Acordo na (in)Justiça Criminal

27 de agosto de 2020 às 17:12

Felipe Mello de Almeida
A Lei Anticrime, que come&ccedil;ou a valer no in&iacute;cio do ano, ampliou significativamente a possibilidade da justi&ccedil;a negocial na esfera penal, possibilitando a realiza&ccedil;&atilde;o de acordo em investiga&ccedil;&otilde;es que apurem delitos sem viol&ecirc;ncia ou grave amea&ccedil;a, cuja pena m&iacute;nima seja inferior a 4 anos, desde que o investigado seja prim&aacute;rio, ostente bons antecedentes e tenha &quot;confessado formal e circunstancialmente a pr&aacute;tica da infra&ccedil;&atilde;o&quot; (art. 28-A do C&oacute;digo de Processo Penal).<br /> <br /> A mat&eacute;ria n&atilde;o &eacute; toda nova, tenho em vista que, em 1995, j&aacute; havia sido criado a possibilidade da realiza&ccedil;&atilde;o de acordo, no entanto, para crimes de menor potencial ofensivo, aqueles com pena m&aacute;xima n&atilde;o superior a 2 anos. Com altera&ccedil;&atilde;o legislativa, ocorreu uma expressiva amplia&ccedil;&atilde;o, tendo em vista que o limite m&aacute;ximo da pena passou a ser de 4 anos da pena m&iacute;nima. Na pr&aacute;tica, constata-se que a grande maioria dos crimes sem viol&ecirc;ncia ou grave amea&ccedil;a possuem penas (m&iacute;nimas) compat&iacute;veis com o novo acordo de n&atilde;o persecu&ccedil;&atilde;o penal. <br /> <br /> A inten&ccedil;&atilde;o do legislador &eacute; a mesma de 1995: possibilitar a realiza&ccedil;&atilde;o de acordo, anterior ao in&iacute;cio do processo, desafogando o judici&aacute;rio, sobretudo com demandas menos gravosas que, em tese, podem ser solucionadas rapidamente. Com a crescente realiza&ccedil;&atilde;o de dela&ccedil;&otilde;es premiadas, muito noticiadas pela imprensa, a amplia&ccedil;&atilde;o de acordos, na esfera penal, j&aacute; era uma realidade absolutamente esperada e, de certa forma, aguardada. <br /> <br /> A legisla&ccedil;&atilde;o atribui ao Minist&eacute;rio P&uacute;blico a an&aacute;lise da possibilidade da realiza&ccedil;&atilde;o de acordos. Nos casos concretos significa dizer que a acusa&ccedil;&atilde;o decidir&aacute; se prop&otilde;e ou n&atilde;o o acordo, sem qualquer interfer&ecirc;ncia do juiz. Da mesma forma, fica a cargo do acusador, enquadrar os fatos investigados aos poss&iacute;veis delitos existentes. Ou seja, a acusa&ccedil;&atilde;o pode &quot;aumentar&quot; a acusa&ccedil;&atilde;o, de modo a possibilitar, ou n&atilde;o, o oferecimento do acordo, ou mesmo, deixar de prop&ocirc;-lo, por entender que se aplica alguma agravante ou mesmo que n&atilde;o se aplica alguma atenuante ou causa de diminui&ccedil;&atilde;o de pena. Importante ressaltar que, na pr&aacute;tica, caso a acusa&ccedil;&atilde;o n&atilde;o ofere&ccedil;a o acordo, o processo deve continuar, por&eacute;m nada impede que uma inst&acirc;ncia superior reconhe&ccedil;a o direito do acordo, determinando que o processo retorne ao in&iacute;cio, para a formula&ccedil;&atilde;o da proposta. Neste caso, ao ampliar as possibilidades de acordo, o legislador tinha por objetivo desafogar o judici&aacute;rio, por&eacute;m tal medida foi em v&atilde;o, tendo em vista que, mesmo com a realiza&ccedil;&atilde;o do acordo, a m&aacute;quina judici&aacute;ria foi movimentada, muitas vezes, em todas as suas inst&acirc;ncias.<br /> &nbsp;<br /> Por n&atilde;o ser uma ci&ecirc;ncia exata, no mundo jur&iacute;dico, sempre existem entendimentos diversos para uma mesma quest&atilde;o e, sobre o tema n&atilde;o &eacute; diferente. Muitos defendem a aplica&ccedil;&atilde;o do acordo para processos anteriores a legisla&ccedil;&atilde;o, independente da fase, e outros entendem que ele deve ser aplicado apenas para os casos ulteriores. Assim, n&atilde;o resta d&uacute;vida de que est&aacute; mat&eacute;ria ser&aacute; questionada com exaust&atilde;o nos Tribunais. <br /> <br /> As circunst&acirc;ncias existentes nas investiga&ccedil;&otilde;es devem ser analisadas individualmente, caso a caso, n&atilde;o caindo no automatismo de sempre, evitando-se ao m&aacute;ximo as demandas jur&iacute;dicas desnecess&aacute;rias, possibilitando que somente as quest&otilde;es mais graves avancem, desafogando a justi&ccedil;a, sobretudo os Tribunais Superiores, com a amplia&ccedil;&atilde;o dos acordos de n&atilde;o persecu&ccedil;&atilde;o penal.<br /> &nbsp;<br /> Por<b><i> Felipe Mello de Almeida</i></b> &eacute; advogado, especialista em Processo Penal, P&oacute;s-Graduado em Direito Penal Econ&ocirc;mico e Europeu e em Direito Penal Econ&ocirc;mico Internacional. <br />