O LÍDER MORAL

23 de março de 2021 às 10:54

Gaudêncio Torquato
H&aacute; pastores por todos os lados tentando juntar ovelhas que se dispersam na vastid&atilde;o dos pastos do planeta. As tentativas acabam sendo in&oacute;cuas, porque os animais n&atilde;o reconhecem a voz do pastor. Escondem-se em touceiras e perambulam de um lado a outro em sua vida n&ocirc;made. A imagem cai bem no ciclo em que vive a Humanidade. H&aacute; pol&iacute;ticos de todos os estilos, autorit&aacute;rios e demagogos, liberais e conservadores, populistas e articuladores. Mas a paisagem &eacute; &aacute;rida quando se procura enxergar um perfil com lealdade moral, qualidade central em um estadista.<br /> <br /> O l&iacute;der moral &eacute; aquele que se imp&otilde;e por sua &iacute;ndole agregadora, pela respeitabilidade conquistada junto aos governados e pela busca de solu&ccedil;&otilde;es para atender demandas das popula&ccedil;&otilde;es. S&atilde;o mandat&aacute;rios que enfrentam desafios, cientes de que a coragem e a resili&ecirc;ncia s&atilde;o essenciais para se ganhar a guerra. Churchill, por exemplo, de tanto insistir, convenceu os EUA a entrarem na guerra dos aliados contra os pa&iacute;ses do Eixo (Alemanha, It&aacute;lia e Jap&atilde;o).<br /> <br /> A lideran&ccedil;a moral resiste ao tempo, saindo da tempestade para entrar na bonan&ccedil;a, e tendo como inspira&ccedil;&atilde;o a chegada ao p&oacute;dio da vit&oacute;ria. N&atilde;o se subordina a reclamos de partidos que se tornam ca&ccedil;adores de recompensas. Entende a pol&iacute;tica como &ldquo;a habilidade de prever o que vai acontecer amanh&atilde;, na semana que vem, no m&ecirc;s que vem e no ano que vem, por&eacute;m com a capacidade de explicar depois por que nada daquilo aconteceu&rdquo;, como definia Churchill. Nas crises ou fora delas, o governo &eacute; sempre aplaudido.<br /> <br /> Quem seria capaz, hoje, de promover um &ldquo;swadesh&rdquo;, um boicote &agrave;s mercadorias importadas, como sugeriu Gandhi aos indianos, como estrat&eacute;gia para alavancar a economia contra a entrada de produtos ingleses na &Iacute;ndia ou deixar de pagar escorchantes tributos &agrave; Inglaterra? Gandhi foi um &iacute;cone moral. Com seus &oacute;culos redondos, suave sorriso e m&atilde;os postas em ora&ccedil;&atilde;o, conserva imagem perene em nossas mentes.<br /> <br /> Outro exemplo de estadista da contemporaneidade &eacute; John Kennedy, mesmo com hist&oacute;rias picantes na vida pessoal. Sua fala empolgava as multid&otilde;es: &ldquo;N&atilde;o pergunte o que seu pa&iacute;s pode fazer por voc&ecirc;, mas o que voc&ecirc; pode fazer por seu pa&iacute;s&rdquo;. O carisma se estampava na face sorridente, na virtuosidade das palavras, no sonho que acalentava de ver uma Am&eacute;rica feliz, apelo que tamb&eacute;m guiou outro l&iacute;der moral dos EUA, Martin Luther King.<br /> <br /> Entremos nos nossos tr&oacute;picos. Sem esmiu&ccedil;ar o passado, at&eacute; para diminuir o contencioso pol&ecirc;mico, comecemos no final da d&eacute;cada de 50. O retrato &eacute; o de Juscelino Kubitschek, JK, cujo sorriso aberto conquistava a simpatia da massa. Colou nele o selo do desenvolvimentista, que consolidou a ind&uacute;stria automobil&iacute;stica, e fez Bras&iacute;lia, celebrando a express&atilde;o: &ldquo;Deste Planalto Central, desta solid&atilde;o que em breve se transformar&aacute; em c&eacute;rebro das altas decis&otilde;es nacionais, lan&ccedil;o os olhos mais uma vez sobre o amanh&atilde; do meu pa&iacute;s e antevejo esta Alvorada com f&eacute; inquebrant&aacute;vel e uma confian&ccedil;a sem limites no seu grande destino.&rdquo;<br /> <br /> Na linha da autoridade moral, aparece, a seguir, J&acirc;nio Quadros, com seu olhar obl&iacute;quo e medidas esdr&uacute;xulas. Ficou apenas sete meses no comando da Na&ccedil;&atilde;o, mas tinha carisma. Impunha respeito. Ai de quem n&atilde;o executasse as ordens de seus bilhetinhos. Implantou uma pol&iacute;tica externa independente, ganhando apoio mundial nos tempos nervosos da Guerra Fria. Conhecedor da l&iacute;ngua portuguesa, abusava de &ecirc;nfases, mes&oacute;clises e pr&oacute;clises, que propiciaram uma corrente de imitadores. Matreiro, histri&ocirc;nico, escancarava as portas da m&iacute;dia. Na campanha para prefeito de S&atilde;o Paulo, em 1985, ia ao est&uacute;dio da TV Record, na avenida Miruna, em SP, para fazer duros pronunciamentos contra bandidos e corruptos. Fazia um programa eleitoral tosco, mas dava o recado, enquanto Fernando Henrique exibia um v&iacute;deo com recursos cinematogr&aacute;ficos. JQ ganhou o pleito com seu estilo.<br /> <br /> De JQ at&eacute; os dias de hoje, s&oacute; apareceu Luiz In&aacute;cio com estoque de carisma e volume de lealdade moral restrita &agrave;s correntes petistas. Mas os esc&acirc;ndalos que envolveram o PT corroeram seu tamanho carism&aacute;tico, destacando-se o fato de que Lula e seu partido dividiram o Brasil em duas bandas, &ldquo;n&oacute;s e eles&rdquo;.<br /> <br /> Em suma, falta-nos, hoje, um l&iacute;der moral, um perfil com voz aplaudida por grupos de todas as classes sociais. Quem souber onde ele se encontra, favor anunciar o nome.<br /> &nbsp;<br /> <img src="https://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /> <br /> <br /> <br /> Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i> &eacute; jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor pol&iacute;tico Twitter@gaudtorquato. Acesse o blog <a href="https://www.observatoriopolitico.org/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>www.observatoriopolitico.org</i></u></span></a><br /> <br /> <br />