A crise pede cautela, racionalidade e, sobretudo, civilidade

21 de março de 2020 às 12:24

André Fernandes Lima
A crise pela qual estamos passando atualmente, com a propaga&ccedil;&atilde;o do coronav&iacute;rus, tem ocasionado uma grande apreens&atilde;o, talvez sem precedentes na hist&oacute;ria econ&ocirc;mica mundial moderna, por parte n&atilde;o apenas daqueles que atuam no mercado financeiro, mas por toda a popula&ccedil;&atilde;o. Isto porque a crise tem origem fora do contexto monet&aacute;rio e financeiro da economia e suas consequ&ecirc;ncias v&ecirc;m sendo -- e continuar&atilde;o a ser -- sentidas por toda a popula&ccedil;&atilde;o, independentemente de ter acesso ou n&atilde;o ao mercado financeiro, de ser investidor ou devedor, empregador ou empregado, sem distin&ccedil;&atilde;o da classe social. Diante disto, gostaria de abordar duas perspectivas: a do lado real e a do lado monet&aacute;rio e financeiro da economia e, ao final, propor uma reflex&atilde;o r&aacute;pida. <br /> <br /> Sob a perspectiva do lado real da economia, os efeitos da pandemia t&ecirc;m sido verificados por todo o mundo, com diminui&ccedil;&atilde;o no n&iacute;vel de atividade econ&ocirc;mica, com menor demanda por bens e servi&ccedil;os, consequ&ecirc;ncia da necessidade de isolamento domiciliar. S&atilde;o constantes as not&iacute;cias sobre cancelamento de eventos, fechamento de escolas, de espa&ccedil;os p&uacute;blicos e de com&eacute;rcio, cancelamento de viagens, entre outras. Consequ&ecirc;ncias disto podem ser vistas j&aacute; nas proje&ccedil;&otilde;es econ&ocirc;micas. No caso brasileiro, a expectativa de crescimento do PIB (a soma dos bens e servi&ccedil;os produzidos no pa&iacute;s ao longo do ano) em 2020 caiu, nas &uacute;ltimas quatro semanas, de acordo com o Relat&oacute;rio Focus publicado pelo Banco Central, de 2,23% para 1,68% em rela&ccedil;&atilde;o ao ano de 2019, uma queda de 25% na proje&ccedil;&atilde;o. Ressalto que esses dados foram coletados na &uacute;ltima sexta-feira, dia 13, quando o cen&aacute;rio ainda n&atilde;o se desenhava t&atilde;o complexo e com perspectiva de dura&ccedil;&atilde;o t&atilde;o longa como se tem percebido nos &uacute;ltimos dias. Com demanda desaquecida, a tend&ecirc;ncia &eacute; que a press&atilde;o sobre os pre&ccedil;os tamb&eacute;m desaque&ccedil;a; neste sentido, no mesmo Relat&oacute;rio Focus, a expectativa para a infla&ccedil;&atilde;o no ano de 2020 tamb&eacute;m caiu nas &uacute;ltimas quatro semanas, de 3,22% para 3,10%. Vale lembrar que a meta estabelecida no Regime de metas para a infla&ccedil;&atilde;o &eacute; de 4,0% (com intervalo de toler&acirc;ncia entre 2,5% e 5,5%), de forma que as expectativas indicam caminho para o limite inferior da meta. <br /> <br /> A diminui&ccedil;&atilde;o da atividade econ&ocirc;mica e a menor press&atilde;o sobre os pre&ccedil;os abre espa&ccedil;o para que os formuladores de pol&iacute;ticas econ&ocirc;micas adotem medidas no sentido de estimular o crescimento da economia, com redu&ccedil;&atilde;o de impostos, posterga&ccedil;&atilde;o de sua cobran&ccedil;a, subs&iacute;dios, fornecimento de linhas de cr&eacute;dito para empresas em situa&ccedil;&atilde;o de falta de capacidade de pagamento decorrentes deste cen&aacute;rio, redu&ccedil;&atilde;o nas taxas de juros e aumento da liquidez no mercado banc&aacute;rio. De encontro a isto tivemos -- citando apenas uma das medidas, para n&atilde;o me alongar demais -- na &uacute;ltima quarta-feira (dia 18) a redu&ccedil;&atilde;o da taxa de juros b&aacute;sica da economia, a taxa Selic, para 3,75% a.a. <br /> <br /> O lado financeiro da economia tamb&eacute;m tem sentido o impacto da pandemia. Bolsas de valores ao redor do mundo t&ecirc;m registrado frequentes quedas. No Brasil, o Ibovespa registra queda de mais de 40% no ano de 2020, por conta da perspectiva de deteriora&ccedil;&atilde;o nos resultados das empresas. Em rela&ccedil;&atilde;o ao d&oacute;lar, a moeda americana j&aacute; se apreciou 27% frente ao Real ao longo de 2020. As expectativas para o final do ano tamb&eacute;m t&ecirc;m subido, projetando deprecia&ccedil;&atilde;o da moeda brasileira. Isso porque os investidores, em virtude das incertezas sobre o futuro, tornam-se mais avessos a risco e, ent&atilde;o, migram seus recursos para lugares considerados mais seguros e, em se tratando do fluxo de capitais em n&iacute;vel global, esses recursos acabam migrando para os Estados Unidos. <br /> <br /> Agora, voltando ao t&iacute;tulo deste texto, e com isso fechando o racioc&iacute;nio a que me propus desenvolver, &eacute; fato que o cen&aacute;rio &eacute; complexo e preocupante, seria insensato e desprovido de liga&ccedil;&atilde;o com a realidade dizer que n&atilde;o. Entretanto, t&atilde;o importante quanto preocuparmo-nos com nossa sa&uacute;de e atendermos &agrave;s recomenda&ccedil;&otilde;es das autoridades em permanecer em casa de forma a amenizar as possibilidades de cont&aacute;gio e propaga&ccedil;&atilde;o, &eacute; que tenhamos racionalidade nas nossas a&ccedil;&otilde;es, seja em rela&ccedil;&atilde;o a sair de casa, a exigir que a pessoa que trabalha conosco continue vindo trabalhar, (como se ela n&atilde;o estivesse exposta aos mesmos riscos que todos os demais). E, sobretudo, termos em mente que a civilidade, o pensar no pr&oacute;ximo, na coletividade, oferecendo ao pr&oacute;ximo aquilo que gostar&iacute;amos fosse a n&oacute;s oferecido, &eacute; a melhor -- e mais r&aacute;pida -- maneira de enfrentarmos essa situa&ccedil;&atilde;o, amenizando seus impactos a todos. Vale refletir a esse respeito, afinal todos seremos beneficiados se agirmos com este simples objetivo em mente! <br /> <br /> Por <b><i>Andr&eacute; Fernandes Lima</i></b> &eacute; mestre e doutor em Administra&ccedil;&atilde;o de Empresas, p&oacute;s-graduado em Economia Aplicada &agrave; Administra&ccedil;&atilde;o e Finan&ccedil;as e graduado em Ci&ecirc;ncias Econ&ocirc;micas. &Eacute; professor das disciplinas de Finan&ccedil;as Corporativas e Mercados Financeiros na Universidade Presbiteriana Mackenzie.