54 mil pessoas com novo Coronavírus poderão fazer o ENEM
16 de janeiro de 2021 às 12:34
Mateus Prado
Em agosto a OMS divulgou um estudo demonstrando que a letalidade real do novo coronavírus é de 0,6%. A taxa de letalidade oficial (no Brasil de cerca de 2,5 % hoje) na verdade sempre é bem maior do que a real porque a maioria dos casos do novo coronavírus não fazem testagem oficial ou nem fazem testagem, o que impede de aparecerem nas estatísticas. Com média móvel de mortes de cerca de 1000 pessoas por dia o Brasil hoje teria algo próximo de 170 mil infecções diárias (número bem superior aos 53.250 indicados como média diária de casos neste último domingo). Considerando que o vírus fica em média 12 dias em cada pessoa (média de 5 dias de incubação e mais média de 7 dias de transmissibilidade) teríamos hoje no Brasil cerca de 2 milhões de infectados, 0,95% da população.<br />
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Em uma conta bastante conservadora podemos considerar que entre os inscritos no ENEM temos o mesmo porcentual de infectados que no universo da população do Brasil. A conta, ou a opção por ela e não por outra, é bastante conservadora por sabermos que nestes últimos dias na verdade quem mais tem se exposto ao vírus são justamente os mais jovens, portanto é razoável supor que entre os mais novos o porcentual de infectados vai ser de mais de 0,95% no dia da provável primeira prova do ENEM.<br />
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Com mais de 5,6 milhões de inscritos para o exame, no dia 17, quando o INEP/MEC pretende aplicar a primeira prova do exame, mais de 54 mil dos inscritos vão estar com o novo coronavírus. 1 a cada 100 inscritos. Mais de 30 mil deles transmitindo. Se irão ou não ao exame é bem difícil saber. Eu suponho que faltarão quase que na mesma proporção da abstenção geral do exame (que certamente será, se realmente acontecer a prova agora, em torno de 50%).<br />
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Pouca gente conhece a realidade do exame nas menores cidades do país. Em 2018 o ENEM foi aplicado em só 550 cidades. Antes eram mais que 1700 cidades que tinham o exame. No dia do ENEM milhares e milhares de pessoas de aglomeram em tudo quanto tipo é de transporte para poder viajar da sua cidade até a cidade da prova. Várias e várias cidades costumam disponibilizar ônibus para que seus jovens possam se deslocar para a cidade onde farão a prova. Na maioria destes lugares são ônibus lotados que vão e voltam com os alunos. Em alguns lugares são embarcações que levam os alunos.<br />
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Boa parte destes saindo cedo de casa, 4 ou 5 horas antes do exame, e sem nenhum dinheiro para se alimentar antes, durante e depois da prova. Chegam em casa do a noite, umas 12 horas depois de terem saído.<br />
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As várias horas dentro da sala de aula, que são diferentes dos poucos minutos para votar, devem sim ser levadas em consideração, mas as horas antes e depois do exame também são preocupantes. E são preocupantes sobretudo nos municípios bem pequenos, aqueles onde que proporcionalmente as mortes pelo novo coronavírus mais aumentaram no segundo semestre e também aqueles que têm bem menor estrutura para tratar casos graves da infecção.<br />
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É bem verdade que existem entre estes jovens quem já tem se exposto ao novo coronavírus por vontade própria, ou até mesmo contra a vontade, por necessidade. Se expuseram/expõem em baladas, fluxos, nas campanhas das últimas eleições, no transporte público, em encontros entre amigos e/ou familiares, entre outros. Mas no caso do ENEM temos, diferente das outras situações, um elevado porcentual da sociedade que entendeu que o novo coronavírus é grave e tomou todas as providências para se isolar obrigado a se expor.<br />
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Agora o núcleo familiar que optou, e que pode, seguir as recomendações médicas e científicas, terá que submeter-se ao risco de contaminação por não estarmos trabalhando para uma solução alternativa que não prolifere o vírus, não acabe com as vagas de 2021 das federais e que não puna quem que, mesmo com as adversidades, conseguiu estudar para o ENEM em 2020. É importante citar que a taxa de letalidade considerada de 0,6% também é bem conservadora. Estudos no Brasil sugerem que taxa de letalidade é menor que 3% pelo menos por aqui. Se este for o dado considerado a cada 50 inscritos no ENEM 1 estará contaminado no dia da provável primeira prova. Mais do que 100 mil pessoas, e mais do que a metade delas transmitindo.<br />
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Por <b><i>Mateus Prado</i></b>, educador especialista em ENEM. Foi fundador e presidente do Instituto Henfil, editor da Revista Glocal, colunista do Estadão, do IG, do DGABC e de vários outros veículos de comunicação. Cursou Sociologia na USP e Medicina na UFRJ e é graduado em Políticas Públicas pela USP.