A politização da vacina

26 de outubro de 2020 às 11:31

Rodrigo Augusto Prandoé
O enredo, aqui no Brasil, j&aacute; &eacute; conhecido. O Presidente Bolsonaro, novamente, desautoriza e submete &agrave; humilha&ccedil;&atilde;o o Ministro da Sa&uacute;de. Antes, foram Mandetta e Teich, solenemente defenestrados; o primeiro, por defender o distanciamento/isolamento social; o segundo, por n&atilde;o aceitar indicar a cloroquina. Agora, &eacute; o General Pazuello, contudo, com uma diferen&ccedil;a: os dois primeiros ministros s&atilde;o m&eacute;dicos e o atual, militar. Portanto, seguindo a hierarquia, Pazuello j&aacute; explicou, limpidamente, que &quot;&eacute; simples assim, um manda e outro obedece&quot;. <br /> <br /> O caso em tela, com Bolsonaro e Pazuello, est&aacute; ligado &agrave;s quest&otilde;es atinentes &agrave; vacina produzida com tecnologia chinesa e em parceria com o Instituto Butantan, no estado de S&atilde;o Paulo. O Ministro da Sa&uacute;de havia se comprometido a comprar cerca de 46 milh&otilde;es de doses da Coronavac, desde que fosse efetivada a aprova&ccedil;&atilde;o pela Anvisa, como deve ser neste caso. <br /> <br /> No entanto, no dia seguinte, Bolsonaro veio a p&uacute;blico afirmar que tal compra n&atilde;o se daria, que n&atilde;o teria aporte do Governo Federal para a &quot;vacina chinesa&quot;. Em mensagem enviada a seus ministros, o presidente asseverou: &quot;Alerto que n&atilde;o compraremos vacina da China, bem como meu governo n&atilde;o mant&eacute;m di&aacute;logo com Jo&atilde;o Doria sobre covid-19&quot;. <br /> <br /> Deste comunicado, &eacute; certo que o presidente n&atilde;o mant&eacute;m di&aacute;logo com Doria, ali&aacute;s, o di&aacute;logo de Bolsonaro se d&aacute; com as redes sociais, sua base de apoio mais ideol&oacute;gica, e n&atilde;o com m&eacute;dicos, cientistas ou outras lideran&ccedil;as pol&iacute;ticas. Mas, &eacute; cedo para afirmar que n&atilde;o comprar&aacute; a vacina chinesa, at&eacute; porque o caso pode ser judicializado e, ainda, as press&otilde;es pol&iacute;ticas e da sociedade poder&atilde;o fazer o presidente recuar. Qual o sentido de tudo isso? As vacinas chinesas n&atilde;o s&atilde;o confi&aacute;veis? O tempo de pesquisa n&atilde;o permite confiar nos resultados? O Instituto Butantan n&atilde;o oferece um servi&ccedil;o de qualidade cientificamente comprovada para o Brasil? Nada disso. A vacina de Oxford, por exemplo, est&aacute; praticamente no mesmo patamar da Coronavac e tem financiamento do Governo Federal. <br /> <br /> Ent&atilde;o, o que est&aacute; em jogo s&atilde;o duas dimens&otilde;es: a ideol&oacute;gica e a pol&iacute;tica, ambas, infelizmente, colocando a sa&uacute;de e a vida dos brasileiros em plano inferior.<br /> &nbsp;<br /> Ideologicamente, Bolsonaro abandona o ator moderado dos &uacute;ltimos tempos e se volta, com vigor, &agrave;s redes sociais, onde est&atilde;o os bolsonaristas mais identificados ideologicamente com os valores sempre tornados p&uacute;blicos pelo presidente: negacionismo e postura anticient&iacute;fica regados com teorias da conspira&ccedil;&atilde;o. Isto posto, Bolsonaro e os bolsonaristas condenam a &quot;vacina chinesa&quot; comunista, mas s&atilde;o consumidores de quase tudo o que a China produz e exporta.<br /> &nbsp;<br /> Politicamente, o medo de Bolsonaro &eacute; ver Doria ganhar capital pol&iacute;tico com uma vacina que poder&aacute; imunizar paulistanos, paulistas e brasileiros. Com isso, a narrativa de Doria ganha for&ccedil;a ao se distanciar de Bolsonaro que, como sabemos, sempre tratou a pandemia com menoscabo. Doria sempre fez quest&atilde;o de deixar clara sua pretens&atilde;o presidencial e isso pode ser notado na forma&ccedil;&atilde;o de seu secretariado no governo estadual que, noutro artigo, chamei de &quot;secretariado ministerial&quot;, dada relev&acirc;ncia dos nomes que est&atilde;o sob lideran&ccedil;a de Doria. <br /> <br /> Infelizmente, a politiza&ccedil;&atilde;o da vacina, como tamb&eacute;m da pandemia, tem cobrado pre&ccedil;o enorme na vida cotidiana dos brasileiros. Bolsonaro reanima seu presidencialismo de confronta&ccedil;&atilde;o. Partidos pol&iacute;ticos j&aacute; acionaram o STF e oposi&ccedil;&atilde;o volta a ventilar o impeachment como elemento capaz de dissuadir o presidente da rep&uacute;blica levando-o governar e enfrentar a pandemia, deixando a ideia da reelei&ccedil;&atilde;o para outro momento. Bolsonaro quer um bra&ccedil;o de ferro. Ter&aacute; for&ccedil;a para ganhar? <br /> <br /> Por <i><b>Rodrigo Augusto Prando&eacute;</b></i>, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ci&ecirc;ncias Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.