A guerra das CPIs e o governo Bolsonaro

14 de abril de 2021 às 15:43

Rodrigo Augusto Prando
Foi determinada a cria&ccedil;&atilde;o da Comiss&atilde;o Parlamentar de Inqu&eacute;rito (CPI) por decis&atilde;o monocr&aacute;tica do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Lu&iacute;s Roberto Barroso. Os incautos ou mesmo os mal-intencionados, num primeiro momento, entenderam a a&ccedil;&atilde;o de Barroso como uma inger&ecirc;ncia do Poder Judici&aacute;rio (STF) em rela&ccedil;&atilde;o ao Poder Legislativo (Senado) para se atingir o Poder Executivo (Presidencia da Rep&uacute;blica). <br /> <br /> Contudo, distante das paix&otilde;es que obnubilam a vis&atilde;o, cabe destacar que Barroso agiu a partir de uma provoca&ccedil;&atilde;o ao Judici&aacute;rio, ou seja, a decis&atilde;o teve origem em mandado de seguran&ccedil;a de dois Senadores: Alessandro Vieira e Jorge Kajuru, ambos do Cidadania. Segundo entendimento de Barroso, a CPI deveria ser instaurada por Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, porque cumpria os requisitos legais: n&uacute;mero m&iacute;nimo de assinaturas (1/3 dos senadores), indica&ccedil;&atilde;o de fato determinado a ser apurado e defini&ccedil;&atilde;o de prazo certo para sua dura&ccedil;&atilde;o. Em jurisprud&ecirc;ncia do pr&oacute;prio STF, outras CPIs j&aacute; haviam sido determinadas por decis&atilde;o da Corte, inclusive, numa delas, o ent&atilde;o Deputado Jair Bolsonaro foi favor&aacute;vel &agrave; decis&atilde;o do STF. Assim, o escopo da CPI no Senado &eacute; o de &quot;apurar as a&ccedil;&otilde;es e omiss&otilde;es do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanit&aacute;ria no Amazonas com a aus&ecirc;ncia de oxig&ecirc;nio para os pacientes internados&quot;. Aqui, portanto, tem a g&ecirc;nese da guerra das CPIs que, em voga, repercute nos meios pol&iacute;ticos e jur&iacute;dicos. Sabendo de tudo o que fizeram e do que deixaram de fazer, Bolsonaro, bem como o ex-Ministro da Sa&uacute;de, Eduardo Pazuello, n&atilde;o desejam, em nada, uma comiss&atilde;o constitu&iacute;da de parlamentares que os investiguem. At&eacute; porque as falas de Bolsonaro e Pazuello e suas a&ccedil;&otilde;es foram amplamente registradas em lives, entrevistas e postagens nas redes sociais.<br /> &nbsp;<br /> A rea&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica do governo veio, num primeiro momento, na inten&ccedil;&atilde;o de convencer uma parte dos senadores a retirarem suas assinaturas. Pelo visto, at&eacute; aqui, tal estrat&eacute;gia n&atilde;o surtiu efeito. No &uacute;ltimo final de semana (10 e 11 de abril), o presidente Bolsonaro foi gravado numa conversa que teve com o senador Jorge Kajuru, o mesmo que levou ao STF o mandado de seguran&ccedil;a para a cria&ccedil;&atilde;o da CPI. No referido di&aacute;logo, o presidente pressiona o senador para que entre com pedidos de impeachment contra Ministros do STF e, com isso, tinha (ou tem) a cren&ccedil;a de que a Corte arrefeceria em rela&ccedil;&atilde;o &agrave; confirma&ccedil;&atilde;o, pelo pleno, da decis&atilde;o monocr&aacute;tica de Barroso. Bolsonaro at&eacute; sugere fazer do lim&atilde;o uma limonada. Como em pol&iacute;tica o susto e at&eacute; a sinceridade, quase sempre, s&atilde;o combinados, n&atilde;o se sabe, ao certo, qual a inten&ccedil;&atilde;o de Kajuru ao divulgar o teor da conversa com Bolsonaro. O que se pode, certamente, constatar &eacute; que o Chefe do Executivo, Bolsonaro, sugere conduta a um senador (Legislativo) objetivando atacar o Judici&aacute;rio (ministros do STF). &Eacute; pouco? Para juristas, Bolsonaro pode ter incorrido