Artigo: "Cedo ou tarde, será preciso ter informações sobre sexualidade e direitos"

12 de fevereiro de 2020 às 17:30

Astrid Bant
Desde o in&iacute;cio deste ano, um amplo debate tem tomado a internet e os ve&iacute;culos de comunica&ccedil;&atilde;o. Todos querem saber se a abstin&ecirc;ncia sexual deve ser ou estar entre as principais estrat&eacute;gias de preven&ccedil;&atilde;o a gravidez n&atilde;o intencional na adolesc&ecirc;ncia. <br /> &nbsp;<br /> Eu, na posi&ccedil;&atilde;o de representante do Fundo de Popula&ccedil;&atilde;o das Na&ccedil;&otilde;es Unidas no Brasil, ag&ecirc;ncia respons&aacute;vel pelo tema no sistema ONU e que tem como miss&atilde;o trabalhar para que toda gravidez seja desejada, todo parto seja seguro que que todo jovem alcance seu potencial, concedi uma s&eacute;rie de entrevistas sobre o assunto. <br /> &nbsp;<br /> Em todos esses di&aacute;logos, fiz quest&atilde;o de afirmar que informa&ccedil;&atilde;o, m&eacute;todos contraceptivos e servi&ccedil;os em sa&uacute;de sexual e reprodutiva t&ecirc;m se mostrado, ao longo do tempo e ao redor do mundo, como a estrat&eacute;gia mais eficaz de preven&ccedil;&atilde;o a gravidez n&atilde;o intencional ao longo da vida reprodutiva das mulheres. <br /> &nbsp;<br /> Contudo, o fen&ocirc;meno da gravidez n&atilde;o-intencional na adolesc&ecirc;ncia n&atilde;o se resume a isso. Em contextos marcados pela falta de oportunidades, pela&nbsp; discrimina&ccedil;&atilde;o de g&ecirc;nero, pela viol&ecirc;ncia e explora&ccedil;&atilde;o sexual e pelo casamento precoce, &eacute; preciso ir al&eacute;m neste debate. <br /> &nbsp;<br /> Os n&uacute;meros informam que o Brasil experimentou um decl&iacute;nio geral nas taxas de fertilidade nos &uacute;ltimos anos, com mulheres tendo cada vez menos filhos (a taxa, hoje, &eacute; de 1,7 por mulher), inclusive entre mulheres jovens. Mas os &iacute;ndices de gravidez na adolesc&ecirc;ncia do pa&iacute;s ainda s&atilde;o altos. De acordo com o <a href="https://brazil.unfpa.org/pt-br/topics/swop2019" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>&uacute;ltimo relat&oacute;rio</i></u></span></a> do Fundo de Popula&ccedil;&atilde;o da ONU, a taxa de fecundidade entre meninas de 15 a 19 anos &eacute; de 62 a cada mil. Estamos acima da m&eacute;dia mundial, que &eacute; de 44 a cada mil. A t&iacute;tulo de compara&ccedil;&atilde;o, a Coreia do Sul tem um &iacute;ndice de 1 a cada mil. A Angola, por outro lado, tem um &iacute;ndice de 163. <br /> <br /> A gravidez n&atilde;o intencional na adolesc&ecirc;ncia est&aacute; diretamente relacionada a fatores como educa&ccedil;&atilde;o, sa&uacute;de, indicadores s&oacute;cio-econ&ocirc;micos e desigualdades territoriais/geogr&aacute;ficas. Dados do IBGE apontam que, de cada 10 jovens de 15 a 19 anos gr&aacute;vidas, 7 s&atilde;o negras e 6 n&atilde;o trabalham e n&atilde;o estudam. De acordo com um estudo do Banco Mundial, o Brasil poderia aumentar sua produtividade em 3,5 bilh&otilde;es de d&oacute;lares por ano se mulheres jovens adiassem a gravidez para depois dos 20 anos de idade. <br /> &nbsp;<br /> Tamb&eacute;m &eacute; importante ressaltar que h&aacute; outras