13 de maio também é dia de comemoração

13 de maio de 2021 às 17:08

Leopoldo Soares
H&aacute; 133 anos, a Princesa Isabel assinava o Decreto de Aboli&ccedil;&atilde;o, o &uacute;ltimo ato de um longo per&iacute;odo marcado pelo desgaste de um sistema contra o qual resistiram as pessoas negras, especialmente por meio do aquilombamento. Dados demogr&aacute;ficos indicam ter havido um significativo decr&eacute;scimo do n&uacute;mero de pessoas escravizadas antes mesmo da aboli&ccedil;&atilde;o. No in&iacute;cio dos anos de 1870, os escravizados representavam apenas 16% da popula&ccedil;&atilde;o do Brasil. Pouco mais de uma d&eacute;cada depois, quando da assinatura do Decreto, os escravizados eram apenas 5% da popula&ccedil;&atilde;o brasileira. <br /> <br /> Sem negar a import&acirc;ncia das a&ccedil;&otilde;es abolicionistas de uma elite social esclarecida, &eacute; preciso se contar um outro lado dessa hist&oacute;ria, para que tamb&eacute;m possamos comemor&aacute;-la. N&atilde;o tenho d&uacute;vidas de que a resist&ecirc;ncia negra desgastou substancialmente o regime de escraviza&ccedil;&atilde;o, tornando economicamente invi&aacute;vel o elevado investimento que se fazia na aquisi&ccedil;&atilde;o da pessoa negra, com a expectativa de que produzisse retorno por um longo per&iacute;odo de tempo. As fugas seguidas da forma&ccedil;&atilde;o de quilombos, os suic&iacute;dios e a acentuada queda de produtividade (que nos custou a equivocada fama do negro pregui&ccedil;oso) levaram a elite agr&aacute;ria escravagista &agrave; conclus&atilde;o de que o pagamento parcelado da m&atilde;o-de-obra assalariada tornara anacr&ocirc;nica a escravid&atilde;o. <br /> <br /> Nesse contexto, em que n&atilde;o havia razo&aacute;vel dissenso acerca da necessidade de se adotar um novo modelo de produ&ccedil;&atilde;o, &eacute; que um c&eacute;lere processo legislativo resultou na singela lei de aboli&ccedil;&atilde;o, composta por dois &uacute;nicos artigos (declarando extinto o regime de escravid&atilde;o e revogando genericamente as disposi&ccedil;&otilde;es legais em contr&aacute;rio). A chamada Lei &Aacute;urea formalizou juridicamente o que j&aacute; era um fato social e, principalmente, substituiu a viol&ecirc;ncia coativa da for&ccedil;a pela domina&ccedil;&atilde;o econ&ocirc;mica de uma classe de pessoas que, repentinamente, passaram a compor a grande massa de trabalhadores a disputar as vagas de emprego, num cruel leil&atilde;o que jogava para baixo o valor da contrapresta&ccedil;&atilde;o salarial. <br /> <br /> &Eacute; a partir dessa breve reflex&atilde;o que entendo a necessidade de comemorarmos o anivers&aacute;rio da aboli&ccedil;&atilde;o do regime de escraviza&ccedil;&atilde;o de pessoas, ou seja, a oportunidade de resgatarmos a mem&oacute;ria do que representou aquele dia da aboli&ccedil;&atilde;o, n&atilde;o apenas &agrave;s pessoas negras, mas &agrave; forma&ccedil;&atilde;o cultural do Brasil. A resist&ecirc;ncia ao escravismo colonial est&aacute; acertadamente associada ao anivers&aacute;rio da morte de Zumbi dos Palmares, em um dia 20 de novembro, o que n&atilde;o &eacute; motivo para que esque&ccedil;amos o 13 de maio. Isso porque as pessoas negras, ainda mobilizadas na busca de sua emancipa&ccedil;&atilde;o individual e social, atuam n&atilde;o apenas no campo social das a&ccedil;&otilde;es, mas tamb&eacute;m transforam o sistema jur&iacute;dico brasileiro, como o fizeram em 1888 e depois, na Assembleia Constituinte em 1987/88 ou na promulga&ccedil;&atilde;o do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010. <br /> <br /> Por &oacute;bvio, &eacute; preciso continuar com a ressignifica&ccedil;&atilde;o do decreto de aboli&ccedil;&atilde;o, assim como &eacute; necess&aacute;rio lutar pelas titula&ccedil;&otilde;es dos territ&oacute;rios quilombolas, pelo ensino efetivo da hist&oacute;ria da &Aacute;frica nos componentes curriculares, pela supera&ccedil;&atilde;o do paradigma social que mata pessoas negras perif&eacute;ricas de forma sistem&aacute;tica, etc. &Eacute; por isso que todos os s&iacute;mbolos dessa luta devem ser celebrados, mesmo que estejamos com os olhos mais voltados para o futuro, porque para frente &eacute; que se anda! <br /> <br /> Por<b><i> Leopoldo Soares</i></b> &eacute; coordenador do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.<br />