A GUERRA DE NARRATIVAS

09 de setembro de 2020 às 19:17

Gaudêncio Torquato
A liberdade &eacute; o oxig&ecirc;nio da democracia. Sem ela, as Na&ccedil;&otilde;es s&atilde;o jogadas nos bra&ccedil;os das ditaduras e da opress&atilde;o. Mas os cidad&atilde;os desconfiam quando o conceito &eacute; usado de m&aacute; f&eacute; ou com o prop&oacute;sito de mascarar posicionamentos. Veja-se o que o governo tem dito sobre a vacina contra o Covid 19, cujo processo de finaliza&ccedil;&atilde;o mobiliza equipes cient&iacute;ficas e laborat&oacute;rios em muitos pa&iacute;ses, e a previs&iacute;vel ades&atilde;o em massa dos brasileiros.<br /> <br /> Porta-vozes salientam que ela n&atilde;o ser&aacute; obrigat&oacute;ria porque no Brasil n&atilde;o h&aacute; um tirano e a liberdade &eacute; valor central de nossa democracia. A observa&ccedil;&atilde;o seria pertinente caso n&atilde;o fosse embalada por um vi&eacute;s anticient&iacute;fico, desses, por exemplo, usados por adeptos de certas religi&otilde;es, que n&atilde;o permitem crian&ccedil;as com leucemia aguda ou mesmo pessoas idosas, com pneumonia grave, tomarem transfus&atilde;o de sangue. Orientam seus filiados a n&atilde;o adotar procedimentos da ci&ecirc;ncia.<br /> <br /> Por que a publicidade exagerada que o governo est&aacute; dando a esse fato, quando se sabe que mais de 90% da popula&ccedil;&atilde;o brasileira garantem que tomar&atilde;o a vacina? Lembremos que, mesmo antes da pandemia, j&aacute; tomava corpo no pa&iacute;s um movimento antivacina, que tem propiciado a volta de epidemias de doen&ccedil;as j&aacute; erradicadas, como febre amarela e sarampo, fen&ocirc;meno que tamb&eacute;m ocorre nos Estados Unidos. Propaga-se um falso temor de que vacina pode provocar a doen&ccedil;a em vez de curar. Por aqui, viceja nas hostes governamentais uma corrente antici&ecirc;ncia, de &iacute;ndole fortemente conservadora que, como num cabo de guerra, tenta puxar o territ&oacute;rio ao passado.<br /> <br /> &Eacute; exatamente na dire&ccedil;&atilde;o oposta aos avan&ccedil;os da medicina e da biotecnologia que grupos incrustrados na malha governamental constroem sua narrativa, como se observa na categ&oacute;rica afirma&ccedil;&atilde;o de que a cura da pandemia &eacute; coisa simples, bastando a automedica&ccedil;&atilde;o de cloroquina. O fato &eacute; que o Brasil vive o auge de uma guerra de narrativas. Do campo da ci&ecirc;ncia, os jogos contr&aacute;rios resvalam para os comportamentos, para a economia e para a pol&iacute;tica.<br /> <br /> Na arena das decis&otilde;es que competem aos governantes de Estados e munic&iacute;pios, est&atilde;o narrativas conflitantes, entre elas, a que prega a retomada urgente das atividades negociais e a que teme o repique da doen&ccedil;a por conta das aglomera&ccedil;&otilde;es. (A Espanha registra, esta semana, a retomada do fluxo de contamina&ccedil;&atilde;o pelo Covid-19). Um grupo defende a reabertura das escolas e outro sugere cautela na volta das aulas. Autoridades da Educa&ccedil;&atilde;o opinam sobre a mat&eacute;ria e o que se ouve mais parece um falat&oacute;rio na Torre de Babel. Por que n&atilde;o se chega a um consenso? Onde se escondeu o bom senso?<br /> <br /> Na &aacute;rea da economia, as narrativas conflituosas nascem no pr&oacute;prio seio do governo. Uma defende o programa Renda Brasil, a consolida&ccedil;&atilde;o das a&ccedil;&otilde;es de prote&ccedil;&atilde;o social, mas o desacordo &eacute; oce&acirc;nico entre a equipe econ&ocirc;mica e outros times ministeriais, que combatem o teto de gastos, meta-s&iacute;ntese do ministro Paulo Guedes. O or&ccedil;amento irrealista, segundo economistas, amea&ccedil;a romper o teto, mas o governo se empenha para usar R$ 1,2 bilh&atilde;o fora dele.<br /> <br /> O presidente, embalado no apoio popular que passa a ter no Nordeste, depois do pior desempenho em 2018, queria continuar com um aux&iacute;lio emergencial de R$ 600 at&eacute; o fim de ano. Chegou-se ao meio termo de R$ 300. Mas se a economia n&atilde;o pegar no tranco em 2021, como as margens protegidas reagir&atilde;o a eventual diminui&ccedil;&atilde;o de seus recursos?<br /> <br /> A reforma administrativa, que o governo encaminha ao Parlamento, abranger&aacute; apenas os futuros servidores sob a cama da estabilidade ou pegar&aacute; todo mundo? A reforma prop&otilde;e corte de vantagens, como concess&atilde;o de licen&ccedil;a-pr&ecirc;mio e gratifica&ccedil;&atilde;o por tempo de servi&ccedil;o, facilita demiss&otilde;es durante o per&iacute;odo de experi&ecirc;ncia, reduz o sal&aacute;rio inicial, entre outros aspectos.<br /> <br /> Grupos se engalfinham e a &aacute;rea pol&iacute;tica, com um olho nas elei&ccedil;&otilde;es deste ano e na de 2022, tende a aprovar uma reforma mais suave, que menos danos traga ao servidor p&uacute;blico. A base governista come&ccedil;a a ser composta na C&acirc;mara com a ades&atilde;o do PP e outras agremia&ccedil;&otilde;es, mas persiste a d&uacute;vida sobre a lealdade parlamentar.<br /> <br /> No campo do ambientalismo, as narrativas entram em luta aberta. De um lado, o ministro Ricardo Salles e apoiadores que acendem o fogo na floresta amaz&ocirc;nica, na outra ponta, a comunidade salvacionista, sob o eco de governos estrangeiros, luta pela preserva&ccedil;&atilde;o da regi&atilde;o, enquanto no meio, o vice-presidente general Hamilton Mour&atilde;o tenta equilibrar o jogo.<br /> <br /> A guerra no territ&oacute;rio da express&atilde;o deixa at&ocirc;nitos seus pr&oacute;prios protagonistas. Por falta de uma orienta&ccedil;&atilde;o segura sobre os rumos a seguir, batem boca pela imprensa ou em lives, a nova mania nacional. Resta dizer que o pr&oacute;prio mandat&aacute;rio-mor tem sido respons&aacute;vel por parcela dos lit&iacute;gios.<br /> &nbsp;<br /> <img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Por <b><i>Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o. Acesse o blog <a href="https://www.observatoriopolitico.org/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>www.observatoriopolitico.org</i></u></span></a><br />