ORAÇÃO PELA PÁTRIA

26 de outubro de 2020 às 11:27

Gaudêncio Torquato
Pai nosso que est&aacute;s no C&eacute;u, santificado seja o vosso nome!<br /> <br /> Pedimos as suas b&ecirc;n&ccedil;&atilde;os, Senhor, nesse tormentoso ciclo em que nosso pa&iacute;s registra mais de 150 mil mortos de uma pandemia que j&aacute; contaminou at&eacute; o momento 5,1 milh&otilde;es de pessoas em todos os Estados. Ou&ccedil;a nossa prece, Senhor, antes que a mortandade continue a se expandir pelo territ&oacute;rio.<br /> <br /> &Eacute; bem verdade, Senhor, que habitamos um territ&oacute;rio belo e imenso, do tamanho de um continente, que at&eacute; abriga a maior reserva de &aacute;gua doce do mundo, 12% do total existente nos 193 pa&iacute;ses do nosso planeta, mas os nossos biomas terrestres &ndash; Mata Atl&acirc;ntica, Amaz&ocirc;nia, Cerrado, Caatinga e Campos do Sul &ndash; padecem de secas, queimadas, inc&ecirc;ndios perpetrados por esp&iacute;ritos maldosos. Estamos amea&ccedil;ados de perder os 20% das esp&eacute;cies que habitam o planeta. Nosso torr&atilde;o nunca viu destrui&ccedil;&otilde;es t&atilde;o monumentais, mesmo sem o poder destruidor de tuf&otilde;es, terremotos e furac&otilde;es que consomem na&ccedil;&otilde;es poderosas.<br /> <br /> Pero Vaz de Caminha certamente tinha raz&atilde;o, Senhor, na carta escrita ao rei Dom Manuel em 1&ordm; de maio de 1500, ao descrever que a terra descoberta pelo comandante portugu&ecirc;s Pedro &Aacute;lvares Cabral, em 22 de abril, &ldquo;em tal maneira &eacute; graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-&aacute; nela tudo, por bem das &aacute;guas que tem&rdquo;. Tamb&eacute;m &eacute; verdade, Senhor, que m&atilde;os sorrateiras surrupiam parcelas das nossas riquezas naturais.<br /> <br /> Agradecemos, Senhor, pela extrema generosidade com que nos agraciou, dando-nos terra t&atilde;o rica, onde se plasmou a &iacute;ndole de uma gente singular, assentada em um &ldquo;processo de equil&iacute;brio de antagonismos&rdquo;, como ensina o mestre Gilberto Freyre: as culturas europeia, ind&iacute;gena e africana; o cat&oacute;lico e o herege; o jesu&iacute;ta e o fazendeiro; o bandeirante e o senhor de engenho; a paulista e o emboaba; o pernambucano e o mascate; o bacharel e o analfabeto; o senhor e o escravo&rdquo;. Mas as desigualdades t&ecirc;m se expandido ao longo de s&eacute;culos.<br /> <br /> A conviv&ecirc;ncia entre contr&aacute;rios plasmou um car&aacute;ter cordial, um povo hospitaleiro, afeito &agrave; paz, acess&iacute;vel, mesmo que tamb&eacute;m carregue tra&ccedil;os negativos, como ilustra Afonso Celso em seu cl&aacute;ssico Por que me Ufano do meu Pa&iacute;s: &ldquo;falta de iniciativa, falta de decis&atilde;o, falta de firmeza&rdquo;.<br /> <br /> Que venha a n&oacute;s o vosso Reino!<br /> <br /> Que venha logo, Senhor. Antes que o nosso Pantanal seja tragado pelo fogo. Antes que a boiada passe nas fronteiras da ilicitude e das estripulias de gente sem escr&uacute;pulo. Antes que a extrema pobreza volte a massacrar a base da nossa pir&acirc;mide social. Que se derrube para sempre esse muro que separa &ldquo;n&oacute;s e eles&rdquo;. Vivemos um clima de guerra aberta. Irm&atilde;os contra irm&atilde;os. A viol&ecirc;ncia urbana volta a assolar bairros, ruas, vielas das grandes e m&eacute;dias cidades. Nosso mais bonito cart&atilde;o postal, o Rio de Janeiro, virou pra&ccedil;a de guerra. Balas perdidas matam crian&ccedil;as e sonhos.