vari&aacute;veis envolvidas no fen&ocirc;meno da gravidez na adolesc&ecirc;ncia, como o casamento infantil, a viol&ecirc;ncia e a explora&ccedil;&atilde;o sexual, que s&atilde;o crimes. A gravidez na adolesc&ecirc;ncia atinge at&eacute; as jovens de menor idade, entre 10 e 14 anos. Nesse sentido, reafirmo que as Na&ccedil;&otilde;es Unidas e o Fundo de Popula&ccedil;&atilde;o da ONU trabalham para assegurar que uni&otilde;es precoces e sexo com menores n&atilde;o sejam uma realidade.<br /> &nbsp;<br /> A gravidez precoce refor&ccedil;a o c&iacute;rculo vicioso de pobreza, na medida em que diminui as chances da jovem concluir seus estudos e, consequentemente, resulta em menor qualifica&ccedil;&atilde;o profissional. A jovem gr&aacute;vida tem maior dificuldade de concluir sua educa&ccedil;&atilde;o formal, como mostram os dados do IBGE: a cada 10 jovens entre 15 e 17 anos que t&ecirc;m um filho ou mais, menos de 3 continuam estudando. O ingresso no mercado de trabalho, da mesma forma, &eacute; prejudicado e, quando acontece, acontece tardiamente e em condi&ccedil;&otilde;es mais prec&aacute;rias. <br /> &nbsp;<br /> A combina&ccedil;&atilde;o do desconhecimento e a dissemina&ccedil;&atilde;o em larga escala, especialmente nas redes sociais e na internet, de informa&ccedil;&otilde;es falsas, confusas, conflitantes e sexistas, tornam a situa&ccedil;&atilde;o ainda mais grave e a popula&ccedil;&atilde;o adolescente e jovem muito mais vulner&aacute;vel, inclusive &agrave; viol&ecirc;ncia baseada em g&ecirc;nero -- temos muitos casos de viol&ecirc;ncia psicol&oacute;gica, f&iacute;sica e sexual entre casais de jovens namorados. <br /> <br /> &nbsp;<br /> Um pacote de conhecimento adequado para prevenir a gravidez na adolesc&ecirc;ncia passa por criar um curr&iacute;culo que desenvolva o autocuidado, a autoestima, e que oportunize a equidade de g&ecirc;nero, incentivando os adolescentes e as adolescentes a se constitu&iacute;rem como cidad&atilde;os. A compreens&atilde;o da sexualidade &eacute; substancial para a transi&ccedil;&atilde;o para a vida adulta. Isso passa por ter rela&ccedil;&otilde;es respeitosas e equitativas. Rela&ccedil;&otilde;es nas quais, no momento certo, sejam tomadas as decis&otilde;es certas. <br /> &nbsp;<br /> &Eacute; importante registrar, no entanto, que n&atilde;o ser ativo sexualmente &eacute; uma quest&atilde;o que, para a maioria das pessoas, tem um limite de tempo. Por isso, obter informa&ccedil;&atilde;o correta &eacute; fundamental para que, se e quando iniciar sua vida sexual, seja aos 16 ou aos 30, estejam cientes de suas decis&otilde;es e consequ&ecirc;ncias. N&atilde;o se trata, &eacute; claro, de estimular a sexualidade precoce, muito pelo contr&aacute;rio. <br /> &nbsp;<br /> Garantir que todas as pessoas tenham acesso a informa&ccedil;&atilde;o e servi&ccedil;os &eacute; essencial. Temos tudo a ganhar e nada a perder com isso.<br /> &nbsp;<br /> <img src="/uploads/image/artigos_astrid-bant_representante-unfpa-brasil.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> <b><i>Astrid Bant</i></b>, representante do Fundo de Popula&ccedil;&atilde;o das Na&ccedil;&otilde;es Unidas (UNFPA) no Brasil<br />