Opiniões voláteis, fake news e os reflexos juridicos

10 de julho de 2021 às 18:43

Benedita de Fátima Delb
As opini&otilde;es vol&aacute;teis s&atilde;o de import&acirc;ncia &iacute;mpar aos direitos humanos, em especial, ao direito da personalidade e &eacute; uma quest&atilde;o social de relev&acirc;ncia, pois, conforme Farias* (2019), transformam-se rapidamente no ecossistema social. Farias* (2019) contribui, ainda, dizendo que em tempos considerados l&iacute;quidos, a capacidade de informa&ccedil;&atilde;o que passa por super&aacute;vit, pode ser uma grande armadilha aos que recebem fake news, aos que se tornam fake readers e aos que se especializam como fake writers. <br /> <br /> As opini&otilde;es vol&aacute;teis levam a constru&ccedil;&atilde;o e forma&ccedil;&atilde;o da opini&atilde;o p&uacute;blica, que conceitualmente &eacute; pol&ecirc;mica e se transforma de acordo com muitos fatores que est&atilde;o em permanente disputa de sentidos. Assim sendo, podemos entender que as opini&otilde;es vol&aacute;teis s&atilde;o as opini&otilde;es decorrentes da inconst&acirc;ncia, da instabilidade. S&atilde;o opini&otilde;es vol&uacute;veis, l&iacute;quidas, sem respaldo, que numa sociedade permeada pelo excesso de informa&ccedil;&atilde;o, transformam-se com muita rapidez em opini&atilde;o p&uacute;blica. <br /> <br /> Por estar sem lastro, d&atilde;o ensejo &agrave;s fakes news promovendo crise na comunica&ccedil;&atilde;o, de modo que as pessoas n&atilde;o saibam mais no que acreditar ou, se acreditam, s&atilde;o levadas ao engano. Essa pr&aacute;tica enganosa sempre existiu. Como &eacute; o caso da publicidade falsa designada como astroturfing, a qual &eacute; decorrente de uma mensagem com o intuito de fazer parecer que tem origem e apoio nos movimentos sociais espont&acirc;neos. Tal atividade &eacute; capaz de alterar os sentidos. Essa conduta interfere no pensamento p&uacute;blico gerando d&uacute;vida o suficiente para inibir ou promover a&ccedil;&otilde;es de interesse daquele que simula a situa&ccedil;&atilde;o. <br /> <br /> As fake news se aproximam muito das astroturfing, por&eacute;m, estas s&atilde;o marcadas pela narrativa factual que pode decorrer de um simples boato at&eacute; a dissemina&ccedil;&atilde;o do &oacute;dio, sempre permeada pelo interesse escuso de que se aproveita aquele que a desfere. Qualquer pessoa pode ser prejudicada pelas fake news. Uma pessoa comum pode ter a sua reputa&ccedil;&atilde;o comprometida e uma empresa pode sofrer danos a sua imagem. O fato &eacute; que essas inverdades levam a tomada de decis&otilde;es que prejudicam as pessoas de boa-f&eacute; se revelando, portanto, em desacordo com o nosso sistema jur&iacute;dico. <br /> <br /> O sistema de Direito Civil brasileiro, em conson&acirc;ncia com os tratados internacionais de Direitos Humanos subscritos pelo Brasil, protege os direitos da personalidade. Desse modo, a difus&atilde;o das denominadas fake news ou a pr&aacute;tica do astroturfing podem acarretar danos morais indeniz&aacute;veis sempre que causarem viola&ccedil;&atilde;o &agrave; honra, nome ou imagem de uma pessoa (art. 5&ordm;, X, CF). Embora a liberdade de express&atilde;o seja garantida constitucionalmente n&atilde;o apenas em nosso pa&iacute;s, mas nos pa&iacute;ses democr&aacute;ticos de maneira geral, n&atilde;o se pode admitir que, com fundamento em tal direito, se promova a difus&atilde;o de discursos de &oacute;dio, inj&uacute;ria, difama&ccedil;&atilde;o ou desinforma&ccedil;&atilde;o. <br /> <br /> Os direitos constitucionais devem conviver de forma equilibrada, n&atilde;o se podendo admitir viola&ccedil;&otilde;es a direitos da