O TEMPERO DEVE FLUIR

11 de agosto de 2021 às 18:36

Dartagnan da Silva Zanela
<div>&ldquo;Malandro que &eacute; malandro n&atilde;o bobeia. Se malandro soubesse o quanto &eacute; bom ser honesto, malandro seria honesto s&oacute; de malandragem&rdquo;. Assim nos canta Jorge Ben Jor em uma de suas bel&iacute;ssimas can&ccedil;&otilde;es e, minha querida av&oacute;, que Deus a tenha, tamb&eacute;m, sempre me dizia que o malandro que se preze deve ser capaz de dar at&eacute; n&oacute; em pingo d&rsquo;&aacute;gua. E o pior &eacute; que d&atilde;o.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Enfim, malandro &eacute; o que &eacute; e sempre acaba encontrando um ot&aacute;rio, como a gente, para exercitar os seus malabarismos mil e, de todas as suas piruetas, uma que realmente merece um destaque especial na enciclop&eacute;dia universal da malandragem &eacute; essa conversa toda - cheia de pose e afeta&ccedil;&atilde;o - em torno do que a grande m&iacute;dia, e seus devotos e ac&oacute;litos, convencionaram chamar de Fake News.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Na verdade, quando paramos para refletir um cadinho sobre isso, &agrave; luz das p&aacute;ginas da obra dist&oacute;pica &ldquo;1984&rdquo; de George Orwell, compreendemos - mesmo sendo um todo como esse que vos escreve - que a &ldquo;Checol&acirc;ndia&rdquo;, formada pelas autodenominadas ag&ecirc;ncias de checagem, seriam simplesmente um mecanismo pra l&aacute; de sutil de filtragem das informa&ccedil;&otilde;es, um &ldquo;Minist&eacute;rio da Verdade&rdquo;, logo, um eficaz mecanismo [extraoficial] de censura.</div> <div>&nbsp;</div> <div>E seu modo de opera&ccedil;&atilde;o &eacute; t&atilde;o inteligente quanto divertido.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Primeiro, verifica-se um monte de reportagens tolas sobre assuntos bobos que n&atilde;o tem nenhum impacto sobre a vida de absolutamente ningu&eacute;m. Isso mesmo. Junta-se um monte de meras curiosidades superficiais, devidamente desmascaradas, para que as pessoas possam, em suas conversas vazias, terem algo &ldquo;interessante&rdquo; para falar e, quem sabe, conquistar a aten&ccedil;&atilde;o de seus interlocutores mon&oacute;tonos.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Ao fazer isso, a &ldquo;Checol&acirc;ndia&rdquo;, malandramente, conquista alguma credibilidade junto ao p&uacute;blico que passa a reconhecer uma suposta compet&ecirc;ncia nos servi&ccedil;os realizados na verifica&ccedil;&atilde;o de uma infinidade de banalidades sem grande relev&acirc;ncia. Mais que credibilidade, eles conquistam a afei&ccedil;&atilde;o do p&uacute;blico e, em um mundo de afetos desordenados como o nosso, afei&ccedil;&atilde;o &eacute; tudo. Quase tudo.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Ao conquistar essa estrelinha, a&iacute; entre as futilidades irrelevantes, a &ldquo;Checol&acirc;ndia&rdquo; come&ccedil;a a colocar in&uacute;meras informa&ccedil;&otilde;es relevantes que passam a ser rotuladas com o selo de Fake News e com o carimbo que afirma: &ldquo;n&oacute;s chegamos&rdquo;; logo, &ldquo;&eacute; isso mesmo&rdquo;.</div> <div>&nbsp;</div> <div>E detalhe importante: qualquer coisa pode ser classificada como sendo uma Fake News, porque Fake News n&atilde;o &eacute; um conceito. N&atilde;o. &Eacute; apenas uma figura de linguagem, pra l&aacute; de el&aacute;stica, utilizada como uma express&atilde;o n&atilde;o-significativa e, enquanto tal, pode dizer tudo e, ao mesmo tempo, n&atilde;o explicar nada. Tudo depende apenas do que ser&aacute; afirmado pelo usu&aacute;rio do termo e da credibilidade que ele ir&aacute; imprimir sobre o mesmo.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Para ficar mais claro ainda, lembremos que aquilo que se convencionou ser rotulado de Fake News pode ser uma mat&eacute;ria mal elaborada, ou uma not&iacute;cia comunicada &agrave;s pressas, ou uma informa&ccedil;&atilde;o de fonte duvidosa, ou um fato fora de contexto, ou uma conjuntura descrita de forma imprecisa, ou uma verdade maliciosamente distorcida, ou uma mentira deliberada comunicada com linguajar acad&ecirc;mico, enfim, a lista &eacute; imensa. Por&eacute;m, muitas vezes, o alvo do infame selo pode ser &ndash; e acaba sendo - uma verdade inconveniente.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Por isso, &eacute; importante que entendamos que a palavra &ldquo;checamos&rdquo; pode significar muitas coisas, muitas, inclusive, &ldquo;distorcemos&rdquo;, &ldquo;manipulamos&rdquo;, &quot;ocultamos&quot;. E esse &eacute; o grande problema de colocarmos a credibilidade acima da veracidade. E se n&atilde;o sabemos a diferen&ccedil;a que h&aacute; entre uma e outra, &eacute; sinal de que estamos bem encrencados.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Doravante, h&aacute; um tra&ccedil;o que sempre &eacute; levado em considera&ccedil;&atilde;o pela turma da &ldquo;Checol&acirc;ndia&rdquo;: quem est&aacute; comunicando a &ldquo;hipot&eacute;tica Fake News&rdquo; e qual &eacute; posi&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica na qual o comunicador pode ser enquadrado, principalmente se ele estiver comunicando algo que seja considerado como sendo uma verdade inconveniente pelos &ldquo;checadores&rdquo; e por seus parceiros de caminhada ideol&oacute;gica.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Se o suposto propagador de Fake News &eacute; parceiro ideol&oacute;gico dos iluminados da &ldquo;Checol&acirc;ndia&rdquo;, esse n&atilde;o receber&aacute;, de jeito maneira, o selo infame de &ldquo;propagador de Fake News&rdquo;, mas apenas uma leve advert&ecirc;ncia de que ele supostamente cometeu um erro na apura&ccedil;&atilde;o dos fatos, ou algo similar [imaginando o pior dos cen&aacute;rios, &eacute; claro].</div> <div>&nbsp;</div> <div>Agora, se esse indiv&iacute;duo estiver no lado errado do espectro ideol&oacute;gico, meu amigo, meu amigo do C&eacute;u, a&iacute; se foi o boi com a corda. Mesmo que tenha apenas cometido um erro involunt&aacute;rio; pior, se ele cometeu o disparate de dizer uma verdade inconveniente, lascou-se tudo: ele ser&aacute; estigmatizado, e receber&aacute; a maldita e infame marca de &ldquo;propagador de Fake News&rdquo; para todo o sempre (agora imaginem uma risada macabra).</div> <div>&nbsp;</div> <div>A&iacute; meu peixe, acaba-se com a confiabilidade de qualquer um que seja inconveniente para as hostes totalit&aacute;rias. Por isso que essa conversa toda de Fake News &eacute;, no fundo e na real, um sofisticado mecanismo de difama&ccedil;&atilde;o, um elegante e limpinho instrumento de destrui&ccedil;&atilde;o de reputa&ccedil;&otilde;es.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Tamb&eacute;m &eacute; importante lembrarmos, e n&atilde;o nos esquecermos, que a cria&ccedil;&atilde;o das autodenominadas &ldquo;ag&ecirc;ncias de checagem&rdquo; s&atilde;o uma rea&ccedil;&atilde;o da pr&oacute;pria grande m&iacute;dia - que nunca foi vista pela popula&ccedil;&atilde;o, de um modo geral, como um esteio de credibilidade - frente a sua derrocada, ladeira &agrave; baixo, com o advento da internet, que permitiu que as pessoas pudessem confrontar o que era apresentado pela grande m&iacute;dia, e pelo establishment diplomado, com outras fontes de informa&ccedil;&atilde;o, inclusive com fontes prim&aacute;rias, e assim, desse jeit&atilde;o, melhor se informar.</div> <div>&nbsp;</div> <div>E &eacute; importante lembrarmos que informa&ccedil;&atilde;o n&atilde;o &eacute; poder. N&atilde;o. O que &eacute; poder - em estado bruto &ndash; &eacute; o controle que pode ser exercido sobre o fluxo das informa&ccedil;&otilde;es. Controle esse que os grandes conglomerados de m&iacute;dia, e a oligarquia das classes falantes, perderam com a revolu&ccedil;&atilde;o das m&iacute;dias eletr&ocirc;nicas e que, hoje, eles tentam reaver atrav&eacute;s da proposi&ccedil;&atilde;o de mecanismos sutis de controle e vigil&acirc;ncia do fluxo das informa&ccedil;&otilde;es que est&aacute; cada vez mais descentralizado e distribu&iacute;do.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Sem o controle do fluxo das informa&ccedil;&otilde;es, a grande m&iacute;dia, o assim chamado quarto poder, v&ecirc;-se an&ecirc;mico, enfraquecido, pois, por exemplo, na mesma hora que um cidad&atilde;o comum v&ecirc; algum recorte feito por um telejornal sobre a CPI da Covid, ele poder&aacute;, com seu celular, assistir outra interpreta&ccedil;&atilde;o sobre o referido acontecimento noticiado e distorcido e, &eacute; claro, comparar com outros recortes mais amplos, e sem mutila&ccedil;&atilde;o, desse circo armado na forma de uma comiss&atilde;o parlamentar de inqu&eacute;rito e, desse modo, chegar a uma conclus&atilde;o que lhe pare&ccedil;a mais razo&aacute;vel. &Eacute;. E isso, de fato, assunta os donos do poder.</div> <div>&nbsp;</div> <div>E como hoje a informa&ccedil;&atilde;o flui livremente, o jornalismo de teleprompter, de agenda pol&iacute;tica autointitulada progressista, agoniza. E agoniza porque suas lorotas, ditas com eleg&acirc;ncia e com voz empostada, podem ser desmentidas por qualquer caboclo meio tongo, como esse que vos escreve, desde que tenha um cadinho de paci&ecirc;ncia e persist&ecirc;ncia e, &eacute; claro, saiba usar com um m&iacute;nimo de destreza essa ferramenta t&atilde;o &uacute;til quanto perigosa que &eacute; um aparelho celular.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Enfim, as &aacute;guas t&ecirc;m de manar, o tempero deve fluir e, com eles, a informa&ccedil;&atilde;o. Qualquer um que diga o contr&aacute;rio, com o perd&atilde;o da palavra, est&aacute; de malandragem, porque, como nos ensina o mestre Jorge Ben, &ldquo;Malandro que &eacute; malandro n&atilde;o bobeia. Se malandro soubesse o quanto &eacute; bom ser honesto, malandro seria [intelectualmente] honesto s&oacute; de malandragem&rdquo;.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Ah! Antes que eu me esque&ccedil;a: sabe aquela hist&oacute;ria das vacinas vencidas que foi divulgada pelo jornal &ldquo;F&ocirc;ia do Seu Paulo&rdquo;? Pois &eacute;, segundo levantamento feito pelo site Senso Incomum, era uma Fake News que n&atilde;o foi verificada por nenhuma ag&ecirc;ncia da &ldquo;Checol&acirc;ndia&rdquo; e, &eacute; claro, n&atilde;o recebeu o carimbo de Fake News e, n&atilde;o recebeu, provavelmente, pelas raz&otilde;es ululantes apresentadas nestas linhas tortas. E &eacute; claro que a &ldquo;F&ocirc;ia do Seu Paulo&rdquo; disse &ldquo;erramos&rdquo;. Ela n&atilde;o afirmou que propagou [malandramente] uma &ldquo;Fake News&rdquo;.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Enfim, para essa gente limpinha e politicamente correta, verdades inconvenientes ditas pelos outros &eacute; &ldquo;Fake News&rdquo;; agora, desinforma&ccedil;&atilde;o - dita pelos &ldquo;donos da credibilidade&rdquo; que lavoram no &ldquo;Minist&eacute;rio da Verdade&rdquo; - que acaba sendo desmascarada, seria apenas um &ldquo;errinho&rdquo;, s&oacute; um erro, e nada mais.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Escrevinhado por <i><b>Dartagnan da Silva Zanela</b></i> - professor e cronista (dartagnanzanela@gmail.com)</div> <div>mailto:dartagnanzanela@gmail.com</div>