O "NOVO NORMAL"

28 de abril de 2020 às 17:42

Gaudêncio Torquato
Nesses tempos de medo e depress&atilde;o, chovem platitudes e tru&iacute;smos, na esteira de profetas, videntes e assemelhados que se multiplicam por&nbsp; todos os quadrantes: &quot;depois da pandemia, o mundo ser&aacute; mais solid&aacute;rio&quot;, &quot;veremos avan&ccedil;os nas &aacute;reas das ci&ecirc;ncias&quot;, &quot;os pa&iacute;ses ser&atilde;o menos globalistas e mais protecionistas&quot;, etc. <br /> <br /> A ci&ecirc;ncia pol&iacute;tica n&atilde;o escapa da inexor&aacute;vel tarefa de tentar descobrir os caminhos do amanh&atilde;, raz&atilde;o pela qual,&nbsp; confesso, tamb&eacute;m me inclino a fazer, vez ou outra, exerc&iacute;cios de futurologia. Com forte probabilidade de acertar e cometer erros. <br /> <br /> Em praticamente todas as proje&ccedil;&otilde;es, prega-se o advir de um mundo diferente, um planeta mais solid&aacute;rio no enfrentamento das crises, hip&oacute;tese bastante plaus&iacute;vel ante a constata&ccedil;&atilde;o de que a cat&aacute;strofe de uma Na&ccedil;&atilde;o, a partir da contamina&ccedil;&atilde;o por um v&iacute;rus, atinge a todas. E a busca pela extin&ccedil;&atilde;o de pandemias passa a ser miss&atilde;o de todos.<br /> <br /> Na prospec&ccedil;&atilde;o de hoje, tento enveredar pela trilha a que muitos t&ecirc;m se dedicado: como seria esse &quot;novo normal&quot;, que pistas permitem vislumbrar mudan&ccedil;as de padr&otilde;es, valores, atitudes, enfim, como seria este mapa do cotidiano p&oacute;s-crise? Antes, &eacute; &uacute;til fazer r&aacute;pida aprecia&ccedil;&atilde;o sobre a paisagem social em que se abrigou este Covid-19.<br /> <br /> Ele se infiltra numa sociedade plena de desigualdades, diferen&ccedil;as culturais, modos de vida, democracias vigorosas e outras nem tanto, enormes conglomerados produtivos, economias competitivas, uma infinidade de micro e pequenos neg&oacute;cios, desemprego em massa, debilidade nos aparatos de defesa da sa&uacute;de, competitividade, ac&uacute;mulo de riquezas por parte de grupos, extrema mis&eacute;ria e fome.<br /> <br /> De pronto, a infer&ecirc;ncia emerge: o impacto &eacute; diferente em n&uacute;cleos, grupamentos profissionais e classes sociais. Uns sofrem mais que outros. Mas h&aacute; um fio que liga todos os seres humanos: o v&iacute;rus n&atilde;o distingue ricos e pobres, maiorais e pequenos, com a constata&ccedil;&atilde;o apenas de que um grupo &ndash; os idosos &ndash; est&aacute; mais arriscado a padecer da pandemia.<br /> <br /> Dito isto, fica patente o susto que corre nas veias dos habitantes da Terra: como &eacute; poss&iacute;vel um micro organismo, invis&iacute;vel a olho nu, um dos milh&otilde;es de v&iacute;rus que circula pelo planeta, desfazer da noite para o dia coisas, projetos, empreendimentos constru&iacute;dos com tantos esfor&ccedil;os, alguns sendo produto de toda uma vida?<br /> <br /> &Eacute; como se um tsunami irrompesse num momento, inundando tudo o que encontra pela frente em todos os mares do mundo: pessoas, constru&ccedil;&otilde;es, empreendimentos de todos os tipos. Muitos n&atilde;o se salvam, mesmo buscando abrigo em estabelecimentos hospitalares, enquanto outros, com rendas e neg&oacute;cios arrebentados, ter&atilde;o de se recompor da cat&aacute;strofe e recome&ccedil;ar a vida.<br /> <br /> A trag&eacute;dia deixar&aacute; marcas profundas em todos, mesmo esp&iacute;ritos imbu&iacute;dos dos mais profundos sentimentos de viv&ecirc;ncia na dor e no desespero. Haver&aacute;, certamente, um olhar mais humano para as trag&eacute;dias que ocorrem em todos os lados, pela ideia de que o sofrimento pode, a qualquer momento, baixar na casa de cada um. Mas a cat&aacute;strofe &ndash; e o termo n&atilde;o parece exagerado &ndash; escancara a banaliza&ccedil;&atilde;o do perigo, que viceja na corrente do medo e da morte, duas sombras que nos cercam nesses tempos angustiados.<br /> <br /> A morte mora perto. &Eacute; gritada em alto e bom som, com estoques alt&iacute;ssimos: 20 mil aqui, 50 mil acol&aacute;, 100 mil mais adiante. Virou n&uacute;mero. Em tempos idos, exclamava-se: &quot;fulano morreu&quot;. A interroga&ccedil;&atilde;o assustada aparecia em seguida: &quot;n&atilde;o diga? Quando? Por qu&ecirc;? Hoje, a cena mostra caminh&otilde;es transportando corpos mortos para covas coletivas.<br /> <br /> E tudo isso aprofunda nossas feridas. Certa amargura fluir&aacute; pelas nossos cora&ccedil;&otilde;es, ao lado do descr&eacute;dito e da descren&ccedil;a nos padr&otilde;es da velha pol&iacute;tica. Como a pol&iacute;tica entra aqui? Ora, pelo descalabro com que a crise foi tratada por alguns governantes. Pela falta de equipamentos b&aacute;sicos. Pela inefici&ecirc;ncia dos servi&ccedil;os p&uacute;blicos, mesmo sob reconhecimento de que os profissionais da sa&uacute;de foram her&oacute;is.<br /> <br /> A sensa&ccedil;&atilde;o &eacute; a de que o Senhor Imponder&aacute;vel, que nos visitava em alguns per&iacute;odos &ndash; ciclos de chuva e seca- (deixando at&eacute; de lado sua imponderabilidade), doravante aparecer&aacute; com mais frequ&ecirc;ncia.&nbsp; Tal constata&ccedil;&atilde;o pode nos tornar um povo mais medroso, menos confiante, mais pessimista. A bem da verdade, eis um contraponto: &quot;quem venceu esse dem&ocirc;nio invis&iacute;vel, ter&aacute; condi&ccedil;&atilde;o de vencer outros que nos atacarem&quot;.<br /> <br /> Am&eacute;m.<br /> <br /> <img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" alt="" width="60" hspace="3" height="80" align="left" /><br /> <br /> Por <b><i>Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato - blog <a href="http://www.observatoriodaeleicao.com/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><i><u>www.observatoriopolitico.org</u></i></span></a><br /> <br />