Estupro: culpar a vítima não pode ser o novo normal!

04 de novembro de 2020 às 19:55

Felipe Mello de Almeida
Por &oacute;bvio que j&aacute; se foi o tempo em que se podia desclassificar a v&iacute;tima pela sua condi&ccedil;&atilde;o de g&ecirc;nero e/ou op&ccedil;&atilde;o sexual para tentar legitimar qualquer delito praticado pelo acusado, com o objetivo de justificar a sua absolvi&ccedil;&atilde;o. <br /> <br /> Em tempos j&aacute; idos, o ato sexual era uma obriga&ccedil;&atilde;o da mulher casada, o marido que flagrasse a sua mulher traindo poderia mat&aacute;-la, juntamente com o amante, como forma de legitima defesa da honra. O homossexual podia apanhar ou ser violentado para &quot;<i><b>aprender a ser homem</b></i>&quot;. <br /> <br /> Com o passar dos tempos, pelo menos em tese, o ser humano foi evoluindo e percebeu que nenhuma dessas discrimina&ccedil;&otilde;es deve ser aceita. Atualmente, ao menos em p&uacute;blico, s&atilde;o raros aqueles que sustentem que estas atrocidades s&atilde;o razo&aacute;veis. Mesmo porque, n&atilde;o s&atilde;o! <br /> <br /> Hoje assistindo ao trecho da audi&ecirc;ncia da influencer Mariana Ferrer, publicada pelo &quot;<i><b>The Intercept Brasil</b></i>&quot;, o sentimento de estar neste passado nefasto, quando o absurdo era normal e o machismo imperava, &eacute; incontrol&aacute;vel.<br /> &nbsp;<br /> Na audi&ecirc;ncia, imposs&iacute;vel discernir quem era a v&iacute;tima e quem seria o autor do crime, uma vez que durante a sua oitiva, Mariana foi tratada de modo, para dizer o m&iacute;nimo, desrespeitoso, sendo constrangida e humilhada pelo advogado de defesa. Na parte da audi&ecirc;ncia que foi disponibilizada n&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel ouvir a voz do ilustre representante do Minist&eacute;rio P&uacute;blico, que ficou absolutamente inerte ao ver a v&iacute;tima sendo constrangida e sufocada. O magistrado, por sua vez, em uma postura absolutamente inaceit&aacute;vel, se limitou a questionar se a v&iacute;tima - que implorava por respeito, somente respeito - gostaria de alguns minutos para se recompor. <br /> <br /> Ao que parece, na cabe&ccedil;a do magistrado, o importante era a v&iacute;tima se recompor, pois a audi&ecirc;ncia caminhava muito tranquilamente, dentro da legalidade. S&oacute; se fosse para ele e para os demais, n&atilde;o para a v&iacute;tima. <br /> <br /> De outra sorte, a l&oacute;gica usada pela a defesa &eacute; a mesma utilizada em antigos, e emblem&aacute;ticos, casos em que o homem matava a mulher para defender sua honra, culpar a v&iacute;tima, desqualificando-a e dando a entender que ela deu motivos para que o crime fosse praticado, um completo absurdo. <br /> <br /> O fato da v&iacute;tima ser ou n&atilde;o puritana, devassa ou virgem, em nada modificam o il&iacute;cito de estupro. O ponto fundamental, sem sombra de d&uacute;vida, &eacute; o fato de a v&iacute;tima estar ou n&atilde;o em estado de vulnerabilidade. O argumento de que a v&iacute;tima postou em suas redes sociais fotos intimas, com ou sem roupa, em posi&ccedil;&otilde;es ginecol&oacute;gicas ou angelicais, em nada pode modificar a condena&ccedil;&atilde;o ou a absolvi&ccedil;&atilde;o do acusado. &Eacute; de suma import&acirc;ncia enfatizar que, neste caso, a mulher n&atilde;o est&aacute; sendo julgada, ELA &Eacute; A V&Iacute;TIMA. <br /> <br /> Ademais, n&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel olvidar que o representante da acusa&ccedil;&atilde;o ficou inerte diante dos absurdos e o magistrado agiu como se estivesse concordando com o debate travado pelo advogado e pela v&iacute;tima, digno de filmes de Hollywood, que, por &oacute;bvio, n&atilde;o s&atilde;o admitidos pela legisla&ccedil;&atilde;o p&aacute;tria. <br /> <br /> Por fim, no caso concreto, com pedido do ilustre representante do Minist&eacute;rio P&uacute;blico, o acusado foi inocentado do crime de estupro de vulner&aacute;vel, nos termos j&aacute; noticiados pela v&iacute;tima, que sempre temeu que ele se valesse de sua abastada condi&ccedil;&atilde;o financeira para sair ileso de qualquer condena&ccedil;&atilde;o. Curioso observar que, ao que tudo indica, a v&iacute;tima estava certa. <br /> <br /> Diante de tudo, casos como estes devem ser combatidos com todas as for&ccedil;as, evitando que o vergonhoso passado nefasto se torne o &quot;novo normal&quot;.<br /> &nbsp;<br /> Por<i><b> Felipe Mello de Almeida</b></i> &eacute; advogado criminalista, especialista em Processo Penal, P&oacute;s-Graduado em Direito Penal Econ&ocirc;mico e Europeu e em Direito Penal Econ&ocirc;mico Internacional e... <br /> <br /> <b>Luiza Pitta</b> &eacute; advogada, P&oacute;s-Graduada em Direito Penal Econ&ocirc;mico e associada do Instituto Brasileiro de Ci&ecirc;ncias Criminais - IBCCRIM.<br />