A quem interessa o adiamento das eleições?

06 de maio de 2020 às 18:22

Anderson Pomini
Em meio ao avan&ccedil;o da pandemia do Covid-19, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Lu&iacute;s Roberto Barroso, admitiu em uma videoconfer&ecirc;ncia da Associa&ccedil;&atilde;o dos Magistrados do Brasil a possibilidade de que as elei&ccedil;&otilde;es municipais serem adiadas em raz&atilde;o da crise sanit&aacute;ria. <br /> <br /> Segundo o ministro, a data limite para essa defini&ccedil;&atilde;o seria junho, quando na rotina tradicional dos procedimentos eleitorais, equipes t&eacute;cnicas s&atilde;o enviadas aos Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados para testar a seguran&ccedil;a das urnas eletr&ocirc;nicas, havendo necessidade de treinamento de pessoas, mes&aacute;rios e demais agentes colaboradores da log&iacute;stica eleitoral. <br /> <br /> Dirigentes partid&aacute;rios, pr&eacute;-candidatos, estrategistas de campanha, advogados, ju&iacute;zes e muitos dos que est&atilde;o envolvidos na din&acirc;mica das elei&ccedil;&otilde;es tamb&eacute;m reconhecem que h&aacute; outras poss&iacute;veis intercorr&ecirc;ncias capazes de romper a fluidez ordin&aacute;ria do calend&aacute;rio eleitoral, levando a um indesej&aacute;vel adiamento do pleito. Um exemplo disso &eacute; a presum&iacute;vel dificuldade de cumprimento dos prazos &quot;pol&iacute;ticos&quot; como as conven&ccedil;&otilde;es partid&aacute;rias para oficializar as candidaturas e permitir o in&iacute;cio das campanhas em 15 de agosto. S&atilde;o situa&ccedil;&otilde;es que pela cultura pol&iacute;tica vigente e consolidada ensejam aglomera&ccedil;&otilde;es de pessoas e manifesta&ccedil;&otilde;es muitas vezes calorosas de apoio, o que se afigura incompat&iacute;vel com as medidas de restri&ccedil;&atilde;o de contato social. <br /> <br /> Al&eacute;m disso, no contexto da pandemia, emerge a quest&atilde;o do financiamento das elei&ccedil;&otilde;es. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (fundo eleitoral) tem sido alvo de ataques pol&iacute;ticos e constri&ccedil;&otilde;es judiciais visando ao redirecionamento de seus recursos ao combate dos efeitos da Covid-19. Recentemente duas decis&otilde;es proferidas pela Justi&ccedil;a Federal, uma no Rio de Janeiro e outra no Distrito Federal, concedeu tutelas provis&oacute;rias em a&ccedil;&otilde;es populares intentadas nesse sentido, gerando d&uacute;vidas sobre a viabilidade econ&ocirc;mica de todo o processo eleitoral. <br /> <br /> Mas o fato &eacute; que a pr&oacute;pria emerg&ecirc;ncia sanit&aacute;ria tem sido pr&oacute;diga em descortinar a brutal capacidade de adapta&ccedil;&atilde;o de uma sociedade altamente conectada e que tem &agrave; sua disposi&ccedil;&atilde;o uma farta gama de ferramentas digitais capazes de alterar positivamente o comportamento e a cultura do eleitor no processo eleitoral, da mesma forma que j&aacute; permitiu, com sucesso, mudan&ccedil;as comportamentais antes impens&aacute;veis em outros segmentos da vida social. Essa capacidade de adapta&ccedil;&atilde;o diz respeito n&atilde;o apenas &agrave;s possibilidades tecnol&oacute;gicas, mas tamb&eacute;m &agrave;s restri&ccedil;&otilde;es econ&ocirc;micas. <br /> <br /> Diante de tais possibilidades, o adiamento das elei&ccedil;&otilde;es em raz&atilde;o da Covid-19 se afigura como decis&atilde;o extrema, carente de racionalidade e razoabilidade. O primeiro aspecto a considerar &eacute; o temporal. O primeiro turno das elei&ccedil;&otilde;es est&aacute; previsto para