Vacina, crianças e volta às aulas. Muitas questões e poucas respostas

03 de fevereiro de 2021 às 12:09

Ana Cristina Ribeiro Zollner
Ap&oacute;s quase um ano de isolamento e com uma segunda onda importante e ascendente acontecendo, temos, enfim, uma vacina que j&aacute; come&ccedil;ou, aos poucos, a ser aplicada na popula&ccedil;&atilde;o. <br /> <br /> Um questionamento que n&oacute;s, pediatras, temos ouvido muito &ndash; e que vem reverberando bastante nas redes sociais, tirando o sono de muitos pais &ndash; em raz&atilde;o do eminente per&iacute;odo de volta &agrave;s aulas, &eacute;: por que as crian&ccedil;as n&atilde;o constam do calend&aacute;rio priorit&aacute;rio de vacina&ccedil;&atilde;o? &Eacute; um questionamento importante, ent&atilde;o vou tentar esclarecer aqui alguns pontos em rela&ccedil;&atilde;o a isso. <br /> <br /> As vacinas que v&ecirc;m sendo produzidas e desenvolvidas em todo o mundo n&atilde;o t&ecirc;m o p&uacute;blico infantil como base de estudo. Isso se deve ao fato de que, pelo menos at&eacute; o momento, a Covid-19 e suas varia&ccedil;&otilde;es s&atilde;o potencialmente perigosas para o p&uacute;blico adulto, idoso e com comorbidades. Assim, eles s&atilde;o prioridades nos estudos, testes e no processo de imuniza&ccedil;&atilde;o. A taxa de incid&ecirc;ncia da doen&ccedil;a na popula&ccedil;&atilde;o pedi&aacute;trica &eacute; bem menor do que na popula&ccedil;&atilde;o em geral, assim como a letalidade. Al&eacute;m disso, as vacinas n&atilde;o foram testadas nesse p&uacute;blico, ent&atilde;o n&atilde;o podem, neste momento, ser aplicadas em crian&ccedil;as. O mesmo se aplica para as gestantes. <br /> <br /> De acordo com estudo publicado pelos Centros para a Preven&ccedil;&atilde;o e o Controle de Doen&ccedil;as (CDC) no final de 2020 &ndash; feito a partir de quase 280 mil casos de crian&ccedil;as que testaram positivo para Covid-19 nos EUA, as taxas de letalidade por faixa et&aacute;ria eram de 0,003% (0-19 anos), 0,02% (20-49 anos), 0,5% (50-69 anos) y 5,4% (70 anos e mais). Publicada pela revista Jama Pediatrics, uma an&aacute;lise que compilou 32 estudos sobre o tema concluiu que as crian&ccedil;as e adolescentes menores de 20 anos tinham de fato 44% menos chances de contrair a Covid-19. At&eacute; o final de 2020, 514 crian&ccedil;as de at&eacute; 5 faleceram devido &agrave; Covid-19 no Brasil. Do total de &oacute;bitos no per&iacute;odo, que era de cerca de 195 mil, o p&uacute;blico de at&eacute; 5 anos respondia por 0,26%. Devido a esses dados, as crian&ccedil;as ainda n&atilde;o s&atilde;o prioridade para o desenvolvimento de vacinas.<br /> &nbsp;<br /> Ainda teremos muito o que falar da pandemia, ela n&atilde;o vai desacelerar a ponto de podermos relaxar com as medidas de preven&ccedil;&atilde;o da transmissibilidade do Coronav&iacute;rus, como o uso de m&aacute;scaras corretamente, higiene frequente das m&atilde;os e distanciamento social. O que &eacute; necess&aacute;rio todo pediatra fazer, e estamos fazendo isso, &eacute; orientar os pais a manter os cuidados, pois a imuniza&ccedil;&atilde;o em escala global ainda levar&aacute; algum tempo at&eacute; que se possa conter os efeitos do v&iacute;rus.