O horror da fome e a indiferença dos homens

12 de junho de 2021 às 13:17

Rogério Baptistini Mend
Fome &eacute; mais do que uma sensa&ccedil;&atilde;o. &Eacute; uma desgra&ccedil;a que aflige os humanos que n&atilde;o tem o que comer, ingerem alimentos insuficientes para suprir as necessidades da vida. O resultado dela se mede socialmente e apenas os insens&iacute;veis n&atilde;o se indignam pelo fato de viver entre fam&eacute;licos. Quando estes governam a sociedade, &eacute; mau sinal. <br /> <br /> Na literatura, a fome foi retratada pelo escritor noruegu&ecirc;s Knut Hamsun, em livro publicado no ano de 1890: Fome. Na obra do autor, agraciado com o pr&ecirc;mio Nobel em 1920, um jovem escritor em condi&ccedil;&otilde;es de miserabilidade na Europa da segunda revolu&ccedil;&atilde;o industrial, munido de um toco de l&aacute;pis, escreve cr&ocirc;nicas para jornais para sobreviver nas ruas, sem teto e desnutrido. Vidas Secas, do alagoano Graciliano Ramos, publicado em 1938, retrata a fome e a mis&eacute;ria no contexto do sert&atilde;o nordestino, mostrando uma fam&iacute;lia pobre em retiro for&ccedil;ado pela seca e suas consequ&ecirc;ncias.<br /> &nbsp;<br /> A fome &eacute; um problema t&atilde;o grave que &eacute; tratada desde a metade do s&eacute;culo passado pela Organiza&ccedil;&atilde;o das Na&ccedil;&otilde;es Unidas, que criou em sua primeira sess&atilde;o, no ano de 1945, a Organiza&ccedil;&atilde;o para a Alimenta&ccedil;&atilde;o e Agricultura (FAO, na sigla em ingl&ecirc;s). Esta publica o Indicador de Seguran&ccedil;a Alimentar, no qual o Brasil, somente neste s&eacute;culo XXI, durante um curto per&iacute;odo entre 2013 e 2017, deixou de figurar entre os pa&iacute;ses com mais de 5 % da popula&ccedil;&atilde;o padecendo de inseguran&ccedil;a alimentar grave, a fome. O que causa desconforto &eacute; que, entre os anos de 1930 at&eacute; 1980 assombramos o mundo, construindo por sobre a heran&ccedil;a colonial e escravocrata uma sociedade moderna, urbana e industrial; por&eacute;m, excludente e desigual. Um capitalismo de vendedores, sob um arremedo de democracia pol&iacute;tica. <br /> <br /> Na d&eacute;cada de 1950, a FAO foi presidida pelo brasileiro Josu&eacute; de Castro. Este, apesar de formado em medicina, se destacou por pesquisas sobre a fome e suas consequ&ecirc;ncias. Com um dos seus livros, Geografia da fome, lan&ccedil;ado em 1946, ajudou a combater preconceitos malthusianos que opunham quantidade de pessoas a oferta de recursos. Mostrou que interesses pol&iacute;ticos e concentra&ccedil;&atilde;o de riquezas s&atilde;o as verdadeiras causas do flagelo alimentar que condena indiv&iacute;duos e sociedades. Foi sua a ideia da cria&ccedil;&atilde;o de uma reserva internacional contra a fome. Seus direitos pol&iacute;ticos foram cassados pelo Ato Institucional n&ordm; 1, editado pela junta militar que assumiu o governo brasileiro em 1964, mas n&atilde;o foi capaz de vencer a mis&eacute;ria que condenava o pr&oacute;prio povo.<br /> &nbsp;<br /> Hoje, com a pandemia da covid-19, o cen&aacute;rio da fome &eacute; desalentador. O relat&oacute;rio Estado da seguran&ccedil;a alimentar e nutri&ccedil;&atilde;o no mundo (SOFI, na sigla em ingl&ecirc;s), informa que na Am&eacute;rica Latina e Caribe s&atilde;o 47,7 milh&otilde;es de pessoas atingidas pela fome. At&eacute; 2030, na Am&eacute;rica do Sul, a estimativa &eacute; que a fome atinja cerca de 36 milh&otilde;es de pessoas. No Brasil, de acordo com pesquisa do n&uacute;cleo Food for Justice, do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Freie Universit&auml;t Berlin (IELA-FUB), da Alemanha, a inseguran&ccedil;a alimentar atinge cerca 59,4% dos domic&iacute;lios brasileiros, sendo que em 15% deles ela &eacute; grave, ou seja, conforme a classifica&ccedil;&atilde;o do IBGE: h&aacute; uma ruptura nos padr&otilde;es de alimenta&ccedil;&atilde;o resultantes da falta de alimenta&ccedil;&atilde;o entre todos os moradores. H&aacute; fome. <br /> <br /> Mais do que objeto para a obra de literatos, a fome &eacute; uma calamidade que acomete as sociedades no Norte e no Sul, desenvolvidas e subdesenvolvidas. &Eacute; escandaloso que autoridades p&uacute;blicas e donos do dinheiro n&atilde;o se manifestem em seu combate. &Eacute; horr&iacute;vel que l&iacute;deres eleitos em regimes democr&aacute;ticos, em sociedades pol&iacute;ticas organizadas com a finalidade de promover o bem comum dos seus membros, n&atilde;o se dignem a enfrent&aacute;-la com vigor. <br /> <br /> Por <i><b>Rog&eacute;rio Baptistini Mendes</b></i> &eacute; professor de sociologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie. <br />