“VOCÊ ESTÁ DEMITIDO”

10 de novembro de 2020 às 19:25

Gaudêncio Torquato
A democracia &eacute; a pior forma de governo, com exce&ccedil;&atilde;o de todas as demais. A frase de Churchill cai bem nesse momento em que a maior democracia do planeta registra a vit&oacute;ria do democrata Joe Biden como 46&ordm; como presidente dos EUA. O fato que surpreende o mundo, e que gera impacto em importantes setores da Na&ccedil;&atilde;o americana, &eacute; a recusa do atual mandat&aacute;rio, o impetuoso Trump, em aceitar o veredito das urnas. Monta um time de advogados para contestar resultados,&nbsp; passa o chap&eacute;u tentando angariar 60 milh&otilde;es de d&oacute;lares para custear a judicializa&ccedil;&atilde;o da apura&ccedil;&atilde;o, diz que a elei&ccedil;&atilde;o n&atilde;o terminou e produziu uma p&eacute;rola, ao constatar a derrota em Estados onde ganhou em 2016: &ldquo;mandem parar de contar os votos&rdquo;. Ontem no in&iacute;cio da tarde, o que fez o magnata dos hot&eacute;is? Foi jogar t&ecirc;nis na Virg&iacute;nia, enquanto milhares de pessoas tomaram as ruas para comemorar a vit&oacute;ria de Biden.<br /> <br /> Isso ocorre na mais robusta democracia do planeta. Trump reclama dos votos enviados pelo correio, dados, em sua grande maioria (75%) ao candidato democrata. Ora, essa modalidade de vota&ccedil;&atilde;o ocorre desde a Guerra Civil e at&eacute; ajudou Abraham Lincoln a se reeleger em 1864. Desse modo, Donald quer p&ocirc;r no lixo mais de 100 milh&otilde;es de votos via postal. Disse taxativamente: &ldquo;<i><b>A vota&ccedil;&atilde;o universal por correio ser&aacute; catastr&oacute;fica. Isso vai tornar nosso pa&iacute;s motivo de chacota em todo o mundo. Voc&ecirc; n&atilde;o pode enviar milh&otilde;es de c&eacute;dulas</b></i>&rdquo;.<br /> <br /> A apura&ccedil;&atilde;o dos votos recebidas pelos correios obedeceu a rigoroso ritual: confer&ecirc;ncia de assinaturas, data do envio e de recebimento, controle por fiscais partid&aacute;rios etc. Neste ano, sob o impacto do Covid-19, milh&otilde;es de eleitores ficaram aflitos e preocupados com as filas e o voto antecipado bateu recordes. A recontagem &eacute; permitida em alguns Estados quando a maioria de um candidato &eacute; pequena, em torno de 1,5% a 1%. &Eacute; o caso da Georgia, por exemplo, onde a recontagem ser&aacute; iniciada em 1&ordm; de dezembro. O republicano espera que a justi&ccedil;a acolha alguns de seus recursos, sob a expectativa de que algum processo chegue at&eacute; a Suprema Corte, para a qual nomeou recentemente a ju&iacute;za Amy Barret. O esperto bilion&aacute;rio vai tentar reverter no tapet&atilde;o a derrota sofrida. &nbsp;<br /> <br /> Conv&eacute;m lembrar que fraude eleitoral nos EUA &eacute; um fen&ocirc;meno raro. Em virtude da pr&oacute;pria &iacute;ndole do cidad&atilde;o. Que conhece direitos e deveres, respeita as normas e teme ser flagrado por il&iacute;cito. H&aacute;, claro, manifesta&ccedil;&otilde;es de protesto, mas a ordem acaba se impondo. N&atilde;o se pensa em trocas de malas cheias de votos por outras &ldquo;<i><b>fabricadas</b></i>&rdquo;. H&aacute; puni&ccedil;&atilde;o r&iacute;gida. Ali&aacute;s, o partido Republicano da Calif&oacute;rnia admitiu ter instalado mais de 50 urnas falsas no estado e autoridades constataram fraude eleitoral.<br /> <br /> Em suma, os mecanismos de controle funcionam. Processo eleitoral, vale lembrar, &eacute; complexo. Dos 50 Estados, quem ganhar os votos populares em 48, leva todos os delegados, mesmo que a diferen&ccedil;a seja por um. Biden, at&eacute; ontem, segundo proje&ccedil;&atilde;o da experiente AFP (Agence France Press), detinha 53% dos votos totais contra 48% de Trump.<br /> <br /> O fato &eacute; que os estados-p&ecirc;ndulo, que oscilam de um lado para outro, decidiram a elei&ccedil;&atilde;o. &Eacute; claro que Trump vai sair atirando, sob a cren&ccedil;a de que o trumpismo vai vingar, podendo ele vir a ser novamente o candidato em 2024. Quanto ao modus operandi da apura&ccedil;&atilde;o, ser&aacute; um tema a ser debatido nos pr&oacute;ximos tempos pelo Congresso norte-americano. (P.S. Os EUA devem aprender com sistemas de apura&ccedil;&atilde;o mais aperfei&ccedil;oados, incluindo o Brasil. Sua liturgia mostra necessidade de agiliza&ccedil;&atilde;o.)<br /> <br /> Quanto ao Judici&aacute;rio, ser&aacute; tarefa ingl&oacute;ria inverter o resultado eleitoral. O clamor das ruas &eacute; um dos eixos da democracia. Por &uacute;ltimo, a quest&atilde;o: por que Trump n&atilde;o articulou no Congresso para mudar o sistema? Por que aceitou os resultados de 2016 nos Estados decisivos? Sua derrota significa repulsa &agrave; gest&atilde;o com que conduz o pa&iacute;s, particularmente no caso da pandemia. N&atilde;o h&aacute; como deixar de lembrar que o showman de O Aprendiz acaba de ser submetido ao amargo refr&atilde;o de seu famoso programa: &ldquo;<i><b>voc&ecirc; est&aacute; demitido</b></i>&rdquo;.<br /> &nbsp;<br /> <img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o <br /> Acesse o blog <a href="https://www.observatoriopolitico.org/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>www.observatoriopolitico.org</i></u></span></a><br />