Brasil, um olho no peixe e outro no gato

06 de maio de 2020 às 18:09

Euro Bento Maciel Filho
Estamos prestes a entrar no quinto m&ecirc;s do ano e, ao menos at&eacute; agora, &eacute; poss&iacute;vel dizer que o ano de 2020 ainda n&atilde;o come&ccedil;ou.<br /> <br /> Seguramente, nem o mais pessimista dos brasileiros poderia imaginar, quando da virada do ano, que ter&iacute;amos um 2020 t&atilde;o at&iacute;pico. Daquela ideia inicial de retomada da economia, de novos planos para a vida, de esperan&ccedil;a em dias melhores ap&oacute;s um longo per&iacute;odo de absoluta recess&atilde;o, passamos para um contexto totalmente diverso, de desesperan&ccedil;a, afli&ccedil;&atilde;o e luta pela vida.<br /> <br /> &Eacute; evidente que toda essa situa&ccedil;&atilde;o tem uma raz&atilde;o de ser, qual seja, o tal Coronav&iacute;rus, que come&ccedil;ou na China e, ao depois, espraiou-se mundo afora. <br /> <br /> Contudo, se serve de consolo, cumpre dizer que o Brasil n&atilde;o est&aacute; sozinho. Esse ambiente negativo possui escala mundial, na exata medida em que tanto a derrocada econ&ocirc;mica quanto a lament&aacute;vel perda de vidas humanas atingiram todo o planeta.<br /> <br /> Dessa forma, sendo certo que os problemas que atravessamos s&atilde;o, em grande parte, comuns aos dos demais pa&iacute;ses, &eacute; for&ccedil;oso concluir que, obviamente guardando as devidas diferen&ccedil;as entre o poderio econ&ocirc;mico/financeiro de cada um, a recupera&ccedil;&atilde;o p&oacute;s-pandemia tamb&eacute;m dever&aacute; seguir um padr&atilde;o minimamente comum.<br /> <br /> Afinal, da mesma forma que as medidas para combater a Covid-19 t&ecirc;m sido comuns ao redor do globo (salvo algumas poucas exce&ccedil;&otilde;es, notadamente em pa&iacute;ses totalit&aacute;rios), &eacute; esperar que aquelas adotadas para resgatar a economia tamb&eacute;m acabem sendo &ldquo;copiadas&rdquo; e seguidas pelas diversas Na&ccedil;&otilde;es atingidas.<br /> <br /> No momento atual, o foco deve ser o combate ao Coronav&iacute;rus, para assim tentar evitar a multiplica&ccedil;&atilde;o das milhares de mortes j&aacute; contabilizadas. Trata-se, sim, de um momento de uni&atilde;o global em torno de um mesmo objetivo.<br /> <br /> Entretanto, dentro desse contexto, o Brasil parece ser um &ldquo;ponto fora da curva&rdquo;, infelizmente. De fato, s&oacute; aqui tivemos a proeza de criar uma super crise em meio a outra, misturando-as de tal forma que o cidad&atilde;o comum j&aacute; n&atilde;o consegue distingui-las com precis&atilde;o.<br /> <br /> De uns tempos para c&aacute;, todos dormem pensando no Coronav&iacute;rus e acordam assustado com a crise de credibilidade do Governo. Isso porque, ao mesmo tempo em que as estat&iacute;sticas apontam para o aumento expressivo do n&uacute;mero de doentes/mortes, as trapalhadas de Bras&iacute;lia tamb&eacute;m t&ecirc;m ocorrido com frequ&ecirc;ncia end&ecirc;mica.<br /> <br /> Ora, durante essa pandemia, em qual outro lugar do mundo h&aacute; a not&iacute;cia de que o presidente tenha promovido verdadeiro &ldquo;cabo de guerra&rdquo; contra a pol&iacute;tica p&uacute;blica adotada pelo seu pr&oacute;prio Ministro da Sa&uacute;de?