<br /> &nbsp;<br /> Devemos ainda ter aten&ccedil;&atilde;o quanto &agrave; sa&uacute;de mental das crian&ccedil;as, que perderam quase um ano de contato presencial com outras pessoas, socializa&ccedil;&atilde;o e desenvolvimento escolar. &Eacute; preciso que elas retornem &agrave;s escolas o quanto antes, por&eacute;m com responsabilidade e controle, guardando-se as particularidades de cada regi&atilde;o e de cada unidade escolar. Contudo, vale ressaltar que n&atilde;o &eacute; s&oacute; a sa&uacute;de delas que est&aacute; comprometida, mas de toda a popula&ccedil;&atilde;o. Idosos tamb&eacute;m vivenciam per&iacute;odo dif&iacute;cil. O confinamento e todas as outras restri&ccedil;&otilde;es e orienta&ccedil;&otilde;es impostas para se tentar conter a dissemina&ccedil;&atilde;o do v&iacute;rus acabaram se tornando uma forma de sobreviv&ecirc;ncia para esta faixa et&aacute;ria. Nada tem sido f&aacute;cil. <br /> &nbsp;<br /> Acabamos de retornar &agrave; fase vermelha no Estado de S&atilde;o Paulo e os n&uacute;meros nacionais v&ecirc;m subindo assustadoramente. Enquanto escrevo este texto, j&aacute; estamos em 8,9 milh&otilde;es de casos e quase 218 mil &oacute;bitos em raz&atilde;o da doen&ccedil;a. Enquanto isso, discute-se o retorno das atividades escolares presenciais no in&iacute;cio de fevereiro. Se at&eacute; l&aacute; essa prerrogativa n&atilde;o mudar, teremos um desafio imenso com que lidar. Mais um. Assim, se a op&ccedil;&atilde;o for voltar, &eacute; preciso que essa retomada seja com todo planejamento poss&iacute;vel &ndash; distanciamento entre os alunos, utiliza&ccedil;&atilde;o de m&aacute;scaras, higiene constante das m&atilde;os com &aacute;gua e sab&atilde;o e &aacute;lcool em gel, atividades realizadas preferencialmente ao ar livre e altern&acirc;ncia entre grupos nas depend&ecirc;ncias da escola. As salas de aula precisam ter um n&uacute;mero reduzido de alunos e &eacute; necess&aacute;rio que menos pessoas permane&ccedil;am dentro do ambiente escolar. Deve-se, tamb&eacute;m, respeitar o aspecto epidemiol&oacute;gico regional onde a escola est&aacute; inserida: se o munic&iacute;pio estiver na fase vermelha, por exemplo, a retomada das aulas presenciais &eacute; de dif&iacute;cil gest&atilde;o.<br /> &nbsp; <br /> Todas essas quest&otilde;es t&ecirc;m que ser discutidas, precisam ser constru&iacute;das em parceria entre os gestores, que v&atilde;o apontar a situa&ccedil;&atilde;o da sa&uacute;de local; a escola, que ter&aacute; que se organizar para garantir os cuidados e restri&ccedil;&otilde;es, e os cidad&atilde;os, que precisam pensar coletivamente. N&atilde;o se trata de uma responsabilidade somente da escola, nem exclusiva dos pais, nem dos pediatras. &Eacute; uma constru&ccedil;&atilde;o coletiva, com controle das autoridades locais constitu&iacute;das para que se chegue a uma decis&atilde;o racional, consciente e muito madura para que, quando esse passo for dado, ele seja assertivo e a melhor decis&atilde;o para aquele momento. O que n&atilde;o se pode &eacute; dizer que quem vai decidir &eacute;, exclusivamente, o profissional m&eacute;dico, a escola ou a fam&iacute;lia. Essa &eacute; uma decis&atilde;o que precisa ser compartilhada, porque todos t&ecirc;m sua dose de responsabilidade. Se os pais assim decidirem, se a escola tamb&eacute;m se sente confort&aacute;vel em receber os alunos e se o pediatra da fam&iacute;lia concorda com o retorno, OK, a crian&ccedil;a retoma as aulas com todos os cuidados (de responsabilidade de todos os envolvidos). O que se deseja &eacute; a concord&acirc;ncia de todos. A cidadania, a &eacute;tica, o respeito ao pr&oacute;ximo e a autonomia deve liderar qualquer decis&atilde;o neste sentido. <br /> &nbsp;<br /> <img src="/uploads/image/artigos_ana-cristina-ribeiro-zollner_pediatra-bioeticista.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Por <i><b>Ana Cristina Ribeiro Zollner</b></i> &eacute; Pediatra, Bioeticista, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria e professora do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro &ndash; Unisa.