AS FACES DA CAMPANHA ELEITORAL

27 de agosto de 2020 às 17:22

Gaudêncio Torquato
Que campanha eleitoral teremos no campo de valores e princ&iacute;pios no momento em que o pa&iacute;s vivencia uma das maiores crises sanit&aacute;rias de sua hist&oacute;ria? A se considerar que a pol&iacute;tica, nos tempos modernos, passa a se guiar mais por crit&eacute;rios racionais, impostos por uma consci&ecirc;ncia cr&iacute;tica e menos por um ordenamento determinado pelo marketing, a resposta sinaliza para este foco: os candidatos, em sua grande maioria, prometer&atilde;o mudan&ccedil;a nos padr&otilde;es da pol&iacute;tica, sob o compromisso de realizar melhor do que os advers&aacute;rios as demandas do eleitorado.<br /> <br /> Exemplo &eacute; o que vimos na Conven&ccedil;&atilde;o Democrata, nos EUA, na semana que passou, quando Joe Biden foi posicionado pelos correligion&aacute;rios como o perfil ideal para a vida dos norte-americanos.<br /> <br /> A &ldquo;verdade&rdquo;, nesses tempos de mentiras, especula&ccedil;&otilde;es e vers&otilde;es estapaf&uacute;rdias, estar&aacute; no centro do discurso. Muitos tentar&atilde;o usar esse valor para desconstruir o perfil do advers&aacute;rio e mostrar o ambiente de mentiras que o cerca e, desse modo,&nbsp; aparecer como o candidato leg&iacute;timo e aut&ecirc;ntico. Acontece que o fio a separar o falso do verdadeiro em mat&eacute;ria de pol&iacute;tica brasileira &eacute; muito t&ecirc;nue.<br /> <br /> A sucess&atilde;o de esc&acirc;ndalos e den&uacute;ncias envolvendo grupos, representantes e partidos, nos &uacute;ltimos anos, praticamente os torna muito pr&oacute;ximos. A verdade usada contra o opositor causa suspei&ccedil;&atilde;o no meio da mar&eacute; de engodo. O que pode resultar em uma canibaliza&ccedil;&atilde;o rec&iacute;proca, um corroendo o outro. O valor da verdade tem que ver com a condi&ccedil;&atilde;o do emissor (credibilidade do candida&not;to), do momento e das circunst&acirc;ncias (uso pol&iacute;tico em campanha), da situa&ccedil;&atilde;o do receptor (eleitores vacinados contra o oportunismo) e dos meios usados (programas eleitorais).<br /> <br /> As figuras mudam tanto de posi&ccedil;&atilde;o e de cores quanto um caleidosc&oacute;pio. O pol&iacute;tico demonizado de hoje pode ter sido o anjo de ontem e vice-versa.&nbsp; O que, ent&atilde;o, impactar&aacute;&nbsp; o eleitor e corroborar&aacute; sua decis&atilde;o de vo&not;tar em determinado candidato?<br /> <br /> Para uma parte do eleitorado, o velho discurso ainda ter&aacute; vez: arrumar recursos para construir casas, escolas, postos de sa&uacute;de, pra&ccedil;as de lazer, nos bairros; outra parte tentar&aacute; polarizar o discurso, nacionalizando a campanha, e azeitando os &acirc;nimos do cabo de guerra, entre alas bolsonaristas e oposicionistas. A micro&not;pol&iacute;tica ao lado da macropol&iacute;tica.<br /> <br /> A batalha eleitoral entrar&aacute; no terreno tecnol&oacute;gico das m&iacute;dias eletr&ocirc;nicas sociais e estas passar&atilde;o a substituir a concentra&ccedil;&atilde;o de multid&otilde;es em pra&ccedil;as p&uacute;blicas, la&ccedil;ando indistintamente grupos, classes e categorias profissionais. Nem se pode dizer que as campanhas se tornar&atilde;o mais interessantes. A descren&ccedil;a na pol&iacute;tica &eacute; geral. Cap&iacute;tulos do passado foram escritos a ferro e fogo, deixan&not;do rastros de viol&ecirc;ncia, e at&eacute; com tiroteios em palanques e assassinato de candidatos.<br /> <br /> Mas &eacute; poss&iacute;vel prever que o discurso debochado, recheado de gra&ccedil;a ou verve,&nbsp;&nbsp; ceder&aacute; lugar a um palavr&oacute;rio mais s&eacute;rio e contundente. Imaginemos um tipo como Ant&ocirc;nio Luvizaro, candidato ao governo da Guanabara nos idos de 60, sendo candidato na metr&oacute;pole paulistana. Fosse indagado sobre a quest&atilde;o que provoca dores de cabe&ccedil;a no cidad&atilde;o, o tr&acirc;nsito, ser&aacute; que daria a resposta que deu na &eacute;poca? &ldquo;Tenho um programa com solu&ccedil;&otilde;es r&aacute;pidas e pr&aacute;ticas. Vejam que solu&ccedil;&atilde;o barata: carros novos podem entrar no centro, indo pelos t&uacute;neis novos, carros velhos s&oacute; entram nos bairros mais distantes e indo pelos t&uacute;neis velhos.&rdquo;<br /> <br /> Mas n&atilde;o se pense que o populismo ser&aacute; abandonado. Ao contr&aacute;rio, estar&aacute; na ordem do dia. Ora, por que os senadores derrubaram o veto de Bolsonaro ao projeto de socorro financeiro para Estados e Munic&iacute;pios, evitando que fosse usado para aumentar sal&aacute;rios de servidores? Por causa do populismo. Em ano de elei&ccedil;&atilde;o, mais um adjut&oacute;rio aos quase 12 milh&otilde;es de servidores p&uacute;blicos nas tr&ecirc;s esferas cairia bem. Como a repercuss&atilde;o negativa tem sido intensa, a C&acirc;mara desaprovou a decis&atilde;o do Senado, mas o Centr&atilde;o vai exigir continuidade do aux&iacute;lio emergencial,&nbsp; medida necess&aacute;ria e de cunho populista.<br /> <br /> Querem outro exemplo? Por que Bolsonaro, em sua visita a Sergipe, levantou um an&atilde;o e usou chap&eacute;u de couro? Manias de candidatos populistas, s&oacute; que no caso o presidente achou que o an&atilde;o era uma crian&ccedil;a. Beijar criancinhas, tomar caf&eacute; em padaria, montar em jegue, posar com chap&eacute;u de couro fazem parte da est&eacute;tica eleitoral.<br /> <br /> Quem pode escapar do populismo ou da &ldquo;verdade&rdquo; fabricada? As classes m&eacute;dias, essas que incorporam um teor cr&iacute;tico. No seio desse imenso contingente, emerge um eleitor pragm&aacute;tico, racional, que enxerga o todo e as partes, candidatos, compet&ecirc;ncias e circunst&acirc;ncias. O Pa&iacute;s precisa avan&ccedil;ar na dire&ccedil;&atilde;o de uma comunidade pol&iacute;tica mais &eacute;tica e participativa.<br /> &nbsp;<br /> <img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato. Acesse o blog <a href="http://www.observatoriopolitico.org" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>www.observatoriopolitico.org</i></u></span></a>