Brasil asfixiado e sem vacinas conta seus mortos, e Bolsonaro se diverte... -

31 de janeiro de 2021 às 19:22

Ricardo Kotscho
Ao lado das imagens dos pacientes sem oxig&ecirc;nio morrendo asfixiados em Manaus, o que mais me chocou esta semana, exatamente pelo contraste, foi o ambiente festivo da churrascada oferecida por Jair Bolsonaro a seus cupinchas em Bras&iacute;lia.<br /> <br /> N&atilde;o sei se voc&ecirc;s repararam na cara de felicidade do nosso chanceler, Ernesto Ara&uacute;jo, quase em &ecirc;xtase, puxando o coro de &quot;<i><b>Mito!</b></i>&quot; para o chefe e gargalhando quando ele come&ccedil;ou a xingar os jornalistas, como se estivessem numa reuni&atilde;o do PCC nas quebradas do mundar&eacute;u, t&atilde;o bem retratadas por Pl&iacute;nio Marcos.<br /> <br /> O grande dramaturgo paulista tamb&eacute;m chocou a mais refinada alta sociedade brasileira, quando surgiu em plena ditadura, usando todos os palavr&otilde;es conhecidos na &eacute;poca.<br /> <br /> Agora, nada mais parece agredir os ouvidos da distinta plateia reunida na churrascaria e dos que assistiram ao v&iacute;deo publicado pelos filhos nas redes sociais com a grande performance escatol&oacute;gica do pai.<br /> <br /> Naquele dia, o Brasil tinha passado da marca de 220 mil &oacute;bitos na pandemia, mas o presidente s&oacute; queria falar das toneladas de leite condensado compradas pelo governo para alimentar as tropas.<br /> <br /> Cercado de cantores sertanejos de segunda categoria e de outros artistas do mesmo n&iacute;vel, que gritavam &quot;<i><b>Mito!</b></i>&quot; junto com o chanceler, s&oacute; gostaria de saber de uma coisa: o que mesmo eles estavam comemorando?<br /> <br /> Seria a compra do Congresso, com cargos e dinheiro de emendas para a turma da pesada do Centr&atilde;o, que segundo o Estad&atilde;o custaram pelo menos R$ 3 bilh&otilde;es aos cofres p&uacute;blicos?<br /> <br /> Em suas andan&ccedil;as pelo pa&iacute;s e no cercadinho do Alvorada, nos &uacute;ltimos dias, os mais dram&aacute;ticos da pandemia at&eacute; agora, o presidente agora aparece nas fotos sempre rindo ou mandando algu&eacute;m para a ponta da praia, arrancando aplausos dos &aacute;ulicos.<br /> <br /> Dele j&aacute; n&atilde;o se esperava nenhuma compaix&atilde;o com as fam&iacute;lias dos mortos pela trag&eacute;dia da covid-19, mas tamb&eacute;m n&atilde;o precisava tripudiar.<br /> <br /> Dizer que o general Pazuello &eacute; &quot;<i><b>um grande gestor que est&aacute; fazendo um excelente trabalho</b></i>&quot; &eacute; debochar dos parentes das v&iacute;timas de Manaus que n&atilde;o conseguem vaga nos hospitais.<br /> <br /> Bolsonaro virou um p&acirc;ndego sem no&ccedil;&atilde;o que desfila sua bo&ccedil;alidade em meio aos vel&oacute;rios de um pa&iacute;s cujas institui&ccedil;&otilde;es j&aacute; n&atilde;o s&atilde;o capazes de dar um basta a esse desatinado.<br /> <br /> Chamar o capit&atilde;o de genocida j&aacute; nem faz c&oacute;cegas nele. &Eacute; bem capaz de nem saber o significado da palavra.<br /> <br /> Tenho-me recusado a reproduzir as sandices que ele fala diariamente. Como brasileiro, sinto vergonha por ter de cham&aacute;-lo de presidente.<br /> <br /> Mas parece que agora tudo faz parte da paisagem no holocausto brasileiro naturalizado dia ap&oacute;s dia.<br /> <br /> Nada mais &eacute; capaz de nos indignar, como aconteceu com o povo alem&atilde;o dos meus antepassados, esmagados pelas botas dos nazistas.<br /> <br /> Pelas hist&oacute;rias que me contava, nem sei como minha m&atilde;e conseguiu sobreviver e ter cinco filhos (tr&ecirc;s deles natimortos, devido &agrave; sua fraqueza no p&oacute;s-guerra).