A Esquerda e os Evangélicos

29 de janeiro de 2020 às 11:04

Gerson Leite de Moraes
Chamou a aten&ccedil;&atilde;o, na &uacute;ltima semana, uma declara&ccedil;&atilde;o do ex-presidente Lula comentando a necessidade do PT em se reaproximar do segmento evang&eacute;lico. De igual modo, chama a aten&ccedil;&atilde;o, tamb&eacute;m, as mais recentes pesquisas sobre o crescimento evang&eacute;lico no Brasil, que mostram que este grupo religioso conseguiu ocupar um espa&ccedil;o important&iacute;ssimo no cen&aacute;rio nacional, seja na constru&ccedil;&atilde;o de uma narrativa pautada pelo conservadorismo nos costumes, seja na sua enorme capilaridade no campo da pol&iacute;tica. <br /> <br /> Sobre este assunto que envolve n&atilde;o s&oacute; o PT, mas toda a esquerda e suas rela&ccedil;&otilde;es com os evang&eacute;licos, algumas pondera&ccedil;&otilde;es precisam ser feitas. A primeira delas &eacute; que, assim como n&atilde;o h&aacute; uma &uacute;nica esquerda, tamb&eacute;m n&atilde;o h&aacute; uma &ldquo;&uacute;nica&rdquo; igreja evang&eacute;lica. Por mais que algumas lideran&ccedil;as de setores evang&eacute;licos tentem vender a imagem de que s&atilde;o representantes e porta-vozes oficiais de todos os ditos &ldquo;evang&eacute;licos brasileiros&rdquo;, na pr&aacute;tica, o que se tem &eacute; uma mir&iacute;ade de denomina&ccedil;&otilde;es e minist&eacute;rios religiosos independentes, portanto, quando algum pastor aparece na TV, no R&aacute;dio ou na Internet falando por todos os evang&eacute;licos, isto n&atilde;o passa de um embuste. <br /> <br /> Diferentemente da Igreja Cat&oacute;lica, que apesar de diversa em si mesma segue uma orienta&ccedil;&atilde;o &uacute;nica que &eacute; emitida, seguida e obedecida (tudo isso em tese, porque na pr&aacute;tica sabemos que uma coisa &eacute; a voz oficial, outra &eacute; o acolhimento desta) porque &eacute; emanada diretamente do Bispo de Roma, a chamada Igreja Evang&eacute;lica n&atilde;o possui tal poder centralizado. Funcionando como uma esp&eacute;cie de federa&ccedil;&atilde;o ac&eacute;fala, as igrejas evang&eacute;licas unem-se, em primeiro lugar, no Brasil, por serem anticat&oacute;licas. A ideia de uma Igreja Evang&eacute;lica una funciona do ponto de vista midi&aacute;tico e mercadol&oacute;gico, mas na pr&aacute;tica do dia a dia &eacute; um equ&iacute;voco. <br /> <br /> O crescimento dos evang&eacute;licos, principalmente do segmento pentecostal -- lembrando que entre os evang&eacute;licos h&aacute; os protestantes hist&oacute;ricos tamb&eacute;m --, &eacute; um fen&ocirc;meno t&iacute;pico do s&eacute;culo XX, fato verificado em muitos pa&iacute;ses, principalmente na Am&eacute;rica e &Aacute;frica, com reverbera&ccedil;&otilde;es tamb&eacute;m em alguns lugares da &Aacute;sia. Enquanto os pentecostais reviveram a for&ccedil;a do cristianismo em alguns lugares do mundo, a Europa viu a seculariza&ccedil;&atilde;o crescer de maneira galopante com muitas propriedades eclesi&aacute;sticas se transformando somente em locais de visita&ccedil;&atilde;o tur&iacute;stica ou sendo vendidas para iniciativa privada. <br /> <br /> No Brasil, especificamente, o crescimento evang&eacute;lico/pentecostal foi verificado ao longo do s&eacute;culo passado todo, mas intensificou-se com o processo de urbaniza&ccedil;&atilde;o a partir da d&eacute;cada de 50 e com o acesso destes grupos a concess&otilde;es de canais de Televis&atilde;o e emissoras de R&aacute;dio. Ali&aacute;s, isto explica a inser&ccedil;&atilde;o ativa dos grupos religiosos no campo da pol&iacute;tica, pois com a Constitui&ccedil;&atilde;o de 1988, a prerrogativa de concess&otilde;es passou para as m&atilde;os dos Deputados Federais, antes essa era uma fun&ccedil;&atilde;o espec&iacute;fica do Executivo Federal. At&eacute; aquele momento, o discurso era que &ldquo;crente&rdquo; n&atilde;o se envolvia em pol&iacute;tica, a partir de ent&atilde;o, este discurso sumiu do horizonte e o que se verificou foi cada vez mais alguns pastores evang&eacute;licos trabalhando para eleger os seus representantes para cargos p&uacute;blicos, visando aquinhoar capital midi&aacute;tico que poderia potencializar o crescimento de suas igrejas. <br /> <br /> Diante deste cen&aacute;rio, como a esquerda poder&aacute; se reaproximar dos evang&eacute;licos? Pode-se dizer que, n&atilde;o havendo um poder centralizado entre os evang&eacute;licos que os represente politicamente, o que de fato os une &eacute; uma identidade que prov&eacute;m de um determinado discurso, de uma determinada narrativa. N&atilde;o era incomum nos governos do PT, a presen&ccedil;a de evang&eacute;licos, o que mudou de l&aacute; para c&aacute;? A proximidade da esquerda com uma pauta progressista, principalmente com a agenda LGBT (casamentos homoafetivos, identidade de g&ecirc;nero, transexualidade, etc.) criou na mentalidade evang&eacute;lica uma avers&atilde;o ao programa da esquerda, pois isso foi recebido como um ataque frontal &agrave; c&eacute;lula mater da sociedade, que &eacute; a fam&iacute;lia. A Direita explorou isso muito bem, gerando um pavor no segmento religioso evang&eacute;lico. Se o PT e a esquerda quiserem se reaproximar dos evang&eacute;licos, ter&atilde;o que fazer escolhas entre uma pauta progressista ou conservadora, ou, ainda, tentar criar pontes entre as duas, na expectativa de construir espa&ccedil;os de di&aacute;logo e conviv&ecirc;ncia. A tarefa n&atilde;o &eacute; simples, mas &eacute; necess&aacute;ria e faz parte do jogo da pol&iacute;tica. <br /> <br /> Por <b><i>Gerson Leite de Moraes</i></b> - Gradua&ccedil;&atilde;o em Teologia, Mestrado em Filosofia, Doutorado em Ci&ecirc;ncias da Religi&atilde;o e Prof. de &Eacute;tica da Universidade Presbiteriana Mackenzie. <br />