O encontro de FHC e Lula: o que se pode esperar?

21 de maio de 2021 às 22:20

Rodrigo Augusto Prando
Enorme a repercuss&atilde;o, nesta sexta-feira (21/05/21), do encontro de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula por interm&eacute;dio do ex-ministro Nelson Jobim. Segundo divulgado, no almo&ccedil;o foram discutidos temas afeitos ao Brasil, &agrave; democracia e &agrave; atua&ccedil;&atilde;o do Governo Bolsonaro frente &agrave; pandemia. <br /> <br /> S&oacute; os ne&oacute;fitos se espantam com essa aproxima&ccedil;&atilde;o, pessoal e pol&iacute;tica. Ambos - FHC e Lula - estiveram juntos em diversas ocasi&otilde;es nas lutas pela reconquista da democracia e Lula apoiou a campanha de FHC para o Senado, em 1978. Ambos, contudo, distanciaram-se politicamente por conta de seus projetos pessoais e partid&aacute;rios, Lula como dirigente m&aacute;ximo do PT e FHC como fundador do PSDB. Numa das &uacute;ltimas declara&ccedil;&otilde;es, FHC afirmou que, num eventual segundo turno contra Bolsonaro, votaria em Lula e isso n&atilde;o seria a primeira vez. &Eacute; poss&iacute;vel supor que tenha votado em Lula no segundo turno, em 1989, quando este concorreu com Collor. Com o impeachment instaurado e a ren&uacute;ncia de Collor, FHC ganhou evid&ecirc;ncia no Governo Itamar e, por isso, acabou, como Ministro da Fazenda, protagonizando a confec&ccedil;&atilde;o do Plano Real. FHC ganhou de Lula em 1994 e em 1998, ambas vit&oacute;rias no primeiro turno. Lula, depois, ganhou, no segundo turno, dos tucanos, contra Jos&eacute; Serra e Geraldo Alckmin, em 2002 e 2006, respectivamente. E Lula, ainda, fez a sucessora, Dilma, em 2010 e 2014. <br /> <br /> N&atilde;o h&aacute;, creio, processo de transmiss&atilde;o do poder mais democr&aacute;tico e com valores republicanos do que a passagem de FHC para Lula, em 2002. Por aposta pol&iacute;tica - e como uma das primeiras narrativas da f&aacute;brica lulopetista - construiu-se o termo &quot;<i><b>heran&ccedil;a maldita</b></i>&quot; para caracterizar a Era FHC. O termo pegou a ponto de at&eacute; mesmo os tucanos, em 2002 e 2006, esconderem FHC em suas campanhas. FHC ficou, por certo, com m&aacute;goas pela caracteriza&ccedil;&atilde;o de seu governo como tendo legado uma heran&ccedil;a maldita, mas entendia que era parte do jogo e, a cada pancada, devolvia com ironias e estocadas na dire&ccedil;&atilde;o dos petistas. E, quem diria, os petistas tiveram que se defrontar com a heran&ccedil;a de Dilma, que, se n&atilde;o foi maldita, passa muito longe de ser bendita para o Brasil. <br /> <br /> As redes sociais e parte dos jornalistas est&atilde;o em polvorosa com o encontro dos dois maiores l&iacute;deres pol&iacute;ticos da Nova Rep&uacute;blica. H&aacute; muita paix&atilde;o e pouca raz&atilde;o em boa parte das rea&ccedil;&otilde;es. Muitos se perguntam: como FHC est&aacute; ao lado de Lula que, at&eacute; pouco tempo, estava preso? E, na esquerda, como Lula est&aacute; ao lado daquele &quot;<i><b>neoliberal</b></i>&quot;, da &quot;<i><b>privataria tucana&quot;</b></i>? A resposta &eacute; simples: a quest&atilde;o &eacute; pol&iacute;tica, simplesmente pol&iacute;tica. <br /> <br /> Parte substancial dos atores pol&iacute;ticos, mormente dos democratas, entendem que um mandato a mais de Bolsonaro poder&aacute;, efetivamente, colocar nossa democracia e institui&ccedil;&otilde;es republicanas em risco de uma anomia e desintegra&ccedil;&atilde;o. Assim, a fala de FHC ganha sentido: votaria em Lula por entender que o advers&aacute;rio a ser vencido &eacute; Bolsonaro. Todavia, FHC ressaltou que votaria em Lula caso o seu partido, o PSDB, n&atilde;o consiga acessar o segundo turno de 2022. Obviamente, que o encontro e as declara&ccedil;&otilde;es de FHC incomodaram o ninho tucano e isso n&atilde;o &eacute; novidade, tamb&eacute;m. FHC n&atilde;o est&aacute; ativamente na vida partid&aacute;ria. &Eacute; um dos intelectuais mais respeitados no mundo e, por isso, aos quase 90 anos, usa o farol alto e n&atilde;o desejos pessoais ou partid&aacute;rios. Alguns j&aacute; asseveram que este encontro reordenar&aacute; as for&ccedil;as bolsonaristas e que, por isso, PT e PSDB s&atilde;o iguais, farinhas do mesmo saco. A quest&atilde;o &eacute; que os bolsonaristas j&aacute; dividiram a pol&iacute;tica em &quot;<i><b>nova</b></i>&quot; e &quot;<i><b>velha</b></i>&quot;, ali&aacute;s, como o lulopetismo j&aacute; havia dividido entre &quot;<i><b>n&oacute;s</b></i>&quot; e &quot;<i><b>eles</b></i>&quot;. Para o bolsonarismo o Centr&atilde;o, na campanha, era a &quot;<i><b>velha pol&iacute;tica</b></i>&quot;; mas, agora, na base do governo, &eacute; um conjunto impoluto de homens p&uacute;blicos que querem o bem do Brasil. O interessante &eacute; que Bolsonaro n&atilde;o consegue esconder o inc&ocirc;modo e acusa o golpe, afirmando, sobre o encontro: &quot;<b><i>um ladr&atilde;o e um vagabundo</i></b>&quot;. Bolsonaro e os seus j&aacute; se deram conta que o projeto de poder est&aacute; em risco e partir&atilde;o para todo o tipo de ataque, sem d&oacute;, nem piedade. <br /> <br /> A elei&ccedil;&atilde;o de 2022 ainda est&aacute; distante para o tempo da pol&iacute;tica, contudo, os movimentos j&aacute; s&atilde;o evidentes e, no caso de Bolsonaro num segundo turno, talvez tenhamos conjuga&ccedil;&atilde;o da maior for&ccedil;a de oposi&ccedil;&atilde;o, desde o Regime Militar, contra o projeto de poder bolsonarista. Pol&iacute;tica &eacute; di&aacute;logo, &eacute; a for&ccedil;a do argumento contra o argumento da for&ccedil;a. <br /> <br /> Por <i><b>Rodrigo Augusto Prando</b></i> &eacute; professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ci&ecirc;ncias Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp. <br />