personalidade com fundamento em liberdade de express&atilde;o, pois o titular tem o dever de exercer seu direito de acordo com a boa-f&eacute;, o fim social da norma e os bons costumes (art. 187, CC), sob pena de incorrer em exerc&iacute;cio abusivo de posi&ccedil;&atilde;o jur&iacute;dica. Os Tribunais em situa&ccedil;&otilde;es jur&iacute;dicas, como as por ora em an&aacute;lise, ordenam provid&ecirc;ncias como a exclus&atilde;o da not&iacute;cia indevida ou conte&uacute;do da internet, bem como a publica&ccedil;&atilde;o da senten&ccedil;a judicial ou de retrata&ccedil;&atilde;o feita pelo ofensor. <br /> <br /> O Marco Civil da Internet, em seu artigo 19, determina que os provedores de conte&uacute;do devem promover a remo&ccedil;&atilde;o do conte&uacute;do indevido no prazo estabelecido pelo juiz t&atilde;o logo sejam intimados para faz&ecirc;-lo e, em n&atilde;o o fazendo, poder&atilde;o tamb&eacute;m responder pelos danos suportados pela v&iacute;tima. Al&eacute;m disso, &eacute; comum que se estabele&ccedil;a indeniza&ccedil;&atilde;o como forma de compensar a v&iacute;tima pelo dano sofrido, que acarretou humilha&ccedil;&atilde;o, ang&uacute;stia ou sofrimento ps&iacute;quico. A indeniza&ccedil;&atilde;o &eacute; fixada pelo juiz em valor que lhe pare&ccedil;a adequado a t&iacute;tulo compensat&oacute;rio, pois os direitos lesados nesse caso n&atilde;o t&ecirc;m valor econ&ocirc;mico, de modo que n&atilde;o se pode estabelecer o seu valor exato ou de mercado. <br /> <br /> Em princ&iacute;pio, quem responde pela indeniza&ccedil;&atilde;o causada pelas opini&otilde;es, discursos de &oacute;dio e fake news difundidas pela internet s&atilde;o apenas os autores de tais not&iacute;cias ou postagens, pois argumenta-se que os provedores de conte&uacute;do n&atilde;o podem ser responsabilizados, j&aacute; que s&atilde;o meros intermedi&aacute;rios ou transmissores e nem poderiam impedir as publica&ccedil;&otilde;es sob pena de estarem promovendo censura pr&eacute;via. De fato, n&atilde;o cabe a eles tal controle, mas em nosso entendimento, em casos de evidente viola&ccedil;&atilde;o a direitos alheios, os provedores n&atilde;o apenas podem, como devem retirar o conte&uacute;do do ar, independentemente de ordem judicial. <br /> <br /> Em doutrina j&aacute; se reconhece a exist&ecirc;ncia de uma fun&ccedil;&atilde;o social da imagem, pois atualmente as pessoas buscam informa&ccedil;&otilde;es sobre outras na internet para os mais variados fins. &Eacute; comum que ocorram buscas dessa natureza por pessoas que se interessam afetivamente por outras antes de iniciar um namoro ou que empregadores fa&ccedil;am consultas &agrave;s redes sociais e ao Google antes de contratar algu&eacute;m. Desse modo, as viola&ccedil;&otilde;es &agrave; direitos de imagem, privacidade, intimidade e honra ocorridas por meio da difus&atilde;o de fake news ou de informa&ccedil;&otilde;es vol&aacute;teis devem ser compensadas por indeniza&ccedil;&atilde;o e suprimidas da internet com finalidade de reduzir os efeitos do dano ou impedir que ele continue a ocorrer. <br /> <br /> * FARIAS. L. Opini&otilde;es Vol&aacute;teis: Opini&atilde;o P&uacute;blica e Constru&ccedil;&atilde;o de Sentido. 1&ordf; edi&ccedil;&atilde;o. Editora Metodista. 2019 <br /> <br /> Por <i><b>Benedita de F&aacute;tima Delbono</b></i> &eacute; advogada, p&oacute;s-doutora em Comunica&ccedil;&atilde;o pela ECA-SP e professora de Direito Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas e... <br /> <br /> ...<i><b>Murilo Rezende dos Santos</b></i> &eacute; advogado, doutor em Direito pela USP e professor de Direito Civil da Universidade Mackenzie Campinas.<br />