A saúde do País à deriva
15 de maio de 2020 às 16:17
Rodrigo Augusto Prando
Hoje, 15/05/20, o Brasil conta com mais de 14 mil mortos pela Covid-19. Milhares de vidas, de pais, mães, filhos, amigos, conhecidos, enfim, que perderam suas vidas nesta pandemia. E, com tudo isso, temos uma saúde, um Ministério da Saúde, à deriva, pois, há pouco, o médico Nelson Teich, Ministro da Saúde, pediu demissão. <br />
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Quando da ocasião da demissão do Ministro Luiz Henrique Mandetta, que era bem avaliado - até melhor que o Presidente Bolsonaro na condução da crise - eu, ao final de um artigo, afirmei após avaliar a saída de Mandetta que seu substituto, Teich era, no mínimo, corajoso. E essa coragem por conta de ter plena noção de onde estava entrando, qual o governo e quem era o presidente da República. Muitos elogiaram o perfil técnico de Teich e sua experiência como gestor na iniciativa privada. Importante essa formação e experiência na iniciativa privada, contudo, na condição de ministro e tendo a máquina do SUS para operar seria primordial conhecimento do sistema público de saúde, bem como qualidades políticas para não apenas gerir a sua pasta e sim para atuar na condição de líder. <br />
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Esse conhecimento poderia ter sido resolvido com uma boa equipe, mas isso não foi possível pela ingerência direta do governo indicando militares em muitas posições no ministério. O essencial, todavia, da saída de Teich foram, novamente, os embates com Bolsonaro, que sempre faz questão de lembrar que é o dono da caneta e que, por isso, é quem manda. Teich havia prometido um plano para, paulatinamente, diminuir a necessidade do isolamento social e a retomada de setores da economia. O plano, se foi efetivamente concretizado, não foi apresentado e qualquer que fosse esse plano não seria, penso eu, viável num momento em que nossa curva de contaminação e óbitos continua em ascensão. <br />
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Outro fato, esse praticamente humilhante, foi, em entrevista coletiva, o ministro ficar sabendo que um decreto presidencial havia permitido o retorno de barbearias, manicures e academia de voltarem a atender o público. Estupefato, o ministro foi informado pelos jornalistas presentes, deixando claro que sua função, ali, era quase decorativa. Suas expressões faciais e suas poucas e emboladas palavras se tornaram memes a povoar as redes sociais. E, por fim, e mais determinante para sua demissão foi a constante defesa de Bolsonaro do uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19. <br />
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Teich, assim como Mandetta, e, ainda, levando-se em conta todos os protocolos conhecidos no âmbito científico, não recomendaram de forma taxativa o uso do medicamento em todos os casos. Isso irritou muito Bolsonaro que queria um ministro da saúde servil às suas vontades. Nesse embate, Teich preferiu, bem como preferiram governadores e prefeitos, ficar ao lado da ciência e da medicina e, obviamente, distante dos desejos presidenciais. <br />
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A opinião pública e os atores políticos, novamente, indicam o descontentamento com essa crise e não a da pandemia, mas a crise política advinda da ausência de liderança por parte de Bolsonaro. A saída de dois ministros da saúde, ambos, cada um a seu modo e a seu tempo, fritados pelo presidente e pelos bolsonaristas. Paira no ar a questão: qual será o próximo ministro? Fica alguém do exército? Um novo médico que estaria disposto a colocar seu diploma e conhecimento científico num plano secundário para obedecer o presidente? E uma outra pergunta: até onde Bolsonaro vai com seu presidencialismo de confrontação? <br />
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Por <i><b>Rodrigo Augusto Prando</b></i> é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara.<br />