o dia 4 de outubro, ou seja, quase cinco meses. Considerando que o pico da pandemia ocorre na primeira quinzena de maio, todas as proje&ccedil;&otilde;es matem&aacute;ticas j&aacute; realizadas apontam que em outubro quase todas as restri&ccedil;&otilde;es de contato social estar&atilde;o flexibilizadas. <br /> <br /> Em rela&ccedil;&atilde;o ao financiamento p&uacute;blico pelo fundo eleitoral, ainda que os recursos sejam redirecionados ao combate &agrave; pandemia por iniciativa pol&iacute;tica ou por decis&otilde;es judiciais, o fato &eacute; que a via do financiamento privado por pessoas jur&iacute;dicas n&atilde;o est&aacute; totalmente bloqueada, e pode funcionar sim como solu&ccedil;&atilde;o de emerg&ecirc;ncia. O Congresso Nacional poderia autorizar, excepcionalmente, o retorno provis&oacute;rio das doa&ccedil;&otilde;es de campanha por empresas, por meio de altera&ccedil;&atilde;o de lei ordin&aacute;ria, em processo legislativo relativamente simples. Essa medida compensaria o redirecionamento dos recursos do fundo eleitoral, sem que isso representasse afronta ao ac&oacute;rd&atilde;o tirado na ADI n&ordm; 4.650, dado o seu car&aacute;ter extraordin&aacute;rio. <br /> <br /> O contexto da pandemia imp&otilde;e tamb&eacute;m a todos os agentes pol&iacute;ticos uma reflex&atilde;o bastante oportuna em nosso tempo: &eacute; realmente necess&aacute;rio todo o ritual c&iacute;vico das elei&ccedil;&otilde;es tal como nos acostumamos nas &uacute;ltimas d&eacute;cadas? &Eacute; preciso mesmo sair de casa, com santinho do candidato na m&atilde;o, dirigir-se fisicamente at&eacute; a se&ccedil;&atilde;o eleitoral de sempre, pegar a fila ou participar daquelas tradicionais aglomera&ccedil;&otilde;es, com ou sem a pr&aacute;tica de &quot;boca-de-urna&quot;? A crescente possibilidade de certifica&ccedil;&atilde;o dos padr&otilde;es de seguran&ccedil;a nos sistemas digitais abrem, de fato, a possibilidade de pelo a menos a maioria da sociedade votar sem sair de casa, valendo-se de plataformas eleitorais criadas para esse fim. <br /> <br /> Se ainda &eacute; cedo para incluir e difundir os recursos digitais dispon&iacute;veis para a realiza&ccedil;&atilde;o de elei&ccedil;&otilde;es totalmente eletr&ocirc;nicas, como seria desej&aacute;vel num futuro pr&oacute;ximo, que o pleito de 2020 considere ao menos a possibilidade de escalonamento de eleitores para que a vota&ccedil;&atilde;o se d&ecirc;, por exemplo, em tr&ecirc;s dias diferentes, considerando a idade dos eleitores e as situa&ccedil;&otilde;es que ofere&ccedil;am o menor risco de contamina&ccedil;&atilde;o por contato social. As urnas tradicionais seriam utilizadas apenas por aqueles que n&atilde;o t&ecirc;m acesso a dispositivos eletr&ocirc;nicos. <br /> <br /> O adiamento das elei&ccedil;&otilde;es de 2020 n&atilde;o interessa &agrave; sociedade. Trata-se de uma anomalia institucional que somente mobiliza os oportunistas de plant&atilde;o que j&aacute; est&atilde;o no comando das Prefeituras ou no exerc&iacute;cio de mandatos parlamentares nas C&acirc;maras Municipais e que enxergam na Covid-19 uma possibilidade de agarrar-se ao poder por raz&otilde;es pouco republicanas. <br /> <br /> <img src="/uploads/image/artigos_anderson-pomini_advogado-especialista-direito-eleitoral.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Por <i><b>Anderson Pomini</b></i> &eacute; advogado, especialista em Direito Eleitoral e mestre em Direito Pol&iacute;tico e Econ&ocirc;mico. Foi secret&aacute;rio de Justi&ccedil;a do munic&iacute;pio de S&atilde;o Paulo.