A ERA DA DISCÓRDIA

18 de dezembro de 2020 às 11:42

Gaudêncio Torquato
Dezembro de 2020, ao contr&aacute;rio de outros meses de final do ano, ter&aacute; seu registro na hist&oacute;ria como um dos mais conflituosos dos tempos contempor&acirc;neos. O impacto da pandemia sobre a vida produtiva deixar&aacute; profundas marcas, alterando formas tradicionais de trabalho, remodelando sistemas operacionais e abrindo uma nova vis&atilde;o sobre a maneira de olhar o pr&oacute;prio mundo. Os PIBs nacionais despencar&atilde;o, a partir da China, com proje&ccedil;&otilde;es que mostram um atraso civilizat&oacute;rio que carecer&aacute; de d&eacute;cadas para sua recupera&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Apesar de todo progresso cient&iacute;fico alcan&ccedil;ado pela Humanidade, a se constatar no aumento da expectativa de vida dos cidad&atilde;os, com os avan&ccedil;os na frente da ind&uacute;stria farmac&ecirc;utica, na descoberta de novos procedimentos no tratamento das enfermidades e na melhoria da condi&ccedil;&atilde;o alimentar, o planeta v&ecirc;-se amea&ccedil;ado pelo aparecimento de v&iacute;rus (mutantes) e perigosas bact&eacute;rias que matam milh&otilde;es de pessoas.<br /> <br /> Para se ter uma ideia, em 1900, a expectativa de vida no Brasil era de 33,7 anos, dando um salto significativo em pouco mais de 11 d&eacute;cadas e atingindo hoje 76 anos. No entanto, o pa&iacute;s est&aacute; perto de registrar 200 mil mortos no espa&ccedil;o de menos um ano, v&iacute;timas de um v&iacute;rus ao qual se atribui a capacidade de voltar a atacar indiv&iacute;duos que dele j&aacute; haviam se livrado.<br /> <br /> Os danos gerados pela pandemia do Corona-19 infelizmente atravessam a fronteira fisiol&oacute;gica para chegar a outros abrigos, como o econ&ocirc;mico, o pol&iacute;tico e o social. Ao sistema econ&ocirc;mico, como se registra na queda dos PIBs, o impacto atinge as atividades dos setores b&aacute;sicos da economia &ndash; prim&aacute;rio, secund&aacute;rio e terci&aacute;rio &ndash; empobrecendo pa&iacute;ses e popula&ccedil;&otilde;es. A par do desmonte ou queda de empreendimentos, o v&iacute;rus penetra no corpo pol&iacute;tico, abrindo fissuras, dividindo opini&otilde;es, formando a ciz&acirc;nia, impulsionando a disc&oacute;rdia e, em seu bojo, trazendo &oacute;dio, guerra de palavras, estimulando o descr&eacute;dito nas institui&ccedil;&otilde;es, inclusive, as de car&aacute;ter cient&iacute;fico.<br /> <br /> O fato &eacute; que o mundo pand&ecirc;mico inaugura a era do rancor. Estados Unidos da Am&eacute;rica contra a China, puxando aliados como o Brasil para essa ingl&oacute;ria &ldquo;nova guerra fria&rdquo;, promovendo discord&acirc;ncias sobre etapas na escolha de vacinas, expandindo diverg&ecirc;ncias sobre procedimentos a seguir, enfim, infiltrando a politiquice no sagrado recanto da ci&ecirc;ncia. Por aqui, basta ver as declara&ccedil;&otilde;es estapaf&uacute;rdias e mirabolantes de governantes e outros protagonistas, a demonstrar que a vontade de conquistar poder rompe os planos da moral e da &eacute;tica.<br /> <br /> Pens&aacute;vamos que o mundo j&aacute; havia completado seus ciclos de deteriora&ccedil;&atilde;o e mis&eacute;ria. A Revolu&ccedil;&atilde;o Industrial, a partir da segunda metade do s&eacute;culo XVIII, que teve in&iacute;cio na Inglaterra, nos deu a primeira m&aacute;quina a vapor e permitiu a constru&ccedil;&atilde;o do maquin&aacute;rio voltado para a produ&ccedil;&atilde;o t&ecirc;xtil, consolidando a forma&ccedil;&atilde;o do capitalismo. O mundo come&ccedil;ava a distinguir os horizontes de progresso. Mas os ciclos da mortandade estariam por vir.<br /> <br /> Cinquenta anos antes do in&iacute;cio da I Guerra Mundial, em 1918, quando perderam a vida 17 milh&otilde;es de soldados e civis, tivemos no sul da China um conflito ainda mais sangrento, a rebeli&atilde;o de Taiping, que durou 14 anos e matou cerca de 30 milh&otilde;es de pessoas. De 1939 a 1945, a II Guerra Mundial provocou a morte de mais de 70 milh&otilde;es. A viol&ecirc;ncia jamais foi embora, repartindo-se em conflitos &eacute;tnicos, em guerras de fronteiras, em lutas religiosas, muitas movidas pelo fundamentalismo apaixonado de comunidades e na&ccedil;&otilde;es.<br /> <br /> As crises subiram aos picos dos sistemas pol&iacute;ticos. Monarquias foram resumidas, ditaduras e tiranias ainda resistem em alguns cantos, aristocracias praticamente deixaram de existir, mas as democracias, com suas bandeiras de igualdade e liberdade, se encheram dos lixos da corrup&ccedil;&atilde;o e da demagogia. E onde est&aacute; aquele estado de conviv&ecirc;ncia harmoniosa e solid&aacute;ria t&atilde;o prometido pela democracia? Em apenas pequenos peda&ccedil;os do planeta, possivelmente as na&ccedil;&otilde;es do norte da Europa.<br /> <br /> O fato &eacute; que a democracia n&atilde;o conseguiu expurgar as oligarquias, combater sem tr&eacute;guas a criminalidade e o fim da corrup&ccedil;&atilde;o, educar o povo nos moldes exigidos pela cidadania, a par da transpar&ecirc;ncia das a&ccedil;&otilde;es dos governos.<br /> <br /> Essa teia infernal de mazelas funciona como empecilho para enfrentar as crises. Por isso mesmo, a pandemia no nosso pa&iacute;s n&atilde;o &eacute; administrada com os instrumentos necess&aacute;rios, os cuidados exigidos, os meios &eacute;ticos que devem separar pol&iacute;tica e ci&ecirc;ncia. O pior &eacute; constatar que algumas figuras mal&eacute;ficas, na calada da noite, correm para apagar at&eacute; a luz do fim do t&uacute;nel.<br /> &nbsp;<br /> <img src="https://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato - Acesse o <a href="https://www.observatoriopolitico.org/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>blog www.observatoriopolitico.org</i></u></span></a><br />