QUESTÕES EMERGENTES DE NOSSA DEMOCRACIA

16 de março de 2020 às 10:25

Gaudêncio Torquato
Que a democracia representativa est&aacute; em crise, aqui e alhures, n&atilde;o h&aacute; como duvidar. O tema tem sido recorrente na m&iacute;dia e nos trabalhos da Academia. Para amparar a tese, ora recorre-se aos mecanismos tradicionais da pol&iacute;tica, cuja deteriora&ccedil;&atilde;o se acelerou no final da d&eacute;cada de 80, com a queda do Muro de Berlim; ora se pin&ccedil;a a li&ccedil;&atilde;o de Norberto Bobbio, que lembra as promessas n&atilde;o cumpridas pela democracia.<br /> <br /> Na primeira leva, mostra-se a derrocada das ferramentas cl&aacute;ssicas da pol&iacute;tica, como a crise das ideologias, a pasteuriza&ccedil;&atilde;o dos partidos pol&iacute;ticos, o decl&iacute;nio dos Parlamentos, o arrefecimento das oposi&ccedil;&otilde;es, a desmotiva&ccedil;&atilde;o das bases eleitorais, a exacerba&ccedil;&atilde;o do presidencialismo, com seu sistema perverso de coopta&ccedil;&atilde;o, entre outros fatores. Em contraponto, criam-se novos polos de poder, como as entidades de intermedia&ccedil;&atilde;o social.<br /> <br /> Na segunda vertente, a do fil&oacute;sofo italiano, descrevem-se as falhas dos sistemas democr&aacute;ticos, que prometeram eliminar o poder invis&iacute;vel, mas t&ecirc;m fracassado; dar um fim &agrave;s oligarquias, proporcionar transpar&ecirc;ncia aos governos e expandir os valores da cidadania, a partir da eleva&ccedil;&atilde;o dos n&iacute;veis educacionais. Em seu livro O Futuro da Democracia, Bobbio descreve amplo cen&aacute;rio dos horizontes democr&aacute;ticos.<br /> <br /> &Eacute; evidente que, a cada ciclo hist&oacute;rico, novos ingredientes s&atilde;o acrescidos &agrave;s planilhas que tratam da crise da democracia. Por isso, quando se planeja algum evento sob a chancela de &ldquo;crise&rdquo; na contemporaneidade das Na&ccedil;&otilde;es democr&aacute;ticas, deve-se entender que as pautas a serem debatidas tratam de quest&otilde;es emergentes, algumas de car&aacute;ter pontual, outras agravadas pela cultura pol&iacute;tica que integra a identidade do pa&iacute;s em quest&atilde;o. &nbsp;<br /> <br /> Vejamos, por exemplo, dois temas que est&atilde;o na nossa ordem do dia: a politiza&ccedil;&atilde;o das For&ccedil;as Armadas e a &ldquo;milicializa&ccedil;&atilde;o&rdquo; das Pol&iacute;cias Militares. Assuntos que exp&otilde;em a &iacute;ndole militar-autorit&aacute;ria do nosso presidente. De pronto, l&iacute;deres desses dois contingentes poder&atilde;o refutar: &ldquo;n&atilde;o ocorre isso&rdquo;. Trata-se de exagero por parte de jornalistas, pol&iacute;ticos e analistas. Os temas at&eacute; podem contemplar uma dose de exagero. Mas a quadra que estamos vivendo sugere que eles amea&ccedil;am os horizontes democr&aacute;ticos. Da&iacute; necessidade de abrir o debate.<br /> <br /> A politiza&ccedil;&atilde;o das For&ccedil;as Armadas leva em conta o circulo&nbsp; de generais convocados para estar ao lado do presidente da Rep&uacute;blica. H&aacute; duas vis&otilde;es sobre o tema: uma, integrada pelos participantes da roda, nega peremptoriamente a incurs&atilde;o das FAs na pol&iacute;tica. A n&atilde;o ser que seus integrantes o fa&ccedil;am pela via partid&aacute;ria. Coisa que, ali&aacute;s, se observou na elei&ccedil;&atilde;o de militares em 2018.&nbsp; Outra ala, ancorada no profissionalismo, defende militares da ativa fora da pol&iacute;tica e atuando de acordo com a letra constitucional. O comandante do Ex&eacute;rcito, general Edson Pujol, lideraria essa linha.<br /> J&aacute; quem passa para a reserva assume o papel de civil, e assim devem ser considerados os generais aposentados que formam o &ldquo;n&uacute;cleo duro do governo&rdquo;. Mas o fato &eacute; que, de pijama ou sem, o n&uacute;mero de generais convocados pelo presidente para lhes dar ajuda no Pal&aacute;cio do Planalto chama a aten&ccedil;&atilde;o. S&atilde;o vistos como a for&ccedil;a dos quart&eacute;is, sob a imagem de que constroem uma fortaleza de defesa presidencial. Esse tra&ccedil;o exerce temor junto &agrave; parcela da sociedade e da esfera pol&iacute;tica.<br /> <br /> A &iacute;ndole militar do presidente acaba funcionando como basti&atilde;o contra eventuais amea&ccedil;as externas. Quanto &agrave; milicializa&ccedil;&atilde;o das PMS, a infer&ecirc;ncia negativa &eacute; at&eacute; maior, na esteira do que se passou no Cear&aacute;. Teria havido ali um &ldquo;motim&rdquo;?&nbsp; Policial pode fazer greve? Por indu&ccedil;&atilde;o, entende-se que os &ldquo;amotinados&rdquo;, sob a bandeira de melhores sal&aacute;rios, poderiam se multiplicar pa&iacute;s afora. Lembre-se que o termo &ldquo;mil&iacute;cia&rdquo; &eacute; empregado com certa mal&iacute;cia (sem trocadilho) para designar bandidagem, certamente com a inten&ccedil;&atilde;o de interligar as mil&iacute;cias no Rio de Janeiro (e figuras ligadas &agrave; fam&iacute;lia Bolsonaro) com os quadros policiais nos Estados. Ao fundo, a lembran&ccedil;a de que a vida pol&iacute;tica do presidente Jair come&ccedil;ou com a defesa de aumento de soldos para seus colegas. <br /> <br /> Em suma, os dois temas s&atilde;o banhados pelas &aacute;guas da polariza&ccedil;&atilde;o que toma conta do pa&iacute;s. Sua inser&ccedil;&atilde;o nos foros de discuss&atilde;o se justifica, at&eacute; para que se dissipem d&uacute;vidas sobre inten&ccedil;&otilde;es de duas for&ccedil;as que entram na lupa social.<br /> <br /> O Instituto Brasil Mais Plural, formado por cientistas pol&iacute;ticos, jornalistas, juristas e advogados, economistas, pessoas de denso pensamento, prepara para in&iacute;cio de maio, em parceria com o CIEE - Centro de Integra&ccedil;&atilde;o Empresa-Escola, um semin&aacute;rio em S&atilde;o Paulo sobre os fen&ocirc;menos que pairam sobre nossa democracia. &Eacute; hora de discuti-los &agrave; luz do bom senso.<br /> &nbsp;<br /> <i><b><img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> </b></i>Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato<br /> Acesse o blog <a href="http://www.observatoriodaeleicao.com/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><i><u>www.observatoriopolitico.org</u></i></span></a><br />