Mudanças no Governo Bolsonaro: desmoronamento, acomodação ou radicalização?

31 de março de 2021 às 11:09

Rodrigo Augusto Prando
A segunda-feira, 29/03/21, come&ccedil;ou, politicamente, como o esperado: a sa&iacute;da de Ernesto Ara&uacute;jo do Minist&eacute;rio das Rela&ccedil;&otilde;es Exteriores. Contudo, terminou com o inesperado: uma n&atilde;o anunciada minirreforma ministerial com sa&iacute;das e trocas em seis posi&ccedil;&otilde;es no primeiro escal&atilde;o do Governo. E, na ter&ccedil;a-feira, 30/03/21, foi anunciada a substitui&ccedil;&atilde;o do Comando das tr&ecirc;s for&ccedil;as: Ex&eacute;rcito, Marinha e Aeron&aacute;utica. O que se pode, ainda que, panoramicamente, ser compreendido de tais fatos? <br /> <br /> Ao fim e ao cabo de segunda-feira (29/03), tr&ecirc;s perguntas ou, se preferir, tr&ecirc;s cen&aacute;rios estavam colocados por conta das mudan&ccedil;as: 1) estaria o Governo Bolsonaro desmoronando?; 2) seria, ao contr&aacute;rio, uma acomoda&ccedil;&atilde;o dos interesses e press&otilde;es, especialmente, do Centr&atilde;o?; e, finalmente, 3) se est&aacute; em curso uma radicaliza&ccedil;&atilde;o e uma eventual tentativa de ruptura institucional? Antes, por&eacute;m, de tratar destes t&oacute;picos/hip&oacute;teses, vale, aqui, indicar quais foram as movimenta&ccedil;&otilde;es em tela. Foram tr&ecirc;s atores que deixam o governo: Ernesto Ara&uacute;jo, do Minist&eacute;rio das Rela&ccedil;&otilde;es Exteriores; Fernando Azevedo e Silva, do Minist&eacute;rio da Defesa e Jos&eacute; Levi da Advocacia Geral da Uni&atilde;o. H&aacute; tr&ecirc;s novos nomes assumindo posi&ccedil;&otilde;es: Carlos Alberto Franco Fran&ccedil;a no lugar de Ara&uacute;jo; Fl&aacute;via Arruda, na Secretaria de Governo, no lugar de Luiz Eduardo Ramos e Anderson Gustavo Torres, no Minist&eacute;rio da Justi&ccedil;a e Seguran&ccedil;a P&uacute;blica. E, ainda, houve a realoca&ccedil;&atilde;o de tr&ecirc;s ministros: Luiz Eduardo Ramos que deixa a Secretaria de Governo e assume a Casa Civil e, por isso, Walter Braga Neto assume o Minist&eacute;rio da Defesa; Andr&eacute; Mendon&ccedil;a deixa o Minist&eacute;rio da Justi&ccedil;a e Seguran&ccedil;a P&uacute;blica e assume a Advocacia Geral da Uni&atilde;o. At&eacute; o momento n&atilde;o se sabe quem substituir&aacute; Edson Leal Pujol (Ex&eacute;rcito), Ilques Barbosa (Marinha) e Ant&ocirc;nio Carlos Bermudez (Aeron&aacute;utica). <br /> <br /> Tais mudan&ccedil;as deveriam, para o bem da boa comunica&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica e da tranquilidade institucional e social, ser informadas com anteced&ecirc;ncia e com claros elementos indicando o porqu&ecirc; de tais decis&otilde;es. Voltemos, contudo, aos cen&aacute;rios h&aacute; pouco aventados. Em primeiro lugar, muitos, apressadamente, e mais como torcida do que como an&aacute;lise, entenderam que a sucess&atilde;o dos fatos eram indicativos de que o governo estaria desmoronando e chegando aos seus estertores. Nada, objetivamente, permitiria assumir essa hip&oacute;tese. O governo est&aacute; fragilizado, bem como Bolsonaro e isso se d&aacute;, essencialmente, pela aus&ecirc;ncia de lideran&ccedil;a e enfrentamento racional da pandemia. <br /> <br /> Em segundo lugar, a hip&oacute;tese de que o conjunto das mudan&ccedil;as processadas seriam um indicativo de que, no bojo do governo, haveria uma reacomoda&ccedil;&atilde;o de for&ccedil;as pol&iacute;ticas, especialmente, para atender e amainar a press&atilde;o do Centr&atilde;o sobre o Planalto. Creio que, aqui, esteja parte da resposta aos acontecimentos recentes. O Centr&atilde;o, vale lembrar, t&atilde;o atacado pelos bolsonaristas, foi trazido para o governo por desejo de blindar o presidente de um eventual processo de impeachment e, tamb&eacute;m, para que o Executivo tenha apoio e governabilidade junto ao Legislativo. Com isso, o Centr&atilde;o entrega apoio, bem sabemos, mas cobra numa voracidade enorme e tampouco tem fidelidade a algum governo (Dilma j&aacute; teve apoio do Centr&atilde;o e depois foi abandonada &agrave; pr&oacute;pria sorte). Al&eacute;m do Centr&atilde;o, Bolsonaro foi