O VOTO DO NOVO CORONA

07 de julho de 2020 às 11:58

Gaudêncio Torquato
Definidas as datas do primeiro e segundo turnos das elei&ccedil;&otilde;es &ndash; 15 e 29 de novembro &ndash; a maior interroga&ccedil;&atilde;o sobre o pleito se espraia pelo territ&oacute;rio: afinal, para onde ir&aacute; o voto influenciado pelo novo &ldquo;coronel&rdquo;, desculpem, o novo corona da pol&iacute;tica? H&aacute; uma teia de circunst&acirc;ncias a sinalizar a dire&ccedil;&atilde;o dos ventos pand&ecirc;micos, em novembro, a partir da hip&oacute;tese central de que o danado do v&iacute;rus j&aacute; estaria dominado pelos avan&ccedil;os medicinais e pela pr&oacute;pria imunidade da popula&ccedil;&atilde;o. Por isso, qualquer apontamento sobre tend&ecirc;ncias haver&aacute; de considerar o que este analista batiza de Produto Nacional Bruto da Felicidade. Abaixo de 5, a desgraceira ser&aacute; geral, com alto &iacute;ndice de renova&ccedil;&atilde;o nos perfis dos alcaides. Acima de 5, teremos uma mescla de gente nova, prefeitos reeleitos e at&eacute; velhos nomes de volta ao palco.<br /> <br /> Fa&ccedil;amos algumas proje&ccedil;&otilde;es. Uma delas &eacute; que as mulheres ganharam evid&ecirc;ncia na conjuntura de crise, mais falantes e valentes na cr&iacute;tica aos prec&aacute;rios servi&ccedil;os p&uacute;blicos. Apareceram com maior visibilidade. A par dessa quest&atilde;o pontual, h&aacute; de se avocar a condi&ccedil;&atilde;o feminina nas atividades do cotidiano, que adquirem realce nas crises, quando a mulher se apresenta falando na educa&ccedil;&atilde;o dos filhos, no trabalho que se torna mais dif&iacute;cil, na az&aacute;fama que ela tenta organizar para diminuir as intemp&eacute;ries enfrentadas pela fam&iacute;lia. A mulher como organizadora, tomadora de conta do lar, atenta &agrave; penca de filhos. Da&iacute; emerge a infer&ecirc;ncia: ser&atilde;o reconhecidas como tal, merecendo o voto de fortes parcelas eleitorais.<br /> <br /> Um fen&ocirc;meno que se expande no pa&iacute;s, ao sabor dos movimentos que se multiplicam no contexto das Na&ccedil;&otilde;es, &eacute; o da organicidade social. Observo esta tend&ecirc;ncia, j&aacute; consolidada na Europa e nos EUA e atravessando novas fronteiras nos pa&iacute;ses orientais &ndash; vejam Hong-Kong &ndash; , e que se desenvolve no Brasil de maneira mais consistente desde a Constitui&ccedil;&atilde;o de 1988. A chamada Constitui&ccedil;&atilde;o Cidad&atilde; abriu um imenso leque de direitos individuais e sociais que, nos &uacute;ltimos anos, se tornaram movimentos organizados, com personalidade jur&iacute;dica, capazes de fazer mobiliza&ccedil;&otilde;es de rua.<br /> <br /> A for&ccedil;a dessa movimenta&ccedil;&atilde;o se avoluma na esteira do descr&eacute;dito com que a sociedade passa a enxergar a classe pol&iacute;tica. Representantes no Parlamento e governantes no Executivo deixam de cumprir tarefas, aparecem nas bases apenas nos ciclos eleitorais, operando no balc&atilde;o da velha pol&iacute;tica. Desacreditados, esses obsoletos cultores do passado ganhar&atilde;o passaporte para ficar em casa. Ora, a descren&ccedil;a generalizada na pol&iacute;tica abriu imenso v&aacute;cuo entre a sociedade e o universo pol&iacute;tico. E quem ocupou este v&aacute;cuo? Exatamente as entidades organizadas. Que fundaram novos polos de poder. Tornaram-se refer&ecirc;ncia para grupos, n&uacute;cleos, setores. A intermedia&ccedil;&atilde;o social entrou forte nas frentes de press&atilde;o. Os corredores do Congresso tornaram-se passarela para o desfile de associa&ccedil;&otilde;es, sindicatos, federa&ccedil;&otilde;es, n&uacute;cleos, grupos, movimentos de todos os tipos. Pois bem, o voto em novembro ter&aacute; essa forte alavanca organizativa.<br /> <br /> Outro vetor de peso eleitoral &eacute; o das frentes parlamentares, formadas por bancadas de defesa de c&iacute;rculos de neg&oacute;cios. A rigor, fazem parte do circuito anterior aqui descrito, mas por sua import&acirc;ncia na composi&ccedil;&atilde;o parlamentar merecem um destaque. Agrupam as bancadas religiosa, do agroneg&oacute;cio, dos servidores p&uacute;blicos, dos militares, do setor de servi&ccedil;os, dos profissionais liberais etc. Essas bancadas tendem a se consolidar na moldura organizativa do pa&iacute;s, seguindo uma tend&ecirc;ncia mundial, muito caracter&iacute;stica dos EUA, onde o voto vai geralmente para o representante dos interesses locais e das regi&otilde;es. Nesse sentido, podemos deduzir que o voto distrital tende a se fortalecer na paisagem social, onde as classes sociais se subdividem em n&uacute;cleos espec&iacute;ficos. Os deputados querem aumentar suas bases.<br /> <br /> A par dessas proje&ccedil;&otilde;es, podemos divisar uma composi&ccedil;&atilde;o ditada pelo modo como categorias enxergam a pol&iacute;tica. Os profissionais liberais, por exemplo, tendem a depositar na urna um voto mais racional que emocional. O voto no Brasil est&aacute; deixando o cora&ccedil;&atilde;o para subir &agrave; cabe&ccedil;a. Significa que estamos subindo degraus na escada da racionalidade. Esse tipo de voto se concentra nas grandes e m&eacute;dias cidades, mais abertas aos meios de comunica&ccedil;&atilde;o e &agrave;s cr&iacute;ticas aos governantes. No contraponto, enxergamos tra&ccedil;os do passado em rinc&otilde;es que pararam no tempo, o habitat de raposas da velha pol&iacute;tica, com seus nacos garantidos em administra&ccedil;&otilde;es falidas.<br /> <br /> Em suma, o novo coronel (desculpem, o novo corona) estar&aacute; na fila das se&ccedil;&otilde;es eleitorais.<br /> &nbsp;<br /> <img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato - Acesse o blog <a href="http://www.observatoriodaeleicao.com/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>www.observatoriopolitico.org</i></u></span></a><br />