E se a locomotiva para?

24 de julho de 2020 às 19:00

Gaudêncio Torquato
Haja terra para cobrir o buraco em que se encontra um pa&iacute;s que nem se livrara, ainda, da recess&atilde;o dos tempos de pr&eacute;-pandemia. Como preencher a gigantesca lacuna, agravada nesse ciclo de enfrentamento da crise econ&ocirc;mica (que se arrasta desde 2015), cujos recursos t&ecirc;m sido desviados para combater a pandemia do Covid-19? Se as novas toneladas de terra para tapar o buraco mexerem com o bolso dos consumidores na forma de um imposto que lembre a malfadada CPMF, conforme intenciona o ministro Paulo Guedes, a vaca ir&aacute; logo ao brejo, inviabilizando a escada pol&iacute;tica em que tentar&aacute; subir uma leva de candidatos comprometidos com o status quo.<br /> <br /> O fato &eacute; que o pa&iacute;s se encontra em recess&atilde;o, com empresas autorizadas a suspender contratos, diminuir jornadas e reduzir sal&aacute;rios, expandindo a massa de inativos e com apenas 83,7 milh&otilde;es de brasileiros ocupados de um total de 170 milh&otilde;es em condi&ccedil;&otilde;es de trabalhar. Algu&eacute;m ter&aacute; de pagar a conta logo nesse momento que aponta para o empobrecimento da popula&ccedil;&atilde;o p&oacute;s-pandemia. Parcela forte das margens sociais j&aacute; padece de fome. O v&iacute;rus se alastra do centro para as margens, abrindo um rastro de destrui&ccedil;&atilde;o e inaugurando a casa dos 2 milh&otilde;es de contaminados.<br /> <br /> O governo se v&ecirc; diante de um impasse: arrumar recursos para poder cumprir tarefas de seu cotidiano em &aacute;reas fundamentais &ndash; sa&uacute;de, educa&ccedil;&atilde;o, seguran&ccedil;a, mobilidade urbana, programas de infraestrutura &ndash; e, ao mesmo tempo, alongar os bra&ccedil;os sociais, com meios que possam garantir a sobreviv&ecirc;ncia de contingentes carentes. O aux&iacute;lio emergencial ser&aacute; passageiro e Guedes afirma que o governo n&atilde;o tem caixa para bancar a fortaleza social. O que fazer?<br /> <br /> Pelo andar da carruagem, ser&aacute; dif&iacute;cil que ela chegue nas localidades em condi&ccedil;&otilde;es normais. Veremos cavalos tr&ocirc;pegos, cansados e famintos. E n&atilde;o ser&aacute; recebida com festa pelas popula&ccedil;&otilde;es que ir&atilde;o &agrave;s urnas em 15 de novembro. Todos os corpos da pir&acirc;mide social se encontrar&atilde;o abalados pela cat&aacute;strofe perpetrada pelo maldito v&iacute;rus. Vejam o tamanho do impacto. As margens necessitadas, caso n&atilde;o disponham de ampla rede social, tendem a despejar sua revolta sobre aqueles que tem mexido no caldeir&atilde;o da crise. Ainda mais se o desemprego continuar a fazer sua ronda persecut&oacute;ria.<br /> <br /> A seguir, emergir&aacute; o vulc&atilde;o das classes m&eacute;dias, aqui no plural, pela distin&ccedil;&atilde;o entre uma classe m&eacute;dia alta (A), uma m&eacute;dia-m&eacute;dia (B) e uma classe m&eacute;dia mais necessitada (C). No seu interior, fervilham adjetivos e substantivos de todos os tipos, dos mais baixos aos mais altos, versando sobre a corrup&ccedil;&atilde;o na pol&iacute;tica, a roubalheira, a m&aacute; gest&atilde;o dos servi&ccedil;os p&uacute;blicos, a rela&ccedil;&atilde;o entre autoridade p&uacute;blica e endemoniados. S&atilde;o esses grupamentos que disp&otilde;em de maior capacidade de express&atilde;o, exercendo lideran&ccedil;a sobre n&uacute;cleos e setores. Arrastam consigo as turbas ignaras e dispostas a mudar o feitio da pol&iacute;tica.<br /> <br /> &Eacute; nesse sentido que a economia puxa a pol&iacute;tica. Comparemos a economia como a locomotiva que puxa os vag&otilde;es das classes. Se emperrar ou correr em ritmo muito lento, criar&aacute; balb&uacute;rdia e revolta nos passageiros. E essa revolta sinaliza nas urnas um voto discordante, dado a um candidato que encarne o esp&iacute;rito da indigna&ccedil;&atilde;o. &Eacute; oportuno, ainda, lembrar a equa&ccedil;&atilde;o com a qual tento explicar a &iacute;ndole das massas. Parto dos quatro mecanismos, tamb&eacute;m chamados instintos, avocados por Pavlov, dois voltados para a sobreviv&ecirc;ncia/conserva&ccedil;&atilde;o do indiv&iacute;duo e dois ligados &agrave; conserva&ccedil;&atilde;o da esp&eacute;cie: o combativo, o nutritivo, o sexual e o paternal.<br /> <br /> Pois bem, os dois primeiros explicam o sentido de luta do ser humano para sobreviver, a luta contra as intemp&eacute;ries da natureza, a luta contra amea&ccedil;as de outra pessoa, enfim, o combate por boas condi&ccedil;&otilde;es de vida. O segundo instinto apela para a comida, os insumos necess&aacute;rios &agrave; vida. Os dois &uacute;ltimos abrigam atos e valores voltados para a preserva&ccedil;&atilde;o da esp&eacute;cie, o sexo (perpetua&ccedil;&atilde;o da esp&eacute;cie) e o paternal/maternal (amor, carinho, amizade, solidariedade). Valho-me do segundo, o nutritivo, para compor a equa&ccedil;&atilde;o que cai bem na pol&iacute;tica: BO+BA+CO+CA = BOlso cheio, BArriga satisfeita, COra&ccedil;&atilde;o agradecido e CAbe&ccedil;a mandando votar no protagonista que proporcionou a geladeira cheia.<br /> <br /> O teste das urnas passa pelo vestibular da equa&ccedil;&atilde;o acima. Quem for reconhecido como esse candidato ter&aacute; chance de chegar ao p&oacute;dio da vit&oacute;ria. Os altos figur&otilde;es da administra&ccedil;&atilde;o - Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, o governador do Estado e o prefeito - est&atilde;o na linha de frente conduzindo a locomotiva. Isso vale para hoje e para 2022. Se a locomotiva for daquelas antigas, uma Maria Fuma&ccedil;a, pode faltar lenha no meio da jornada. Parada nos trilhos, sem fuma&ccedil;a e sem esperan&ccedil;a de chegar ao destino, os passageiros s&oacute; ter&atilde;o uma alternativa: virar as costas a candidatos sem lenha e andar a p&eacute; at&eacute; a pr&oacute;xima esta&ccedil;&atilde;o.<br /> &nbsp;<br /> <img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Por <span style="color: rgb(0, 0, 0);"><b><i>Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b></span>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato. Acesse o <a href="https://www.observatoriopolitico.org/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>blog www.observatoriopolitico.org</i></u></span></a><br />