Puxadinho fiscal

02 de julho de 2021 às 11:54

Josilmar Cordenonssi Cia
A elei&ccedil;&atilde;o de Bolsonaro avalizando as propostas liberalizantes de Paulo Guedes e de um parlamento ideologicamente propenso a realizar reformas econ&ocirc;micas, trouxe muita esperan&ccedil;a de que o Brasil iria se desvencilhar das amarras que impediam um desenvolvimento econ&ocirc;mico mais acelerado. Bem ou mal, 2019 n&atilde;o decepcionou, conseguimos aprovar uma reforma da previd&ecirc;ncia melhor do que muitos especialistas esperavam. Entretanto, pela primeira vez, esse processo n&atilde;o teve uma lideran&ccedil;a clara do poder executivo conduzindo as discuss&otilde;es, mas sim do parlamento, especialmente a C&acirc;mara dos Deputados, por obra do ent&atilde;o presidente Rodrigo Maia. <br /> <br /> Depois da aprova&ccedil;&atilde;o da reforma da previd&ecirc;ncia, tanto a C&acirc;mara como o Senado tinham projetos de reforma tribut&aacute;ria com discuss&otilde;es bastante avan&ccedil;adas. Esses projetos focavam na simplifica&ccedil;&atilde;o dos impostos indiretos nos tr&ecirc;s n&iacute;veis de governo: federal, estadual e municipal. O fato de que cada ente da federa&ccedil;&atilde;o pode legislar e cobrar diferentes al&iacute;quotas de impostos &eacute; o principal ponto negativo do nosso sistema tribut&aacute;rio, pois torna o com&eacute;rcio interno muito complexo, com um custo de transa&ccedil;&atilde;o muito elevado. A ideia principal era a cria&ccedil;&atilde;o de um imposto de valor agregado que reunisse o ISS (Imposto Sobre Servi&ccedil;os, municipal), o ICMS (Imposto sobre Circula&ccedil;&atilde;o de Mercadorias e Servi&ccedil;os, estadual), IPI (Imposto sobre Produtos Industriais, federal) e mais as contribui&ccedil;&otilde;es federais PIS e COFINS. <br /> <br /> Enquanto isso, do Minist&eacute;rio da Economia saia algumas ideias estranhas, mal formuladas como a (re)cria&ccedil;&atilde;o de uma nova CPMF (mais conhecida como imposto do cheque) para poder diminuir os encargos sobre a folha de pagamento. De t&atilde;o impopular, foi abatida pelo pr&oacute;prio presidente Bolsonaro, provocando a demiss&atilde;o do seu mais aguerrido defensor, Prof. Marcos Cintra. <br /> <br /> O Minist&eacute;rio da Economia tamb&eacute;m aventava a possibilidade da jun&ccedil;&atilde;o do PIS e COFINS apenas, focando somente nessas contribui&ccedil;&otilde;es federais, o que era muito t&iacute;mido em rela&ccedil;&atilde;o ao relat&oacute;rio final do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) entregue em 12 de maio de 2021 na Comiss&atilde;o Mista da Reforma Tribut&aacute;ria, em que os projetos da C&acirc;mara e Senado foram consolidados em um s&oacute;. Os novos presidentes da C&acirc;mara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, n&atilde;o deram prosseguimento a esse relat&oacute;rio da comiss&atilde;o. <br /> <br /> O Minist&eacute;rio da Economia, sem participar dos debates do parlamento, lan&ccedil;a uma proposta de reforma tribut&aacute;ria &quot;de segunda fase&quot;, quando n&atilde;o se discutiu a primeira, em uma sexta-feira, 25 de julho, em que a CPI da Covid aumentou e muito o grau de desconforto do governo com o depoimento dos irm&atilde;os Miranda, a respeito do contrato pra l&aacute; de esquisito da vacina indiana Covaxin. <br /> <br /> Feito esse pre&acirc;mbulo pol&iacute;tico, vamos ao conte&uacute;do econ&ocirc;mico da dita &quot;reforma&quot;, que n&atilde;o passa de um &quot;puxadinho&quot;, pois n&atilde;o diminui o n&uacute;mero de impostos, s&oacute; mexe com o Imposto de Renda para as pessoas f&iacute;sicas, jur&iacute;dicas e de aplica&ccedil;&atilde;o financeira, sem uma l&oacute;gica clara. De qualquer forma ter&aacute; impacto em nossas vidas, portanto, &eacute; importante identificar os seus efeitos.