil;&atilde;o de fraude eleitoral.<br /> &nbsp;<br /> Aqui, uma grande interroga&ccedil;&atilde;o est&aacute; no ar: onde vamos parar? O vale-tudo &eacute; o jogo imposto pelo dom&iacute;nio da m&aacute;quina e n&atilde;o pelas ideias. Uma leva de partidos, infidelidade, alian&ccedil;as movidas por interesses moment&acirc;neos e o experimentalismo pol&iacute;tico de parcela dos representantes. No deserto, s&oacute; se v&ecirc; areia. E animais invertebrados. Sem nenhum vale. <br /> &nbsp;<br /> <img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato