NESTE PLEITO, EMOÇÃO E RAZÃO

16 de novembro de 2020 às 16:58

Gaudêncio Torquato
O primeiro turno das elei&ccedil;&otilde;es para escolha de 5.570 prefeitos e 57 mil vereadores pode ser considerado o mais insosso e desanimado desses tempos de rep&uacute;dio &agrave; pol&iacute;tica.<br /> <br /> As raz&otilde;es para o clima de indiferen&ccedil;a que envolve a maior parcela dos 150 milh&otilde;es de eleitores abrigam um conjunto de fatores: o medo do Covid-19; a descren&ccedil;a na pol&iacute;tica, que ganhou volume com as investiga&ccedil;&otilde;es da Opera&ccedil;&atilde;o Lava Jato; a crise econ&ocirc;mica, que empobrece a popula&ccedil;&atilde;o; a deteriora&ccedil;&atilde;o dos servi&ccedil;os sociais, particularmente na &aacute;rea da sa&uacute;de; e, por fim, a polariza&ccedil;&atilde;o que azeda as rela&ccedil;&otilde;es sociais, aumentando a agressividade entre grupos e rebaixando a express&atilde;o dos protagonistas.<br /> <br /> &Eacute; oportuno lembrar que a descren&ccedil;a geral, ao contr&aacute;rio do que se pode concluir de maneira mais apressada, n&atilde;o induz o eleitor a votar em qualquer um. Ao contr&aacute;rio, provoca no cidad&atilde;o a vontade de mandar todos para o mesmo buraco e, na aus&ecirc;ncia dessa possibilidade, abre alternativas: deixar de votar, votar em branco ou escolher algu&eacute;m de perfil mais alinhado &agrave;s demandas do povo. Donde se aduz que &eacute; bem razo&aacute;vel um recorde de votos nulos e brancos e a escolha de quadros melhores que a atual moldura governativo/representativa.<br /> <br /> Deixar de votar ou votar em branco, tamb&eacute;m na contram&atilde;o do que se pode imaginar, n&atilde;o significa um ato de anemia pol&iacute;tica. Em outros termos, trata-se de uma decis&atilde;o que emana da vontade e da concep&ccedil;&atilde;o do eleitor sobre os candidatos, a par da natural tend&ecirc;ncia de milhares de pessoas de evitar aglomera&ccedil;&otilde;es, nesse momento em que a pandemia amea&ccedil;a formar uma segunda onda.<br /> <br /> Em suma, o eleitor avan&ccedil;a no caminho da racionalidade, que &eacute; um fen&ocirc;meno condizente com o est&aacute;gio civilizat&oacute;rio que respeita direitos e deveres e registra &iacute;ndice mais elevado de cidadania. O processo cognitivo pode ser assim explicado: de tanto ver coisa ruim, de tanto ver o copo da corrup&ccedil;&atilde;o transbordar, a pessoa decide virar a mesa, estapear ou apenar alguns candidatos, principalmente aqueles que s&oacute; aparecem nas periferias de quatro em quatro anos. O voto, por isso mesmo, carrega uma taxa de emo&ccedil;&atilde;o, mas n&atilde;o deixa de abrigar igualmente uma por&ccedil;&atilde;o de l&oacute;gica, raz&atilde;o, bom-senso. Dedu&ccedil;&atilde;o: o Brasil emotivo acolhe tamb&eacute;m elevado teor de racionalidade, o que significa participa&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica mais consciente.<br /> <br /> A cada pleito, registra-se menor n&uacute;mero de adeptos contaminados pela s&iacute;ndrome do touro: pensar com o cora&ccedil;&atilde;o e arremeter com a cabe&ccedil;a. Milh&otilde;es come&ccedil;am a escolher seu candidato pensando com a cabe&ccedil;a, apesar de nossa mais alta autoridade fazer o contr&aacute;rio, quando nos coloca a pecha de &ldquo;maricas&rdquo; e sugere que, ante eventual falta de saliva, o pa&iacute;s use &ldquo;p&oacute;lvora&rdquo; para defender a Amaz&ocirc;nia. (P.S. Contra quem? Contra a maior pot&ecirc;ncia militar do planeta).<br /> <br /> Deixemos as cabe&ccedil;adas toureiras de lado e voltemos ao processo eleitoral. Constata-se, nesta elei&ccedil;&atilde;o, outro fen&ocirc;meno que indica o grau de polariza&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica: a mescla do espa&ccedil;o local/regional com o espa&ccedil;o nacional.<br /> <br /> As campanhas se desenvolvem sob um roteiro de promessas e compromissos locais, mas &eacute; percept&iacute;vel o manto nacional vestindo as contendas, significando que o voto tamb&eacute;m ser&aacute; dado para contrariar ou endossar protagonistas que habitam o &uacute;ltimo andar da pir&acirc;mide da pol&iacute;tica, principalmente o presidente da Rep&uacute;blica. Votar em quem foi indicado ou apoiado por ele faz parte do sistema decis&oacute;rio do eleitor.<br /> <br /> Por &uacute;ltimo, vale lembrar que a escolha significa a constru&ccedil;&atilde;o da base do edif&iacute;cio pol&iacute;tico, ou a pista de decolagem dos avi&otilde;es que subir&atilde;o em outubro de 2022. Vereadores e prefeitos s&atilde;o cabos eleitorais de todos os participantes da pol&iacute;tica, ajudando a eleger deputados estaduais, federais, senadores e governadores, e estes, por sua vez, formam os vasos comunicantes que animar&atilde;o as plateias da elei&ccedil;&atilde;o presidencial.<br /> <br /> O fato &eacute; que o pleito deste 15 de novembro, a se completar com o segundo turno no dia 29 pr&oacute;ximo, mesmo insosso, &eacute; uma pedra fundamental para constru&ccedil;&atilde;o do Brasil de amanh&atilde;. O que resultar&aacute; das elei&ccedil;&otilde;es afetar&aacute; a vida de cada um. Da&iacute; a import&acirc;ncia de tentar enxergar no candidato de hoje um eixo essencial &agrave; engrenagem que far&aacute; o Brasil avan&ccedil;ar ou retroceder.<br /> <br /> O voto &eacute; um direito. Que deve ser usado como a mais poderosa arma de defesa da cidadania no seio das democracias.<br /> &nbsp;<br /> <img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o. Acesse o blog <a href="https://www.observatoriopolitico.org/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>www.observatoriopolitico.org</i></u></span></a><br />