A BANALIZAÇÃO DAS CRISES

06 de setembro de 2021 às 12:01

Gaudêncio Torquato
<div>A pele j&aacute; n&atilde;o sente os belisc&otilde;es. Ganhou camadas imperme&aacute;veis de insensibilidade. N&atilde;o reage aos impactos externos, sejam belisc&otilde;es ou amputa&ccedil;&otilde;es. Crise sanit&aacute;ria era uma gripezinha. Hoje, uma pandemia que mata cerca de 600 mil pessoas. Crise pol&iacute;tica? Ah, essa vem de l&aacute; dos corredores do in&iacute;cio da Rep&uacute;blica. Crise econ&ocirc;mica? Todos sabem como &eacute;, mas ningu&eacute;m quer se responsabilizar por ela. Crise energ&eacute;tica? O ministro Bento Albuquerque garante; n&atilde;o haver&aacute; apag&atilde;o. O vice-presidente da Rep&uacute;blica, Hamilton Mour&atilde;o, refuta: &eacute; poss&iacute;vel que tenhamos um apag&atilde;o energ&eacute;tico.</div> <div>&nbsp;</div> <div>E assim, de enrola&ccedil;&atilde;o a enrola&ccedil;&atilde;o, o Brasil vai engrossando seu novelo de crises. De t&atilde;o banais, viram coisas comuns. A verve de Roberto Campos apontava dois tra&ccedil;os caracter&iacute;sticos da psique de pa&iacute;ses em desenvolvimento: a ambival&ecirc;ncia e o escapismo. &Eacute; ambival&ecirc;ncia querer equacionar o descontrole dos gestores da coisa p&uacute;blica sem controlar os controladores. E &eacute; escapismo argumentar que os confrontos de guerras urbanas, frequentes nas grandes cidades, ocorrem porque o poder do crime &eacute; maior que o poder de um Estado, cuja leni&ecirc;ncia torna-se cada vez mais patente ante a escalada de viol&ecirc;ncia que se abate sobre a sociedade. O espa&ccedil;oso terreno p&uacute;blico se apresenta todo esburacado.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Cada qual organiza, ao bel prazer, a concep&ccedil;&atilde;o e a ordem das a&ccedil;&otilde;es a serem desenvolvidas, solicitando &agrave;s &aacute;reas jur&iacute;dicas e cont&aacute;beis que ajustem as contas nos termos da legisla&ccedil;&atilde;o. Dessa forma, or&ccedil;amentos s&atilde;o engolidos em projetos feitos sob press&atilde;o de grupos e em programas superficiais. Se a gest&atilde;o tem sabor pol&iacute;tico, &eacute; natural que os dirigentes concentrem as decis&otilde;es, evitando perder for&ccedil;a.</div> <div>&nbsp;</div> <div>O nosso presidencialismo de coaliz&atilde;o ampara-se na costura de amplas alian&ccedil;as. Entenda-se, ainda, que a pol&iacute;tica deixou de ser miss&atilde;o (para servir a polis, como pregava Arist&oacute;teles) e se tornou profiss&atilde;o. Logo, p&ocirc;r a m&atilde;o na res p&uacute;blica passou a ser grande neg&oacute;cio. Abre-se, a partir dessa l&oacute;gica, uma crise de governan&ccedil;a e n&atilde;o de governabilidade, como alguns entendem, porquanto o sistema pol&iacute;tico, a forma de governo e as rela&ccedil;&otilde;es entre os Poderes, mesmo operando em um complexo desenho institucional como o nosso &ndash; federalismo, presidencialismo, bicameralismo, representa&ccedil;&atilde;o proporcional, voto majorit&aacute;rio, pluripartidarismo &ndash; n&atilde;o chegam a amea&ccedil;ar a democracia. Qual &eacute; a alternativa? Arrumar a gest&atilde;o. Haver&aacute; sempre um jeitinho de contornar as situa&ccedil;&otilde;es.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Querem apostar? Onde ir&aacute; bater a CPI da Covid? Em quem recair&aacute; a culpa pela m&aacute; previs&atilde;o da crise energ&eacute;tica? Haver&aacute; penalidade ao presidente Bolsonaro ou alguns de seus ministros por aus&ecirc;ncia de boa gest&atilde;o? Veremos uma fila de autoridades no caminho das pris&otilde;es? Ou ser&aacute; que ficar&aacute; evidente a m&aacute;xima de Anacaris, um dos sete s&aacute;bios da Gr&eacute;cia? &ldquo;As leis s&atilde;o como as teias de aranha, os pequenos insetos prendem-se nelas e os grandes rasgam-nas sem custo&rdquo;. Tem havido algum ganho no campo da moral com tanta den&uacute;ncia? &Eacute; poss&iacute;vel.</div> <div>&nbsp;</div> <div>A ladroagem &eacute; embalada por um celofane tecnol&oacute;gico de alta sofistica&ccedil;&atilde;o, diferente dos costumes da Primeira Rep&uacute;blica, quando a elei&ccedil;&atilde;o do Executivo municipal assumiu relevo pr&aacute;tico. Naquele tempo, o lema da prefeitada era: &ldquo;Aos amigos, p&atilde;o; aos inimigos, pau&rdquo;.</div> <div>&nbsp;</div> <div>A tarefa de impedir que a teia de aranha seja rasgada pelos grandes exige mais transpar&ecirc;ncia de todas as estruturas p&uacute;blicas. Seria &uacute;til que as comunidades acompanhassem de perto o fluxo das obras municipais, a partir de sua descri&ccedil;&atilde;o em pain&eacute;is afixados em pra&ccedil;as p&uacute;blicas. Mas o propagandismo pode acabar se tornando outra praga.</div> <div>&nbsp;</div> <img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" height="80" hspace="3" align="left" alt="" /> <div><br /> <br /> Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i> &eacute; jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor pol&iacute;tico</div> <div>Acesse o blog <span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i><a href="https://www.observatoriopolitico.org/" target="_blank">www.observatoriopolitico.org</a></i></u></span></div>