<br /> <br /> A velha luta de classes, Senhor, aposentou suas armas ap&oacute;s a queda do muro de Berlim, em 1989, mas por estas plagas figuras que cultivam o populismo teimam em defender a litigiosidade social, pregando a &ldquo;revolu&ccedil;&atilde;o&rdquo;, o fim das elites e do ide&aacute;rio progressista.<br /> <br /> Dai-nos, Senhor, bom senso para evitarmos usar as armas da intoler&acirc;ncia e da condena&ccedil;&atilde;o aos infernos de quem ousa discordar de m&eacute;todos como invas&atilde;o de propriedades, depreda&ccedil;&atilde;o de patrim&ocirc;nios, incita&ccedil;&atilde;o &agrave; viol&ecirc;ncia. Queremos paz. Aquele sinal de uma sociedade que podia sair de casa sem medo de assaltos, roubos, tiros. Tempos buc&oacute;licos aqueles dos dias de ontem.<br /> <br /> Seja feita a vossa vontade assim na terra como no c&eacute;u.<br /> <br /> Que a vossa vontade, Senhor, chegue at&eacute; n&oacute;s sob a paz dos c&eacute;us baixando no nosso territ&oacute;rio, elevando os menos favorecidos a degraus superiores e dando aos habitantes do alto da pir&acirc;mide social nobreza de esp&iacute;rito para minorar desigualdades e enxugar as l&aacute;grimas dos aflitos.<br /> <br /> Perto de 15 milh&otilde;es de brasileiros est&atilde;o desempregados, Senhor, e outros milh&otilde;es n&atilde;o t&ecirc;m recursos para comprar comida em quantidades necess&aacute;rias para sua sobreviv&ecirc;ncia. Falta p&atilde;o sobre a mesa nos lamacentos espa&ccedil;os das periferias das grandes cidades, onde favelas, palafitas, constru&ccedil;&otilde;es de papel&atilde;o e lonas pl&aacute;sticas desenham a est&eacute;tica da mis&eacute;ria.<br /> <br /> O p&atilde;o nosso de cada dia nos da&iacute; hoje. Esse p&atilde;o que &eacute; para uns e escasso para outros.<br /> <br /> Rogamos, Senhor, que injete na consci&ecirc;ncia dos homens p&uacute;blicos o dever sagrado de cumprir sua miss&atilde;o sem manchas. Temos uma elei&ccedil;&atilde;o no pr&oacute;ximo m&ecirc;s. Ilumine, Senhor, a consci&ecirc;ncia dos candidatos, fazendo-os assumir compromissos para garantir qualidade aos servi&ccedil;os p&uacute;blicos. E n&atilde;o permitam aumentos exagerados de impostos.<br /> <br /> Perdoai as nossas ofensas. Assim como n&oacute;s perdoamos a quem nos tem ofendido.<br /> <br /> O perd&atilde;o, Senhor, &eacute; para as ofensas do nosso cotidiano, essas comuns que se revelam em deseleg&acirc;ncia na interlocu&ccedil;&atilde;o, em gestos mal educados que ferem a sensibilidade do interlocutor. Mas assaltantes do Estado, que formam as mil&iacute;cias do poder invis&iacute;vel, esses precisam prestar contas &agrave; Justi&ccedil;a.<br /> <br /> E n&atilde;o nos deixei em tenta&ccedil;&atilde;o, mas livrai-nos do mal.<br /> <br /> Am&eacute;m!<br /> <br /> <img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Por <b><i>Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato<br /> Acesse o <a href="http:// https://www.observatoriopolitico.org/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>blog www.observatoriopolitico.org</i></u></span></a><br />