<br /> <br /> Aqui nunca tivemos guerra nenhuma, a n&atilde;o ser do governo militar contra o seu pr&oacute;prio povo, como novamente est&aacute; acontecendo agora, com os generais entrincheirados no Pal&aacute;cio do Planalto, e o capit&atilde;o se divertindo, num pa&iacute;s asfixiado e sem vacinas.<br /> <br /> E, para consumar o massacre dos nossos direitos e conquistas sociais, do nosso meio ambiente, da educa&ccedil;&atilde;o, da sa&uacute;de, da cultura, da soberania nacional, a alegre turma da churrascaria, que fez lembrar o Baile da Ilha Fiscal, nos estertores do Imp&eacute;rio, s&oacute; pensa na reelei&ccedil;&atilde;o. O resto que se dane.<br /> <br /> Alguma coisa n&atilde;o deu certo nessa Rep&uacute;blica proclamada pelos militares, que nunca admitiram deixar o poder, desde Deodoro da Fonseca.<br /> <br /> De marechais e generais mandando no Brasil, agora chegamos a um tenente reformado como capit&atilde;o, aos 33 anos, ao ser afastado do Ex&eacute;rcito, deputado med&iacute;ocre, um &quot;<i><b>boca de conflito</b></i>&quot;, que nunca fez nada de bom pelo pa&iacute;s, defensor de ditadores e torturadores, um produto da Opera&ccedil;&atilde;o Lava Jato, que iniciou o processo de destrui&ccedil;&atilde;o do sistema pol&iacute;tico e da ind&uacute;stria brasileira.<br /> <br /> Estamos virando uma fazenda de commodities, um grande acampamento, voltando &agrave; &eacute;poca da coloniza&ccedil;&atilde;o, em que se matavam &iacute;ndios para ampliar os dom&iacute;nios, e depois importavam negros escravos para fazer o servi&ccedil;o.<br /> <br /> Como a minha m&atilde;e, os &iacute;ndios sobreviveram, mas est&atilde;o sendo dizimados, e o trabalho escravo incorporou outras ra&ccedil;as, no campo e nas cidades, como o Jornal Nacional mostrou ainda esta semana.<br /> <br /> Era esse &quot;<i><b>o Brasil que queremos</b></i>&quot;?, o tema da s&eacute;rie do JN durante toda a campanha eleitoral, que nos levou &agrave; &quot;dif&iacute;cil escolha&quot; entre a civiliza&ccedil;&atilde;o e a barb&aacute;rie.<br /> <br /> Se n&atilde;o reagirmos a tempo, a hist&oacute;ria poder&aacute; se repetir em 2022, como mostram as &uacute;ltimas pesquisas.<br /> <br /> Resta saber quantos de n&oacute;s sobreviveremos at&eacute; l&aacute; para impedir que isso aconte&ccedil;a.<br /> <br /> Eu j&aacute; estou velho, mas espero que minhas filhas e netos n&atilde;o tenham que enfrentar o mesmo drama de minha m&atilde;e para lutar pela sobreviv&ecirc;ncia.<br /> <br /> N&atilde;o precisava ser assim.<br /> <br /> Apenas cinco ou seis anos atr&aacute;s, antes da Lava Jato, o Brasil era um pa&iacute;s com pleno emprego, muita esperan&ccedil;a e orgulho, admirado e respeitado pelo mundo.<br /> <br /> Foi tudo muito r&aacute;pido. A quem interessava destruir o pa&iacute;s do Pr&eacute;-sal, da Embraer, da Embrapa, do Ibama, da ind&uacute;stria automobil&iacute;stica, das energias alternativas, das novas universidades e tecnologias, do Bolsa Fam&iacute;lia elogiado pelo mundo inteiro e do Minha Casa Minha Vida, um pa&iacute;s altivo que saiu do Mapa da Fome, para onde agora voltou?<br /> <br /> Talvez a&iacute; se encontre uma explica&ccedil;&atilde;o. Isso n&atilde;o pode ter sido coisa s&oacute; de brasileiros. O FBI que o diga.<br /> <br /> Vida que segue.<br /> <br /> <img src="/uploads/image/artigos_ricardo-kotscho_jornalista-colunista-uol.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Por <i><b>Ricardo Kotscho</b></i>, colunista do UOL<br /> Fonte: <a href="https://noticias.uol.com.br/colunas/balaio-do-kotscho/2021/01/30/brasil-asfixiado-e-sem-vacinas-conta-seus-mortos-e-bolsonaro-se-diverte.htm" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>https://noticias.uol.com.br/</i></u></span></a>