<br /> <br /> Na pessoa f&iacute;sica, o projeto prev&ecirc; a corre&ccedil;&atilde;o da tabela de isen&ccedil;&atilde;o de IR. Hoje a partir de uma renda bruta de R﹩ 1.903 mensais, a pessoa come&ccedil;a a pagar IR, com o projeto isso vai acontecer somente a partir de R﹩ 2.500. Com isso, as pessoas ir&atilde;o pagar menos imposto. Entretanto, a declara&ccedil;&atilde;o simplificada, aquela em que h&aacute; abatimento da renda de 20% sem comprova&ccedil;&atilde;o de despesas, ser&aacute; uma op&ccedil;&atilde;o somente de pessoas que tenham uma renda bruta anual de R﹩ 40.000, ou uma renda mensal m&eacute;dia de apenas R﹩ 3.333. Assim, em geral, o imposto a ser pago vai diminuir, por&eacute;m para quem ganha acima de R﹩ 40 mil e costuma fazer a declara&ccedil;&atilde;o simplificada pode ter que pagar mais porque vai ser obrigado a fazer a declara&ccedil;&atilde;o completa. <br /> <br /> Com rela&ccedil;&atilde;o ao Imposto de Renda da Pessoa Jur&iacute;dica (IRPJ), se prev&ecirc; uma redu&ccedil;&atilde;o da al&iacute;quota de 15%, para 12,5% em 2022 e de 10% de 2023 em diante. Mas continua com a mesma sistem&aacute;tica de acr&eacute;scimos de 10% para lucros que excedam R﹩ 20 mil por m&ecirc;s. N&atilde;o mexe com a Contribui&ccedil;&atilde;o Social sobre Lucro L&iacute;quido (CSLL), continuando com a al&iacute;quota de 9% para a maioria das empresas. Acaba com a dedu&ccedil;&atilde;o de Juros sobre Capital Pr&oacute;prio (JCP), se igualando ao dividendo. Por outro lado, os rendimentos dos dividendos agora ser&atilde;o tributados em 20% na fonte. O Brasil era um dos poucos pa&iacute;ses que isentava os dividendos, agora falta retirar a anacr&ocirc;nica obrigatoriedade do pagamento de dividendos. <br /> <br /> Nas aplica&ccedil;&otilde;es financeiras, a principal mudan&ccedil;a recai na renda fixa onde se acaba com a tributa&ccedil;&atilde;o de acordo com o tempo de aplica&ccedil;&atilde;o. Com isso toda aplica&ccedil;&atilde;o ter&aacute; uma al&iacute;quota de 15%, quando hoje tem que se esperar 2 anos para se chegar a esse patamar. Para os poupadores de longo prazo n&atilde;o muda, mas para quem faz aplica&ccedil;&atilde;o em curto prazo (abaixo de 6 meses) a al&iacute;quota cai de 22,50% para 15%, o que &eacute; muito relevante. Os fundos imobili&aacute;rios perdem a isen&ccedil;&atilde;o de IR, mas outras aplica&ccedil;&otilde;es como CRI, CRA, LCI e LCA continuam isentas.... n&atilde;o me perguntem a l&oacute;gica disso. <br /> <br /> Para quem tinha esperan&ccedil;a de que ao longo desse governo ter&iacute;amos um avan&ccedil;o nas reformas econ&ocirc;micas, especialmente na tribut&aacute;ria, a proposta do Minist&eacute;rio da Economia n&atilde;o passa de um &quot;puxadinho&quot;. <br /> <br /> Por <i><b>Josilmar Cordenonssi Cia</b></i> &eacute; graduado em Economia, mestre e doutor em Administra&ccedil;&atilde;o de Empresas. &Eacute; professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. <br />