A reunião ministerial e sua repercussão

26 de maio de 2020 às 19:00

Rodrigo Augusto Prando
No fim da tarde de sexta-feira o famigerado v&iacute;deo da reuni&atilde;o ministerial do Governo Bolsonaro foi divulgado por determina&ccedil;&atilde;o do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. A exibi&ccedil;&atilde;o, no canais de TV, foi realizada por trechos e, em alguns momentos, partes foram mantidas em sigilo. Dos pontos mais pol&ecirc;micos j&aacute; se tinha conhecimento mesmo antes da divulga&ccedil;&atilde;o, com maior ou menor precis&atilde;o dos detalhes. Vejamos alguns elementos que reclamam maior aten&ccedil;&atilde;o. <br /> <br /> Em primeiro lugar, questiono-me o porqu&ecirc; de, justamente, aquela reuni&atilde;o ter sido gravada. Sabendo o Presidente Bolsonaro de seu linguajar, bem como do de muitos ministros e, ainda, do teor da discuss&atilde;o, qual a motiva&ccedil;&atilde;o para o registro em v&iacute;deo? Outro ponto que chama aten&ccedil;&atilde;o &eacute; que n&atilde;o h&aacute; nenhuma atitude de empatia com os doentes e mortos pela pandemia. Nada. O t&atilde;o falado e defendido &quot;povo&quot; na perspectiva de Bolsonaro n&atilde;o foi digno de uma fala de pesar pelas vidas perdidas. Os palavr&otilde;es pululam n&atilde;o s&oacute; na fala presidencial, mas de outros ministros. E, aqui, nenhuma novidade, inclusive porque pesquisas no per&iacute;odo eleitoral indicavam que o eleitor se identificava com essa linguagem e a considerava um fator positivo do ent&atilde;o candidato dado sua autenticidade. <br /> <br /> Para os bolsonaristas a fala, portanto, foi um mel para seu deleite vocabular e a confirma&ccedil;&atilde;o que Bolsonaro n&atilde;o mudou nada, &eacute; o mesmo de antes. Em muitas ocasi&otilde;es, o presidente cobrou uma defesa mais enf&aacute;tica de seu governo, ideias, pautas e a&ccedil;&otilde;es de seus ministros, pois muitos preferiam manter-se calados para preservar sua imagem p&uacute;blica. Certamente, o recado, dado a todos, era endere&ccedil;ado para Sergio Moro, que, de bra&ccedil;os cruzados, mostrou-se desconfort&aacute;vel. As falas de Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni pareciam tratar de um pa&iacute;s distante da realidade, especialmente, no que tange &agrave; visibilidade do Brasil no exterior. <br /> <br /> Os ministros Weintraub e Damares t&ecirc;m a especial aten&ccedil;&atilde;o do presidente e n&atilde;o se furtaram de externar o desejo de mandar para pris&atilde;o ministros do STF, prefeitos e governadores. Ricardo Salles, por sua vez, afirma ser importante &quot;ir passando a boiada&quot; para mudar os regimentos e as normas de prote&ccedil;&atilde;o ambiental, at&eacute; porque, em sua vis&atilde;o, haveria um momento em que a imprensa estaria mais preocupada com a pandemia e, logicamente, deveriam aproveitar essa janela de oportunidade. Um ministro do meio ambiente que parece preocupar-se com outros interesses e n&atilde;o os de preserva&ccedil;&atilde;o atinentes &agrave; sua pasta. <br /> <br /> E, quanto aos governadores, as express&otilde;es do presidente ao se referir a Doria e Witzel est&atilde;o no campo das necessidades fisiol&oacute;gicas, cuja repeti&ccedil;&atilde;o &eacute; desnecess&aacute;ria neste escrito. Bolsonaro, orientado por valores que conjuga liberalismo econ&ocirc;mico e conservadorismo nos costumes, insiste numa popula&ccedil;&atilde;o armada que, assim, n&atilde;o seria escravizada por nenhuma tirania. E, na escala de import&acirc;ncia, a liberdade tem mais peso que a vida para o presidente da rep&uacute;blica. O fulcro do v&iacute;deo, contudo, est&aacute; naquilo que Moro e seus advogados entendem ser a confirma&ccedil;&atilde;o do desejo de Bolsonaro de intervir politicamente na Pol&iacute;cia Federal, mormente, no Rio de Janeiro. Segundo a vers&atilde;o oficial, mudar a &quot;Seguran&ccedil;a&quot; seria relacionada &agrave; seguran&ccedil;a pessoal, mas esta, como se sabe, est&aacute; a cargo do Gabinete de Seguran&ccedil;a Institucional; para Moro, ali, estava a insist&ecirc;ncia de troca na PF, ou seja, corroboraria a vers&atilde;o do ex-ministro em depoimento no processo que segue sob responsabilidade do STF. <br /> <br /> Veremos, logo mais, o impacto da reuni&atilde;o no mosaico jur&iacute;dico e nas quest&otilde;es pol&iacute;ticas. Bolsonaro se esmerou no seu estilo de confrontar as institui&ccedil;&otilde;es e, agora, recebe parte da resposta, no universo jur&iacute;dico e dos atores pol&iacute;ticos. <br /> <br /> Por <i><b>Rodrigo Augusto Prando</b></i> &eacute; professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ci&ecirc;ncias Sociais e Aplicadas. Graduado em Ci&ecirc;ncias Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara. <br />