OS NOVOS POLOS DE PODER

06 de maio de 2020 às 18:24

Gaudêncio Torquato
As crises n&atilde;o se esgotam em tempo marcado. Constituem um fen&ocirc;meno que perpassa a linha do tempo. Como a &aacute;gua corrente, que descobre as entr&acirc;ncias e reentr&acirc;ncias das rochas at&eacute; encontrar o mar, as crises fluem ao correr das circunst&acirc;ncias, gerando efeitos maiores ou menores, abrindo rumos, redefinindo caminhos. A crise sanit&aacute;ria, provocada pela pandemia do Covid-19, impulsionar&aacute; a a&ccedil;&atilde;o dos governos na trilha da sa&uacute;de. A crise econ&ocirc;mica provocar&aacute; sequelas sobre os conjuntos sociais, abaixando o &iacute;ndice do Produto Nacional Bruto da Felicidade. Servir&aacute; de alerta. E a crise pol&iacute;tica j&aacute; come&ccedil;a a deixar nossos representantes de &ldquo;barba no molho&rdquo;.<br /> <br /> Se h&aacute; uma consequ&ecirc;ncia que soma os componentes das tr&ecirc;s crises em curso, esta &eacute; o avan&ccedil;o da participa&ccedil;&atilde;o social no processo pol&iacute;tico. Saturada de promessas n&atilde;o cumpridas, indignada com a m&aacute; qualidade dos servi&ccedil;os p&uacute;blicos, descrente com as figuras que, periodicamente, aparecem no cen&aacute;rio como &ldquo;salvadores da P&aacute;tria&rdquo;, a sociedade d&aacute; um passo adiante no sentido de criticar, exigir, cobrar, querer mudar. Quer dizer, decide participar com mais for&ccedil;a do sistema de decis&otilde;es.<br /> <br /> Em alguns pa&iacute;ses, principalmente na Europa, este direcionamento &eacute; bem desenvolvido, ganhando a designa&ccedil;&atilde;o de &ldquo;auto-gest&atilde;o&rdquo; t&eacute;cnica, pela qual as pessoas escolhem seus objetivos e os meios para alcan&ccedil;&aacute;-los, n&atilde;o aceitando mais a tutela dos pol&iacute;ticos. O sentimento &eacute; de que a &aacute;gua transbordou no copo. Tal tend&ecirc;ncia exibe maior organicidade social. Grupos, n&uacute;cleos, setores, desencantados com os obsoletos e tradicionais padr&otilde;es de operar a pol&iacute;tica, querem, eles mesmos, definir suas a&ccedil;&otilde;es. A taxa de cidadania ganha for&ccedil;a.<br /> <br /> Ali&aacute;s, a cr&iacute;tica que se faz &agrave; democracia representativa j&aacute; vem de d&eacute;cadas. Bobbio, em seu cl&aacute;ssico O Futuro da Democracia, descreve as promessas n&atilde;o cumpridas por ela, entre as quais, a educa&ccedil;&atilde;o para a cidadania, o combate ao poder invis&iacute;vel, as oligarquias, a falta de transpar&ecirc;ncia dos governos, o acesso de todos &agrave; justi&ccedil;a. Estes fen&ocirc;menos se somam a outros, convergindo para o distanciamento entre sociedade e representa&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica.<br /> <br /> Como podemos dar outra interpreta&ccedil;&atilde;o a esse novo estado? Significa que a sociedade se organiza em entidades de refer&ecirc;ncia, como sindicatos, associa&ccedil;&otilde;es, federa&ccedil;&otilde;es, grupos e movimentos. Esses s&atilde;o os novos n&uacute;cleos de poder. Uma for&ccedil;a que nasce nas margens, ensejando o que podemos chamar de &ldquo;poder centr&iacute;peto&rdquo;, em contraposi&ccedil;&atilde;o ao &ldquo;poder centr&iacute;fugo&rdquo;, este formado pelas institui&ccedil;&otilde;es centrais, os Poderes Executivo, Legislativo e Judici&aacute;rio, nas inst&acirc;ncias federais, estaduais e municipais.<br /> <br /> Essa modelagem passa a agir como um rolo compressor sobre os Poderes constitucionais. Assim raciocina o eleitor: se meu representante ou o governante n&atilde;o conseguem atender as necessidades, vou bater na porta de minha entidade. Sob tal configura&ccedil;&atilde;o, desenvolver-se-&aacute; a a&ccedil;&atilde;o da pol&iacute;tica no Brasil, com altera&ccedil;&atilde;o de comportamentos, mudan&ccedil;a na fei&ccedil;&atilde;o dos protagonistas, redefini&ccedil;&atilde;o dos pacotes sociais, redimensionamento dos recursos, reordenamento de meios e compensa&ccedil;&otilde;es para os programas regionais, etc.<br /> <br /> Os novos horizontes, sob tal panorama, s&atilde;o promissores. A democracia participativa finca estacas profundas na seara social. O que vai refor&ccedil;ar os tr&ecirc;s instrumentos que, hoje, a ancoram: o referendo, o plebiscito e o projeto de lei de iniciativa popular. Redesenha-se, assim, uma paisagem mais f&eacute;rtil no campo democr&aacute;tico, corroborando um dos significados da express&atilde;o japonesa para a palavra crise: oportunidade. Ou seja, vamos extrair das crises a oportunidade para o pa&iacute;s refazer o seu modus faciendi de operar a pol&iacute;tica.<br /> <br /> Pano de fundo: o Brasil &eacute; um pa&iacute;s de dimens&atilde;o continental, com imensas riquezas naturais, n&atilde;o registra as cat&aacute;strofes naturais que ocorrem em diversas regi&otilde;es do mundo, abriga o maior e mais qualificado agroneg&oacute;cio do planeta, tem sol o ano inteiro na regi&atilde;o Nordeste e um dos maiores potenciais tur&iacute;sticos do mundo. O que falta, por aqui, &eacute; uma taxa menor do que podemos chamar de Produto Nacional Bruto da Corrup&ccedil;&atilde;o (PNBC).<br /> <br /> H&aacute; outros componentes que devem entrar no jogo. A pol&iacute;tica n&atilde;o &eacute; selva para praticar tiro ao alvo contra animais. As disputas precisam entrar no foro do respeito e da seriedade. Os compromissos h&atilde;o de ser executados. Urge deixar de lado as promessas mirabolantes, as emboscadas, a radicaliza&ccedil;&atilde;o, o &oacute;dio, o terraplanismo, os ide&aacute;rios ultrapassados. O lema a guiar nossos passos: cada um cumpra o seu dever.<br /> &nbsp;<br /> <img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato - Acesse o blog<a href="http://www.observatoriodaeleicao.com/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><i><u> www.observatoriopolitico.org</u></i></span></a><br />