Brasil ainda não sabe lidar com o “lixo”, após uma década de Política Nacional

21 de julho de 2021 às 11:05

Dirceu D’Alkmin Telles
Em um pa&iacute;s que demora a enfrentar debates pol&ecirc;micos, de grande impacto para a sociedade, dificilmente a busca por solu&ccedil;&otilde;es para os res&iacute;duos s&oacute;lidos, erroneamente chamado de lixo, ganha destaque e a devida aten&ccedil;&atilde;o. A gravidade do problema j&aacute; &eacute; reconhecida, sendo inclusive objeto central da Pol&iacute;tica Nacional de Res&iacute;duos S&oacute;lidos (PNRS), implementada em 2010, a fim de fortalecer a gest&atilde;o integrada desse tipo de material e reduzir seus impactos na sa&uacute;de p&uacute;blica e no meio ambiente. Um avan&ccedil;o, por&eacute;m, muito aqu&eacute;m do necess&aacute;rio.<br /> <br /> Seus resultados ainda est&atilde;o longe do m&iacute;nimo ideal para qualquer na&ccedil;&atilde;o que tenha o bem-estar da popula&ccedil;&atilde;o como primordial para o seu desenvolvimento.&nbsp; Em aproximadamente uma d&eacute;cada, o Brasil passou de 66,7 milh&otilde;es de toneladas de res&iacute;duos s&oacute;lidos gerados por ano, em 2010, para 79,1 milh&otilde;es em 2019, segundo a Associa&ccedil;&atilde;o Brasileira das Empresas de Limpeza P&uacute;blica e Res&iacute;duos Especiais (Abrelpe). O crescimento, desde a implanta&ccedil;&atilde;o da PNRS, foi de mais de 12 milh&otilde;es.<br /> <br /> Al&eacute;m disso, o pa&iacute;s &eacute;, hoje, o quarto maior produtor mundial de pl&aacute;stico, sendo respons&aacute;vel, anualmente, por cerca de 12 milh&otilde;es de toneladas. Desse total, 40%, ou seja 4,8 milh&otilde;es de toneladas anuais, s&atilde;o descarregados nos &ldquo;lix&otilde;es&rdquo;, instalados principalmente em grandes centros urbanos. Esses ambientes causam s&eacute;rios problemas &agrave; sa&uacute;de p&uacute;blica e &agrave;s esferas social e urbana, pois o lixo acumulado a c&eacute;u aberto atrai transmissores de doen&ccedil;as e contamina o subsolo e aqu&iacute;feros subterr&acirc;neos.<br /> <br /> Ao mesmo tempo, catadores que trabalham em condi&ccedil;&otilde;es degradantes e insalubres retiram dos lix&otilde;es seu sustento, com a venda de materiais recicl&aacute;veis encontrados. Pior ainda, fam&iacute;lias inteiras moram no interior dos lix&otilde;es.<br /> <br /> A discuss&atilde;o sobre res&iacute;duos &eacute; peculiar, uma vez que o tema costuma gerar um consenso de que as pessoas t&ecirc;m tanta responsabilidade no problema quanto o poder p&uacute;blico e o privado. Mas se a conscientiza&ccedil;&atilde;o plena da sociedade j&aacute; &eacute; dif&iacute;cil por si s&oacute;, a atua&ccedil;&atilde;o dos governos brasileiros em eventos importantes refor&ccedil;ou a ideia de que o lixo &eacute; &ldquo;s&oacute; lixo&rdquo;.<br /> <br /> Em 2018, o Brasil foi um dos tr&ecirc;s pa&iacute;ses que n&atilde;o aderiram a um acordo pelo combate &agrave; polui&ccedil;&atilde;o pl&aacute;stica proposto pela Organiza&ccedil;&atilde;o das Na&ccedil;&otilde;es Unidas (ONU), durante a 14&ordf; Confer&ecirc;ncia das Partes. Na ocasi&atilde;o, representantes de 187 pa&iacute;ses integrantes da Conven&ccedil;&atilde;o sobre Diversidade Biol&oacute;gica (CDB) assinaram o acordo. Al&eacute;m do governo brasileiro, a proposta n&atilde;o foi aceita pelos Estados Unidos e a Argentina.<br /> <br /> A pergunta que fica &eacute;: quantas a&ccedil;&otilde;es voltadas &agrave; reciclagem e destina&ccedil;&atilde;o adequadas de lixos pl&aacute;sticos deixaram de ser executadas em virtude desse descaso?<br /> <br /> E n&atilde;o se trata de produzir menos pl&aacute;stico s&oacute; para preservar a vida marinha &ndash; o que j&aacute; seria louv&aacute;vel do ponto de vista &eacute;tico &ndash;, como alguns negacionistas da polui&ccedil;&atilde;o tentam reduzir a causa. &Eacute; justamente quando colocamos a quest&atilde;o humana no centro do debate que enxergamos a gest&atilde;o respons&aacute;vel dos res&iacute;duos s&oacute;lidos como necess&aacute;ria e ben&eacute;fica.<br /> <br /> Um dos poucos legados positivos da Pol&iacute;tica Nacional de Res&iacute;duos S&oacute;lidos, at&eacute; o momento, &eacute; o reconhecimento dos catadores de material recicl&aacute;vel como fundamentais para a sa&uacute;de e o bem-estar de uma cidade e do meio ambiente. Segundo o estudo &ldquo;Os desafios da Reciclagem e da Log&iacute;stica reversa de embalagens&rdquo;, feito pela Funda&ccedil;&atilde;o Get&uacute;lio Vargas, em 2018, a lei deu for&ccedil;a &agrave;s cooperativas e associa&ccedil;&otilde;es de catadores, resultando em mais investimentos, capacita&ccedil;&atilde;o e estrutura&ccedil;&atilde;o dos espa&ccedil;os destinados a esses trabalhadores.<br /> <br /> N&atilde;o &eacute; dif&iacute;cil para um leigo compreender que, apenas com esse exemplo, um m&iacute;nimo de melhoria pode incentivar os trabalhos voltados &agrave; reciclagem, contribuindo para gera&ccedil;&atilde;o de renda a muitas fam&iacute;lias e para o crescimento econ&ocirc;mico do pa&iacute;s. E que estimular isso de forma digna, respeitando as condi&ccedil;&otilde;es de salubridade, gera retorno na sa&uacute;de, com menos propaga&ccedil;&atilde;o de doen&ccedil;as e consequentemente menos gastos. O que impede, portanto, o p&uacute;blico de tratar o assunto com mais aten&ccedil;&atilde;o? Seria o fato de o lixo n&atilde;o dar voto?<br /> <br /> Por <i><b>Dirceu D&rsquo;Alkmin Telles</b></i> &eacute; doutor em engenharia pela USP, coordenador de Projetos e de cursos da Funda&ccedil;&atilde;o FAT e autor do livro 'Res&iacute;duos S&oacute;lidos: Gest&atilde;o Respons&aacute;vel e Sustent&aacute;vel'