CONSTRUINDO UMA GRANDE NAÇÃO

03 de janeiro de 2020 às 12:38

Gaudêncio Torquato
Ilustremos uma reflex&atilde;o com tr&ecirc;s historinhas, a primeira muito conhecida.<br /> <br /> &ndash; Condenado &agrave; morte por corromper a juventude, S&oacute;crates, o fi&not;l&oacute;sofo, recusou a oferta para fugir de Atenas sob o argumento de que seu compromisso com a polis n&atilde;o lhe permitia transgredir as regras. Os gregos cultivavam o respeito &agrave; lei.<br /> <br /> &ndash; L&uacute;cio J&uacute;nio Bruto, fundador da Rep&uacute;blica Romana, libertou seu povo da tirania de Tarqu&iacute;nio, derrubando a monarquia. Mais tarde, executou os pr&oacute;prios filhos por conspirarem contra o novo regime. Pregava o poeta Hor&aacute;cio: &ldquo;Doce e digno &eacute; morrer pela P&aacute;tria&rdquo;.<br /> <br /> &ndash; Outro romano, rico e matreiro, conta Maquiavel no Livro III sobre os discursos de Tito L&iacute;vio, deu comida aos pobres por ocasi&atilde;o de uma epidemia de fome e, por esse ato, foi executado por seus concidad&atilde;os. O argumento: pretendia tornar-se um tirano. Os romanos prezavam mais a liberdade do que o bem-estar social.<br /> <br /> Desses relatos, emerge a pergunta: qual dos tr&ecirc;s personagens se sairia melhor caso o enredo ocorresse dentro do cen&aacute;rio da pol&iacute;tica contempor&acirc;nea? Sem d&uacute;vida, o terceiro. Com uma diferen&ccedil;a: o matreiro pol&iacute;tico n&atilde;o seria executado por alimentar a plebe, mas glorificado, mesmo escondendo por tr&aacute;s da distribui&ccedil;&atilde;o de alimentos seu projeto de poder.<br /> <br /> Essa &eacute; a hip&oacute;tese mais prov&aacute;vel, pelo menos em nossas plagas de tradi&ccedil;&atilde;o patrimonialista.<br /> <br /> A moldura oferece uma leitura de dois mundos. O primeiro &eacute; regrado por princ&iacute;pios e valores, dentre os quais se destacam o compromisso com o bem comum, a obedi&ecirc;ncia &agrave;s leis, a defesa da moral e da &eacute;tica. Esse escopo combina com a paradis&iacute;aca ilha da Utopia, que o ingl&ecirc;s Thomas Morus descreveu: &ldquo;uma terra de paz e tranquilidade onde os habitantes n&atilde;o t&ecirc;m propriedade individual e absoluta&rdquo;.<br /> <br /> Esse Estado perfeito espelha a cidade divina em contraposi&ccedil;&atilde;o &agrave; cidade terrestre, esta afinada ao universo de Maquiavel, onde &ldquo;os fins justificam os meios&rdquo;. O florentino prega a no&ccedil;&atilde;o de que o povo &eacute; dotado de raz&atilde;o, sendo capaz de decidir o seu destino. Sonha com a liberdade e, para conquist&aacute;-la, o pr&iacute;ncipe deve usar os meios necess&aacute;rios. A l&oacute;gica maquiav&eacute;lica &eacute;: ideologias e valores morais devem ceder lugar aos instrumentos que podem garantir a hegemonia. Ou, na express&atilde;o de Weber, a &eacute;tica da a&ccedil;&atilde;o deve prevalecer sobre a &eacute;tica da consci&ecirc;ncia.<br /> <br /> O desenho ajuda a entender a quadra pol&iacute;tico-institucional que vivemos. Protagonistas da pol&iacute;tica, governantes, representantes e at&eacute; ju&iacute;zes, lutam para fazer valer suas demandas. O resultado aparece na multiplica&ccedil;&atilde;o de mazelas e velhos padr&otilde;es da pol&iacute;tica.<br /> <br /> Afinal, o que se faz necess&aacute;rio para que o Brasil, em 2020, comece a fortalecer seu conceito de Na&ccedil;&atilde;o? Tentemos responder. O primeiro aspecto &eacute;: democratizar nossa democracia. Ou seja, dar vaz&atilde;o ao esfor&ccedil;o para expandir a participa&ccedil;&atilde;o do povo no processo decis&oacute;rio, visando a aumentar a inclus&atilde;o social, melhorar as condi&ccedil;&otilde;es do trabalho, proteger o meio ambiente, os direitos humanos e qualificar os servi&ccedil;os p&uacute;blicos, a partir das &aacute;reas da educa&ccedil;&atilde;o, sa&uacute;de e seguran&ccedil;a. <br /> <br /> Urge incrementar nossa democracia participativa, convocando a sociedade para forma&ccedil;&atilde;o de um projeto nacional,&nbsp; evitando multiplica&ccedil;&atilde;o de&nbsp; programas com foco em conveni&ecirc;ncias eleitorei&not;ras. O Brasil clama por planos essenciais, integradores de necessi&not;dades sociais, culturais, geogr&aacute;ficas e econ&ocirc;micas. No lugar de tijolos, paredes inteiri&ccedil;as.<br /> <br /> E mais: a rela&ccedil;&atilde;o entre os Poderes h&aacute; de ocorrer sob a &eacute;gide da harmonia, respeito e autonomia, evitando tens&otilde;es. Significa consolidar as fun&ccedil;&otilde;es do Parlamento, do Judici&aacute;rio e do Executivo, dentro da norma constitucional, fazendo-os respeitar os espa&ccedil;os de cada um. <br /> <br /> Imp&otilde;e-se valorizar a meritocracia e atenuar a carga das indica&ccedil;&otilde;es assentadas na vida partid&aacute;ria. Significa selecionar perfis adequados para as estruturas governativas. Arist&oacute;teles d&aacute; uma pista: &ldquo;Quando diversos tocadores de flauta possuem m&eacute;rito igual, n&atilde;o &eacute; aos mais nobres que as melhores flautas devem ser dadas, pois eles n&atilde;o as far&atilde;o soar melhor; ao mais h&aacute;bil &eacute; que deve ser dado o melhor instru&not;mento&rdquo;. Isso &eacute; m&eacute;rito. &Eacute; claro que demandas partid&aacute;rias devem ser contempladas, mas com crit&eacute;rio, respeitando-se o principio: partidos que ganham devem participar da administra&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Por &uacute;ltimo, a lembran&ccedil;a de que uma grande democracia repousa sobre uma base de direitos e deveres, de ordem e harmonia, de &eacute;tica e moral.<br /> &nbsp;<br /> <i><b><img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o <br /> Acesse o blog www.observatoriopolitico.org