ENCOLHER OU FORTALECER O ESTADO?

03 de dezembro de 2019 às 17:05

Gaudêncio Torquato
O ministro Paulo Guedes, a par de declara&ccedil;&otilde;es pol&ecirc;micas - as pessoas n&atilde;o deveriam se assustar &ldquo;se algu&eacute;m pedir o AI-5&rdquo;-, pretende &ldquo;encolher o Estado&rdquo;. Deixaria sob sua &eacute;gide o que &eacute; estritamente de sua obriga&ccedil;&atilde;o, como educa&ccedil;&atilde;o, seguran&ccedil;a p&uacute;blica, sa&uacute;de. Para tanto, vai focar na privatiza&ccedil;&atilde;o de centenas de empresas estatais. O que levanta a quest&atilde;o: qual deve ser o escopo do Estado no governo Bolsonaro?<br /> <br /> A tentativa de resposta come&ccedil;a com a fonte que alimenta o ide&aacute;rio do ministro da Economia: a Escola de Chicago, o ber&ccedil;o do liberalismo econ&ocirc;mico e da diminui&ccedil;&atilde;o da interven&ccedil;&atilde;o do Estado na economia, onde Guedes estudou. Ocorre que a &iacute;ndole do capit&atilde;o Jair Bolsonaro e de seu entorno militar tem um DNA nacionalista, que viceja desde os tempos do &ldquo;petr&oacute;leo &eacute; nosso&rdquo; (anos 50). Nacionalismo que, a partir dos militares, se identifica com Estado forte.<br /> <br /> Um dos papas da ci&ecirc;ncia pol&iacute;tica, o soci&oacute;logo Alain Touraine, em seus estudos, prega o aumento da capacidade de interven&ccedil;&atilde;o do Estado como forma de um pa&iacute;s atenuar as desigualdades. O Estado tem sido fraco para debelar as mazelas. Por conta disso, o governo age no varejo, trabalhando no curto prazo, com o presidente praticamente se limitando a fazer agrados e benesses para operar a administra&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Libelo candente contra os ultraliberais, para quem o mercado &eacute; o rem&eacute;dio para todos os nossos males, a an&aacute;lise do professor, nesses tempos de globaliza&ccedil;&atilde;o e economias interdependentes, &eacute; um hino de louvor &agrave;s utopias. Estado forte, por aqui, tem sido sin&ocirc;nimo de autoritarismo, arbitrariedade, estrutura burocr&aacute;tica gigante e ineficiente, corporativismo etc. Como encolher o Estado de sua estrutura paquid&eacute;rmica, dando-lhe capacidade de planejar a longo prazo, sem reformas capazes de deflagrar novos costumes e consolidar as institui&ccedil;&otilde;es? Come&ccedil;amos com a reforma trabalhista, seguida da recente reforma da Previd&ecirc;ncia, mas essas n&atilde;o bastar&atilde;o. O que se espera &eacute; um amplo leque de mudan&ccedil;as.<br /> <br /> Seja qual for o escopo reformista, o desafio se imp&otilde;e: colocar no mesmo balaio componentes como liberalismo, bem estar social, Estado capaz de intervir no mercado quando necess&aacute;rio (os EUA na crise de 2008), institucionaliza&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica, racionalidade administrativa, extin&ccedil;&atilde;o do corporativismo, mudan&ccedil;a da pol&iacute;tica de clientelas pelo m&eacute;rito.<br /> <br /> Fortalecer o poder de decis&atilde;o do Estado &eacute; meta a ser perseguida para se combater interesses individuais e grupais que, entre n&oacute;s, prevalecem sobre as pol&iacute;ticas sociais. Trata-se de um desafio que ultrapassa d&eacute;cadas. O governo Bolsonaro at&eacute; prometeu acabar com a velha pol&iacute;tica. Mas ainda tateia na escurid&atilde;o nesse primeiro ano. No cap&iacute;tulo do &ldquo;encolhimento do Estado&rdquo;, as coisas ainda caminham devagar. Da&iacute; a impress&atilde;o de que ainda n&atilde;o se chegou a um acordo em torno do tamanho do Estado. O presidente, por sua &iacute;ndole, gostaria de ter mais poder e n&atilde;o depender tanto do Parlamento.<br /> <br /> O governo, por enquanto, tenta combinar uma t&aacute;tica de ataque frontal a algumas quest&otilde;es com uma estrat&eacute;gia paulatina, de opera&ccedil;&atilde;o por setor. A ci&ecirc;ncia pol&iacute;tica ensina que o reformador deve isolar cada quest&atilde;o o mais depressa poss&iacute;vel, retirando-a da agenda antes que seus oponentes possam mobilizar for&ccedil;as. Se quiser fazer tudo ao mesmo tempo, terminar&aacute; conseguindo muito pouco ou nada. Se angariar condi&ccedil;&otilde;es para operar &agrave; base de blitzkrieg, deve fazer o cerco por todos os lados, rapidamente, antes que a oposi&ccedil;&atilde;o seja ativada. Mas o governo perdeu muito tempo nesse primeiro ano de administra&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Reformar o Estado, como se prega, n&atilde;o &eacute; tarefa para uma &uacute;nica administra&ccedil;&atilde;o. Maquiavel lembrava que nada &eacute; mais dif&iacute;cil de executar, mais duvidoso de obter &ecirc;xito ou mais perigoso de manejar do que iniciar uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos na velha ordem, que se sentem amea&ccedil;ados pela perda de privil&eacute;gios, e defensores t&iacute;midos na nova ordem, temerosos que as coisas n&atilde;o d&ecirc;em certo. Por &uacute;ltimo, sobram indaga&ccedil;&otilde;es: afinal, que escopo os militares defendem para o Estado brasileiro? (at&eacute; hoje isso n&atilde;o est&aacute; claro). Como aparar desigualdades com programas liberais, que d&atilde;o vaz&atilde;o a climas concorrenciais? Como atrair investimentos quando o fantasma dos tempos de chumbo, vez ou outra, reaparece na paisagem? (N&atilde;o foi o que acenou o ministro Guedes?) Como deixar de atender a um parlamentar dos grot&otilde;es, que amea&ccedil;a votar contra o governo se n&atilde;o for atendido? Enfim, qual o Estado mais adequado &agrave; nossa democracia?<br /> &nbsp;<br /> <b><i><img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato