RINDO PARA NÃO ENDOIDAR

21 de julho de 2021 às 11:08

Dartagnan da Silva Zanela
Um dos personagens mais intrigantes da hist&oacute;ria s&atilde;o os bobos da corte. Figuras que, com suas roupas extravagantes, faziam reis, nobres e populares rirem &agrave;s pampas quando se pronunciavam e, &eacute; claro, quando faziam suas piruetas mil nas pra&ccedil;as ou no meio dos&nbsp; sal&otilde;es, diante de uma majestade qualquer.<br /> &nbsp;<br /> O riso &eacute; libertador, &eacute; um santo rem&eacute;dio, como todos sabemos. Ali&aacute;s, como nos ensina Ariano Suassuna, quem gosta de tristeza &eacute; o diabo. Por isso, esse neg&oacute;cio de ficarmos fazendo cara feia para tudo e para todos, al&eacute;m de fazer proliferar rugas e p&eacute;s de galinha na cara da gente, faz um mal danado para nossa alma.<br /> &nbsp;<br /> Mas voltemos aos bobos. Esses personagens, t&atilde;o bem retratados por Diego Vel&aacute;zquez, n&atilde;o tinham apenas o papel de fazer os outros rirem e se descontra&iacute;rem. N&atilde;o. Por serem tidos como bobos, estes estavam autorizados a dizer todas as verdades na cara de todos sem correr o risco de sofrer uma puni&ccedil;&atilde;o real, ou uma repreen&ccedil;&atilde;o social.<br /> &nbsp;<br /> Ali&aacute;s, como nos ensina o dito popular, brincando, todos n&oacute;s sempre dizemos verdades que n&atilde;o ter&iacute;amos coragem &ndash; ou o disparate &ndash; de dizer com ares de seriedade.<br /> &nbsp;<br /> Atualmente, n&atilde;o mais temos entre n&oacute;s os bobos da corte. Esses personagens acabaram se perdendo nas brumas da hist&oacute;ria. Entretanto, podemos dizer que os comediantes, de um modo geral, cumprem um papel similar ao desses personagens em nossa &eacute;poca, por&eacute;m, ao contr&aacute;rio de seus ancestrais que atuaram no medievo, esses hoje n&atilde;o contam com a licen&ccedil;a para dizer toda e qualquer verdade. Nananinan&atilde;o.<br /> &nbsp;<br /> Na realidade, a cada dia que passa, os profissionais do riso est&atilde;o sendo cada vez mais melindrados pelas hordas politicamente corretas que n&atilde;o suportam ouvir um gracejo que toque, mesmo que de leve, em seus caprichos criticamente cr&iacute;ticos e [depre]civicamente inflamados. E quando isso ocorre &eacute; um verdadeiro Deus nos acuda.<br /> &nbsp;<br /> Recentemente, o comediante L&eacute;o Lins, ap&oacute;s um ass&eacute;dio feroz perpetrado contra sua pessoa, e de sua esposa, gravou um v&iacute;deo onde nos lembrou o &oacute;bvio ululante: que uma das fun&ccedil;&otilde;es do humor &eacute; justamente a de tocar em certos temas desconfort&aacute;veis para a sociedade e, em meio a ironias e gracejos, levar as pessoas, por meio de uma catarse, a refletir sobre certos assuntos, t&atilde;o delicados quanto controvertidos.<br /> &nbsp;<br /> Nos esquecemos, infelizmente, que o patriarca da filosofia, o nosso velho S&oacute;crates, tinha como principal ferramenta de seu labor filos&oacute;fico, a ironia. &Eacute; imposs&iacute;vel ler os di&aacute;logos de Plat&atilde;o e n&atilde;o imaginar S&oacute;crates como um tremendo tirador de onda que, com seus subterf&uacute;gios dial&eacute;ticos, recursos po&eacute;ticos e alavancas ret&oacute;ricas, ironicamente desmontava as poses de superioridade afetada de seus contempor&acirc;neos.<br /> &nbsp;<br /> Tal desmonte levava alguns a refletirem sobre sua porca vida e se emendarem; j&aacute; outros, ficavam pau da vida, putiados mesmo com o velho, o que os levou a armarem uma intriga sem par para que o pobre S&oacute;crates fosse publicamente cancelado diante dos olhos de uma multid&atilde;o ati&ccedil;ada por Mileto.<br /> &nbsp;<br /> E, &eacute; claro, que essa cambada fez isso sem perder a sua posse de ateniense esclarecido, de forma similar a essa turba toda que faz aquela encena&ccedil;&atilde;o de indigna&ccedil;&atilde;o ferida diante de uma verdade dita com bom humor.<br /> &nbsp;<br /> As almas criticamente caprichosas se esquecem que, como nos ensina &Eacute;mile-Auguste Chartier (Alain), o humor &eacute; sempre generoso, seja ele &aacute;cido ou infantil, porque sempre d&aacute; mais do que recebe. Sempre. J&aacute; as pirra&ccedil;as politicamente corretas, invariavelmente, s&atilde;o mesquinhas e tacanhas, de alfa a &ocirc;mega, porque sempre exigem algo que elas jamais poder&atilde;o oferecer.<br /> &nbsp;<br /> E lembremos de um detalhe importante, que n&atilde;o pode ser varrido para debaixo do tapete da vida: somente os med&iacute;ocres n&atilde;o s&atilde;o capazes de rir de si mesmos. Apenas as almas adoentadas, envenenadas at&eacute; o tutano pela soberba se veem impedidas de rirem de suas fraquezas, de suas baixezas, enfim, de sua condi&ccedil;&atilde;o humana.<br /> <br /> N&atilde;o &eacute; &agrave; toa que tais figuras sejam t&atilde;o inflamadas diante de qualquer banalidade.<br /> &nbsp;<br /> Lembro-me de uma pol&ecirc;mica que, certa feita, foi fomentada por conta de um epis&oacute;dio de &quot;Os Simpsons&quot;, aquele desenho animado de gente amarela; epis&oacute;dio esse que retrata a vinda de Homer Simpson e sua fam&iacute;lia, de dedos estranhos, aqui para o Brasil e, como todo epis&oacute;dio dessa s&eacute;rie de anima&ccedil;&atilde;o, o esc&aacute;rnio foi geral. Ningu&eacute;m foi perdoado. Ningu&eacute;m.<br /> &nbsp;<br /> Na &eacute;poca, houveram muitas almas fevosas que ficaram indignadas com a anima&ccedil;&atilde;o, considerando-a um insulto &agrave; brasilidade. O que tais alminhas impolutas esqueceram de lembrar &eacute; que &quot;Os Simpsons&quot;, antes de qualquer coisa, s&atilde;o uma tremenda s&aacute;tira dos costumes da sociedade americana.<br /> &nbsp;<br /> At&eacute; ali, todos n&oacute;s riamos deles com eles, mas, naquele momento, frente &agrave;quele epis&oacute;dio em particular, n&atilde;o quer&iacute;amos rir com eles de n&oacute;s mesmos.<br /> &nbsp;<br /> Enfim, fico imaginando o que S&oacute;crates faria diante de uma pol&ecirc;mica tosca como essa. Imagino o que ele diria para essa turba, toda inflamada, com seus cancelamentos sem fim. Seria divertido v&ecirc;-lo refletir sobre o assunto. Imagino que n&atilde;o ficaria pedra sobre pedra.<br /> &nbsp;<br /> Tamb&eacute;m, muitas vezes, fico imaginando o que a galerinha criticamente cr&iacute;tica, com sua nulidade protagonista, faria com S&oacute;crates se ele vivesse hoje e, ironicamente, fizesse o que ele fazia na Atenas de antanho. Ali&aacute;s, nesse caso, n&atilde;o seria preciso muito esfor&ccedil;o imaginativo, tendo em vista a incapacidade de rir de n&oacute;s mesmos que &eacute; cultivado por muitos c&iacute;rculos e panelinhas do mundo contempor&acirc;neo, n&atilde;o &eacute; mesmo?<br /> &nbsp;<br /> Escrevinhado por <i><b>Dartagnan da Silva Zanela</b></i> - professor e cronista (dartagnanzanela@gmail.com)<br /> mailto:dartagnanzanela@gmail.com