acuado por outras for&ccedil;as: o &quot;efeito Lula&quot;, que, ap&oacute;s o discurso do ex-presidente, fez Bolsonaro usar m&aacute;scara e at&eacute; colocar um globo terrestre na mesa durante sua live; a Carta de economistas e banqueiros, que mostra insatisfa&ccedil;&atilde;o do mercado com os rumos da economia e do combate &agrave; pandemia; a morosidade na aquisi&ccedil;&atilde;o de vacinas e o aumento da escalada de mortes na pandemia e, n&atilde;o menos importante, as a&ccedil;&otilde;es de governadores e prefeitos que destoam da posi&ccedil;&atilde;o do presidente e, no caso, do Governador de S&atilde;o Paulo, Jo&atilde;o Doria, proeminente advers&aacute;rio de Bolsonaro e detentor do capital pol&iacute;tico por ter investido na vacina que, hoje, imuniza a grande maioria dos brasileiros. Todos esses fatores levaram Bolsonaro a reagir, todavia, as rea&ccedil;&otilde;es s&atilde;o tardias e, muitas vezes, in&oacute;cuas, j&aacute; que o presidente aposta no confronto ao inv&eacute;s do di&aacute;logo pol&iacute;tico e de a&ccedil;&otilde;es alicer&ccedil;adas sobre a ci&ecirc;ncia e sobre a racionalidade administrativa. <br /> <br /> Em terceiro lugar, last but not least, o enorme ru&iacute;do e desgaste com as For&ccedil;as Armadas com a troca do Ministro da Defesa, Azevedo e Silva, e a sa&iacute;da dos Chefes do Ex&eacute;rcito, Marinha e Aeron&aacute;utica; Pujol, Barbosa e Bermudez, respectivamente. Neste caso, na nota demission&aacute;ria de Azevedo e Silva, foi expresso que ele havia mantido as For&ccedil;as Armadas como institui&ccedil;&otilde;es de Estado, deixando no ar o que, depois, foi confirmado pelos jornalistas, a constante tentativa de Bolsonaro de politizar e instrumentalizar as For&ccedil;as Armadas para seu projeto de governo e de poder. Em se tratando de um governo que, no seu bojo, abriga cerca de 6 mil militares em fun&ccedil;&otilde;es civis, qualquer estremecimento gera, no m&iacute;nimo, desconfian&ccedil;as de que poderia ocorrer radicaliza&ccedil;&atilde;o ou rupturas institucionais. H&aacute; pouco, o Vice-Presidente, Hamilton Mour&atilde;o, declarou que &quot;Pode botar quem quiser, n&atilde;o tem ruptura institucional; For&ccedil;as Armadas v&atilde;o se pautar pela legalidade, sempre&quot;, tal afirma&ccedil;&atilde;o teria o poder de amainar os &iacute;mpetos radicais de alas bolsonaristas, bem como tranquilizar a sociedade dando a sinaliza&ccedil;&atilde;o que, mesmo trocando a c&uacute;pula das For&ccedil;as Armadas, n&atilde;o se caminharia para qualquer a&ccedil;&atilde;o golpista que colida com os ditames constitucionais. <br /> <br /> Em s&iacute;ntese, de tudo que se pode vislumbrar dos &uacute;ltimos acontecimentos, Bolsonaro e seu governo, novamente, reagem &agrave;s diversas e fortes press&otilde;es oriundas dos atores pol&iacute;ticos, do mercado e da pr&oacute;pria sociedade que, nas avalia&ccedil;&otilde;es promovidas por pesquisas, tem desaprovado o governo e, inclusive, e isso &eacute; sens&iacute;vel ao Planalto, colocam a possibilidade de uma derrota de Bolsonaro num eventual segundo turno contra Lula, por exemplo. O governo, portanto, nem est&aacute; desmoronando e nem caminha para a ruptura institucional. At&eacute; podem existir vontades, individuais e de grupos, de suplantar a ordem democr&aacute;tica, mas vontades subjetivas devem encontrar condi&ccedil;&otilde;es objetivas para se realizarem e, neste caso, at&eacute; o momento, ao que tudo indica, as For&ccedil;as Armadas n&atilde;o embarcam em desejos radicais e a sociedade brasileira em sua diversidade parece ter acumulado musculatura democr&aacute;tica e capacidade de resist&ecirc;ncia institucional. E Bolsonaro, por sua vez, se fizer pol&iacute;tica e exercer a lideran&ccedil;a presidencial tem espa&ccedil;o para mudan&ccedil;as positivas para seu governo e para a sociedade brasileira. O ponto fulcral &eacute;: o que o presidente deseja? <br /> <br /> Por <i><b>Rodrigo Augusto Prando</b></i> &eacute; professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ci&ecirc;ncias Sociais e Aplicadas. Graduado em Ci&ecirc;ncias Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara.