Bolsonaro e o discurso na ONU em 2020

22 de setembro de 2020 às 16:48

Rodrigo Augusto Prando
H&aacute; pouco, em v&iacute;deo enviado &agrave; Assembleia Geral da ONU, acompanhamos o discurso do Presidente Jair Bolsonaro. Mais do mesmo. E n&atilde;o seria diferente. Bolsonaro e o bolsonarismo passaram um ano e meio no estilo afeito ao presidencialismo de confronta&ccedil;&atilde;o. Obviamente, ele ocuparia o espa&ccedil;o da tribuna virtual para defender seu governo e a si mesmo, especialmente, no que tange &agrave; pandemia e aos problemas ambientais.<br /> &nbsp;<br /> J&aacute; no in&iacute;cio, afirma que &quot;o mundo necessita da verdade para superar seus desafios&quot;. Eis uma verdade verdadeira! O bolsonarismo, contudo, tem preferido a p&oacute;s-verdade. Mas, n&atilde;o nos enganemos, Bolsonaro e os bolsonarista est&atilde;o, para falar com Weber, atrelados &agrave; &eacute;tica da convic&ccedil;&atilde;o e nada no campo racional mudar&aacute; essa ess&ecirc;ncia pol&iacute;tica. <br /> <br /> Internamente, a fala de Bolsonaro foi, novamente, de transferir a responsabilidade pela dimens&atilde;o da pandemia &agrave; uma &quot;decis&atilde;o judicial&quot;. Na verdade, o alvo foi o Supremo Tribunal Federal que, em sua decis&atilde;o, s&oacute; corroborou que somos uma rep&uacute;blica federativa e garantiu aos Estados e os mun&iacute;cipios a autonomia para, por exemplo, regrar as quest&otilde;es atinentes ao fechamento do com&eacute;rcio e as distintas medidas de dist&acirc;ncia social objetivando conter a dissemina&ccedil;&atilde;o da covid-19.<br /> &nbsp;<br /> Desta forma, numa leitura intencionalmente enviesada, Bolsonaro quer se apresentar como um presidente impedido de agir, quando, de fato, ele n&atilde;o agiu porque lhe faltou senso de lideran&ccedil;a aliada &agrave; sua vis&atilde;o negacionista e anticient&iacute;fica. Some-se a isso, como de costume, o ataque &agrave; imprensa que, em sua &oacute;tica, politizou o v&iacute;rus e disseminou o p&acirc;nico na popula&ccedil;&atilde;o. <br /> <br /> Ponto positivo, em sua fala, foi o destaque ao aux&iacute;lio emergencial que, realmente, foi capaz de melhorar as condi&ccedil;&otilde;es de vida da popula&ccedil;&atilde;o mais vulner&aacute;vel. Pouco importa que, no in&iacute;cio, o governo queria pagar 200 reais, o Congresso quis 500 e se chegou em 600 reais. O b&ocirc;nus cai na conta do presidente e nunca do Legislativo. Para impressionar o p&uacute;blico, afirmou que foram pagos cerca de 1.000 d&oacute;lares para 65 milh&otilde;es de pessoas, um n&uacute;mero superlativo, como &eacute; superlativa nossa mis&eacute;ria, pobreza e desigualdade de renda e de oportunidades. <br /> <br /> No campo internacional, defendeu-se de uma campanha orquestrada para abalar o Brasil e seu governo no tocante ao meio ambiente, com foco na Amaz&ocirc;nia e o Pantanal. E, aqui, para n&atilde;o sermos ing&ecirc;nuos, Bolsonaro - e a vis&atilde;o geopol&iacute;tica dos militares - est&aacute; correta em afirmar que muitos pa&iacute;ses t&ecirc;m interesses em nossas riquezas e s&atilde;o protecionistas em rela&ccedil;&atilde;o &agrave; nossa produ&ccedil;&atilde;o. &Eacute; certo que isso existe desde que o capitalismo assume a condi&ccedil;&atilde;o de for&ccedil;a econ&ocirc;mica, pol&iacute;tica e social no mundo.<br /> <br /> Desta forma, na arena do com&eacute;rcio internacional, &eacute; poss&iacute;vel defender os interesses brasileiros sem levar &agrave; argumenta&ccedil;&atilde;o a uma falaciosa teoria da conspira&ccedil;&atilde;o contra nosso pa&iacute;s. Numa sociedade conectada em redes, em tempo real, a imagem do Brasil nunca esteve em patamar t&atilde;o ruim como nos dias que correm. E, por isso, Bolsonaro fez quest&atilde;o de enfatizar a necessidade de conclus&atilde;o do acordo comercial do Mercosul com a Uni&atilde;o Europeia, acordo que, atualmente, encontra-se amea&ccedil;ado pela postura adotada pelo pr&oacute;prio Governo Bolsonaro. <br /> <br /> Em s&iacute;ntese, na pol&iacute;tica e no discurso na ONU, Bolsonaro continua trilhando um rumo que, em sua l&oacute;gica do confronto, &eacute; o &uacute;nico poss&iacute;vel. Mesmo em temas que poderiam ser mais bem explorados para fortalecer a imagem positiva do Brasil, o presidente procura centrar os seus esfor&ccedil;os num discurso de v&iacute;tima, em teorias da conspira&ccedil;&atilde;o, p&oacute;s-verdades e negacionismo de v&aacute;rias dimens&otilde;es. Abrir-se ao di&aacute;logo e fazer uma autocr&iacute;tica seriam sinaliza&ccedil;&otilde;es positivas e importantes, mas n&atilde;o foram dessa vez. <br /> <br /> Por <i><b>Rodrigo Augusto Prando</b></i> &eacute; professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ci&ecirc;ncias Sociais e Aplicadas. Graduado em Ci&ecirc;ncias Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara.<br />