<br /> <br /> Al&eacute;m disso, qual outro pa&iacute;s teve o seu Ministro da Sa&uacute;de, normalmente o &ldquo;comandante supremo&rdquo; no combate &agrave; Covid-19, demitido bem no meio do problema?<br /> <br /> Como se tudo isso n&atilde;o bastasse, eis que, num repente, o Ministro da Justi&ccedil;a, seguramente uma das principais escoras do Governo, porque descontente com a a&ccedil;odada troca do &ldquo;chefe&rdquo; da Policia Federal, simplesmente pede demiss&atilde;o e, ao explicar as raz&otilde;es da sua sa&iacute;da, imputa supostas pr&aacute;ticas pouco ortodoxas ao presidente, assim dando in&iacute;cio &agrave; (mais uma) grave crise pol&iacute;tica.<br /> <br /> Para piorar, j&aacute; no dia seguinte, o presidente, ao tentar recompor a vaga deixada na chefia da Pol&iacute;cia Federal, simplesmente nomeia um &ldquo;amigo antigo&rdquo; para o cargo, assim deixando claro que as acusa&ccedil;&otilde;es feitas pelo ex-Ministro da Justi&ccedil;a tinham, no m&iacute;nimo, plausibilidade.<br /> <br /> Mas, como no Brasil &ldquo;crise pouca &eacute; bobagem&rdquo;, menos de 24 horas depois, o STF &ndash; sem aqui entrar no m&eacute;rito da decis&atilde;o &ndash;, adentrando numa seara que (aparentemente) n&atilde;o &eacute; sua, suspende, liminarmente, a nomea&ccedil;&atilde;o do indicado para o comando da PF; o que enseja, agora, uma (outra) crise entre os Poderes.<br /> <br /> Nesse ponto, tal qual foi dito, de forma infeliz, pelo nosso presidente, faz-se preciso indagar: &ldquo;E da&iacute;?&rdquo;<br /> Ora, as consequ&ecirc;ncias dessa &ldquo;crise por cima da crise&rdquo; s&atilde;o terr&iacute;veis, eis que essa balb&uacute;rdia toda abala, de um lado, as j&aacute; combalidas pilastras da nossa economia e, de outro, afeta a (pouca) credibilidade do Governo.<br /> <br /> De um dia para o outro, por conta dessas recentes (e graves) acusa&ccedil;&otilde;es mencionadas pelo ex-Ministro da Justi&ccedil;a, foram apresentados quase uma dezena de pedidos de impeachment. Ali&aacute;s, &eacute; bom salientar que, proporcionalmente ao tempo de governo, Bolsonaro j&aacute; det&eacute;m o recorde nesse quesito, e, como consequ&ecirc;ncia dos seus in&uacute;meros mandos e desmandos, v&ecirc; a sua popularidade cair a cada dia que passa.<br /> <br /> Enfim, enquanto a classe pol&iacute;tica faz as suas lamban&ccedil;as, o d&oacute;lar dispara, o mercado de a&ccedil;&otilde;es despenca, o n&uacute;mero de mortes causadas pela Covid-19 aumenta e, com tudo isso, a sociedade v&ecirc;-se aturdida e confusa, sem entender o que fazer (se sai &agrave; rua ou se fica em casa), para quem bater panela (a favor ou contra o Governo) ou em quem acreditar (no Presidente ou no ex-Ministro da Justi&ccedil;a).<br /> <br /> Lamentavelmente, vivemos tristes tempos de desgoverno e descr&eacute;dito. Lutar pela vida, nos dias atuais, n&atilde;o tem sido tarefa f&aacute;cil, contudo, por incr&iacute;vel que pare&ccedil;a, se n&atilde;o tivermos o Governo para atrapalhar, j&aacute; estaremos no lucro.&nbsp;&nbsp; &nbsp;<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;<br /> Por <i><b>Euro Bento Maciel Filho</b></i> &eacute; mestre em Direito Penal pela PUC/SP. Tamb&eacute;m &eacute; professor universit&aacute;rio, de Direito Penal e Pr&aacute;tica Penal, advogado criminalista e s&oacute;cio do escrit&oacute;rio Euro Maciel Filho e Tyles &ndash; Sociedade de Advogados.