em crime de responsabilidade. <br /> <br /> J&aacute;, na segunda-feira, 12 de abril, outras estrat&eacute;gias s&atilde;o postas &agrave; mesa para tentar diluir a CPI e tirar Bolsonaro de seu foco. Uma delas consiste em ampliar a CPI determinada por Barroso para incluir, na investiga&ccedil;&atilde;o, supostos desvios de recursos federais por parte de governadores e prefeitos. Essa &eacute; uma fala recorrente de Bolsonaro e dos bolsonaristas: a situa&ccedil;&atilde;o pand&ecirc;mica est&aacute; neste n&iacute;vel de desgra&ccedil;a por conta da corrup&ccedil;&atilde;o de prefeitos e governadores e n&atilde;o por conta da gest&atilde;o do Governo Federal. A segunda estrat&eacute;gia consiste na cria&ccedil;&atilde;o de uma nova CPI ampla j&aacute; na origem, investigando estados e munic&iacute;pios, bem como o Governo Federal, levada a cabo pelo governista, Senador Eduardo Gir&atilde;o (Podemos), contando com 34 assinaturas. &Eacute; certo que quaisquer atos de corrup&ccedil;&atilde;o - de desvio de recursos p&uacute;blicos - deve ser denunciado e investigado. O cidad&atilde;o, tendo conhecimento de tais fatos, pode, tamb&eacute;m, procurar a Justi&ccedil;a e, mais ainda, funcion&aacute;rio p&uacute;blico que, tendo conhecimento de corrup&ccedil;&atilde;o e n&atilde;o denunciando, cometeria prevarica&ccedil;&atilde;o. No entendimento do governo, ampliar a investiga&ccedil;&atilde;o para governos estaduais e municipais seria capaz de amainar os &iacute;mpetos dos membros da comiss&atilde;o j&aacute; que senadores possuem estreitos la&ccedil;os com esferas estaduais e municipais. <br /> <br /> Seja qual for o resultado da instala&ccedil;&atilde;o de uma ou de duas ou de v&aacute;rias CPIs, atores pol&iacute;ticos e ministros do STF asseveram que h&aacute; dificuldades para colocar em funcionamento uma comiss&atilde;o na situa&ccedil;&atilde;o de trabalho remoto por parte dos senadores. Obviamente, muitos trabalhadores est&atilde;o em home office, mas a din&acirc;mica de uma CPI, ouvindo depoimentos, por exemplo, deve ser presencial, para se evitar que os depoentes sejam auxiliados, direcionados ou constrangidos. A CPI das fake news, por exemplo, est&aacute; parada h&aacute; um ano por conta da pandemia. Por isso, paira no ar a ideia de que, mesmo sendo criada, a CPI s&oacute; seria realizada ap&oacute;s o retorno &agrave; normalidade, sendo poss&iacute;vel encontros presenciais.<br /> <br /> De uma forma bem clara, os epis&oacute;dios em tela - das CPIs - s&atilde;o, mais uma vez, retratos de uma op&ccedil;&atilde;o por parte do Governo Bolsonaro. O bolsonarismo que abocanhou o governo e as institui&ccedil;&otilde;es &eacute; &oacute;timo no quesito confrontar, mas tem sido p&eacute;ssimo no campo da gest&atilde;o e da governabilidade. As escolhas de Bolsonaro e de seu n&uacute;cleo ideol&oacute;gico duro conseguem manter os bolsonaristas, nas redes e nas ruas, em alerta, prontos para a &quot;batalha&quot;; todavia, os n&uacute;meros de doentes e mortos na pandemia, desprezo na compra de vacinas, atrasos na vacina&ccedil;&atilde;o, de uma economia combalida, do aumento dos pre&ccedil;os e da infla&ccedil;&atilde;o, do desemprego, da fome, do isolamento internacional e do governo ref&eacute;m do Centr&atilde;o, da t&atilde;o atacada &quot;velha pol&iacute;tica&quot;, &eacute; sinal de que toda op&ccedil;&atilde;o traz, em seu bojo, consequ&ecirc;ncias a curto, m&eacute;dio e longo prazo. <br /> <br /> Por <i><b>Rodrigo Augusto Prando</b></i> &eacute; professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ci&ecirc;ncias Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.