POLÍTICA É MISSÃO, NÃO PROFISSÃO
24 de dezembro de 2019 às 17:49
Gaudêncio Torquato
A política não é um fim em si mesmo. Trata-se de um sistema-meio para administrar as necessidades do povo. Sendo assim, é uma missão, não uma profissão. Aristóteles ensina que o cidadão deve servir à polis, visando ao bem comum. Ao se afastar dessa meta, dá lugar à corrupção. Que acontece quando “quem governa se desvia do objetivo de atingir o bem comum, e passa a governar de acordo com seus interesses”, diz o filósofo.<br />
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Por conseguinte, a política não deve ser escada para promover pessoas nem meio para facilitar negócios. Como sistema, desenvolve a capacidade de responder aspirações, transformar expectativas em programas, coordenar comportamentos coletivos e recrutar para a vida pública quem deseja cumprir uma missão social.<br />
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Esse acervo é utópico? Pode ser, mas deve servir de inspiração aos políticos. Infelizmente, em nossa cultura, a política tem sido tratada por muitos como um bom negócio. Tradição que vem lá de trás. Quando d. João III, entre 1534 e 1536, criou e doou aos donatários 14 capitanias hereditárias, plantava a semente do patrimonialismo, a imbricação do público com o privado.<br />
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Os donatários recebiam a posse da terra, podiam transferi-la para os filhos, mas não vendê-la. Consideravam a capitania como uma possessão, sua propriedade. A res publica virou coisa privada.<br />
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Hoje, parcela dos nossos representantes considera espaços públicos ocupados por seus indicados como feudos, extensões de suas posses. É assim que a política se transforma em um dos maiores e melhores negócios da Federação. O caminho é este: primeiro, conquista-se o mandato; a seguir, a política transforma-se em instrumento de intermediação. Temos um amplo mercado em um território com 27 Estados (com o DF), com nichos, estruturas, cargos e posições em três esferas: federal, estadual e municipal.<br />
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O negócio da política mexe com cerca de 150 milhões de consumidores, que formam o contingente eleitoral. Para chegar até eles, um candidato gasta uns bons trocados (o custo médio está hoje em torno de 12 a 15 reais por eleitor), a depender do cargo disputado: vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, governador, senador e presidente da República.<br />
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Para tanto, candidatos ricos bancam suas campanhas. A maior parte recebe recursos do fundo partidário ou doações. Para 2020, o fundo partidário deve ser em torno de R$ 2,5 bilhões, sendo que o PSL e o PT, os dois maiores partidos na Câmara, receberão as maiores fatias. O que se sabe é que numa campanha despende-se entre três a quatro vezes mais recursos do que a quantia apresentada aos Tribunais eleitorais. São poucos os que conseguem chegar ao Parlamento com somas pequenas.<br />
Desse panorama, surge a pergunta: se a campanha política no Brasil é tão dispendiosa e se os candidatos gastam acima do que ganham, por que se empenham tanto em assumir a espinhosa e sacrificada missão de servir ao povo? Será que há muito desvio entre o espírito cívico de servir e o sentido prático de se servir?<br />
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É arriscado inferir sobre ações e comportamentos do nosso corpo político, até porque parcela do Congresso tem atuado de maneira nobre na defesa de seus representados. Sofre, injustamente, críticas por conta da corrupção cometida por alguns.<br />
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E onde brota a semente da corrupção? Vejamos. Nas cercanias da política há um costume conhecido como superfaturamento. Obras públicas, nas três malhas da administração (federal, estadual e municipal), geralmente acabam recebendo um “plus”, um dinheiro a mais. Parcelas dos recursos servem aos achacadores e vão para os cofres das campanhas, formando o círculo vicioso responsável pelo lamaçal. Hoje, esse lamaçal está sendo devassado pela Operação Lava Jato. Mas há sempre uma fresta por onde se desvia dinheiro. E isso ocorre porque nos postos chaves estão pessoas de confiança de políticos que as indicaram.<br />
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Portanto, há um PIB informal formado por recursos extraídos das malhas da administração nas três instâncias federativas. Sanguessugas predadoras escondem-se em parcela do corpo político para sugar as veias do Estado brasileiro.<br />
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Dinheiro e poder são as vigas da vida pública, mas começam a soçobrar nesse início de ciclo da ética e da transparência. <br />
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<i><b><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br />
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Gaudêncio Torquato</b></i>, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato