Bolsonaro marcha contra a democracia no Brasil

06 de setembro de 2021 às 16:33

Mauro Menezes/Carol Proner
<div>A crise pol&iacute;tico-institucional brasileira assumiu contornos dram&aacute;ticos a partir da assun&ccedil;&atilde;o de Jair Bolsonaro &agrave; presid&ecirc;ncia da Rep&uacute;blica, em 2019. Desde ent&atilde;o, o pa&iacute;s - que j&aacute; experimentava os efeitos nefastos da deposi&ccedil;&atilde;o farsesca da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, ao cabo de um processo de impeachment juridicamente forjado - afundou numa espiral intermin&aacute;vel de atos insensatos e grotescos protagonizados pelo pr&oacute;prio chefe de governo.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Bolsonaro foi guindado ao poder em 2018, numa elei&ccedil;&atilde;o afetada pela manipula&ccedil;&atilde;o judicial que excluiu da disputa o ex-presidente Luiz In&aacute;cio Lula da Silva, v&iacute;tima no mesmo ano de uma pris&atilde;o abusiva que perdurou 580 dias, ap&oacute;s a qual a Suprema Corte do pa&iacute;s admitiu o comportamento suspeito e parcial do juiz S&eacute;rgio Moro, que proferiu uma condena&ccedil;&atilde;o sem provas, finalmente anulada em 2021.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>O panorama resultante da administra&ccedil;&atilde;o Bolsonaro tem sido catastr&oacute;fico. De um lado, a integridade das institui&ccedil;&otilde;es do Estado brasileiro e as liberdades democr&aacute;ticas v&ecirc;m sendo objeto de constantes amea&ccedil;as e ataques. O presidente da Rep&uacute;blica atua em permanente desafio ao equil&iacute;brio dos Poderes, acenando com a evoca&ccedil;&atilde;o de s&iacute;mbolos e instrumentos da ditadura militar instaurada em 1964 e encerrada em 1985. Na condi&ccedil;&atilde;o de capit&atilde;o reformado, Bolsonaro flerta com a interven&ccedil;&atilde;o militar para fazer valer os seus prop&oacute;sitos pol&iacute;ticos, numa postura ofensiva &agrave; Constitui&ccedil;&atilde;o Federal de 1988.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Seu m&eacute;todo de exerc&iacute;cio do poder gravita entre a manipula&ccedil;&atilde;o do fanatismo irracional e agressivo de seus apoiadores e a aniquila&ccedil;&atilde;o progressiva das pol&iacute;ticas p&uacute;blicas e da integridade institucional de diversos segmentos da administra&ccedil;&atilde;o p&uacute;blica. N&atilde;o se trata propriamente de um governo, sen&atilde;o de um desgoverno de inspira&ccedil;&atilde;o fascista, cuja matriz ideol&oacute;gica associa pautas de extrema-direita no campo dos costumes, da libera&ccedil;&atilde;o de armas e do esvaziamento do Estado laico, de um lado, a diretrizes ultraliberais em termos econ&ocirc;micos, voltadas a promover uma perigosa e profunda desregula&ccedil;&atilde;o, que afeta gravemente paradigmas de prote&ccedil;&atilde;o aos direitos humanos, sociais, trabalhistas e ambientais, de outro lado.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>O comportamento negacionista e ineficaz de Jair Bolsonaro e de seu governo, no contexto do combate &agrave; pandemia da Covid-19, multiplicou os danos sofridos pela popula&ccedil;&atilde;o brasileira. Ap&oacute;s um ano e meio do in&iacute;cio da crise sanit&aacute;ria global provocada pela dissemina&ccedil;&atilde;o do novo coronav&iacute;rus, o Brasil ocupa o posto de segundo pa&iacute;s mais afetado por mortes (cerca de 570 mil falecidos) e com o terceiro contingente de casos, em termos comparativos internacionais (cerca de 20,4 milh&otilde;es de infectados). Tais n&uacute;meros superam largamente a fra&ccedil;&atilde;o proporcional entre a popula&ccedil;&atilde;o brasileira e a popula&ccedil;&atilde;o mundial. Sem d&uacute;vida, a m&aacute; condu&ccedil;&atilde;o governamental foi decisiva para esse quadro aterrador. Inacreditavelmente, esses gigantescos preju&iacute;zos humanit&aacute;rios foram potencializados por uma deliberada e sistem&aacute;tica postura de boicote e sabotagem de medidas de preven&ccedil;&atilde;o, exercitada e estimulada pelo pr&oacute;prio presidente da Rep&uacute;blica, que chegou ao ponto de retardar o processo de vacina&ccedil;&atilde;o de modo intencional.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Al&eacute;m de produzir severos preju&iacute;zos &agrave; democracia e aos direitos sociais, Bolsonaro trabalha pela corros&atilde;o da no&ccedil;&atilde;o republicana, segundo a qual os atos de governo devem observar a impessoalidade, o discernimento entre interesses p&uacute;blicos e privados, a transpar&ecirc;ncia administrativa e a necess&aacute;ria presta&ccedil;&atilde;o de contas &agrave; sociedade. Sua administra&ccedil;&atilde;o se caracteriza pela frequente apropria&ccedil;&atilde;o de garantias do interesse p&uacute;blico por interesses pol&iacute;ticos, familiares ou pessoais do presidente da Rep&uacute;blica. Sem a menor cerim&ocirc;nia, Bolsonaro subverteu os princ&iacute;pios da Lei de Acesso &agrave; Informa&ccedil;&atilde;o (lei 12.527/11), valendo-se de exce&ccedil;&otilde;es &agrave; regra geral de transpar&ecirc;ncia e publicidade dos documentos p&uacute;blicos, para impor sigilos documentais injustific&aacute;veis. Proibiu a divulga&ccedil;&atilde;o por cem anos dos registros de acesso de seus filhos ao pal&aacute;cio governamental e do processo sofrido pelo general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Sa&uacute;de de desempenho calamitoso durante a pandemia, por comparecer a um rally pol&iacute;tico, em desacordo com os regulamentos militares.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Outro significativo atentado praticado por Bolsonaro aos freios e contrapesos constitucionais decorre do seu permanente esfor&ccedil;o de coopta&ccedil;&atilde;o do procurador-geral da Rep&uacute;blica, Augusto Aras, que passou a exercitar suas fun&ccedil;&otilde;es com ex&oacute;tica toler&acirc;ncia diante dos desatinos jur&iacute;dicos levados a efeito pelo presidente e por sua equipe, numa conduta a um s&oacute; tempo desatenta ao texto constitucional, como tamb&eacute;m avessa &agrave; autonomia tradicionalmente observada pelos ocupantes do cargo. As omiss&otilde;es indesculp&aacute;veis de Aras j&aacute; motivaram in&uacute;meros questionamentos formais de seus pr&oacute;prios colegas do Minist&eacute;rio P&uacute;blico Federal, de parlamentares e de entidades da sociedade civil, haja vista o an&ocirc;malo alinhamento que o procurador-geral da Rep&uacute;blica demonstra em rela&ccedil;&atilde;o ao presidente da Rep&uacute;blica, mediante uma condescend&ecirc;ncia frequente com suas vontades, caprichos e sobretudo diante de suas transgress&otilde;es legais.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Seguindo um costumeiro e intencional desvio de finalidade no exerc&iacute;cio do cargo e na interpreta&ccedil;&atilde;o da Constitui&ccedil;&atilde;o e das leis brasileiras, a provocativa escalada autorit&aacute;ria do atual presidente brasileiro atingiu sua culmin&acirc;ncia com o recente pedido de abertura de processo de impeachment contra um dos magistrados da Corte Suprema, apresentado por Jair Bolsonaro ao presidente do Senado Federal. Essa agressiva provid&ecirc;ncia, in&eacute;dita na hist&oacute;ria nacional, foi adotada justamente devido &agrave; insatisfa&ccedil;&atilde;o do presidente ante decis&otilde;es tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes no regular e leg&iacute;timo cumprimento de suas compet&ecirc;ncias. A tens&atilde;o institucional alcan&ccedil;ou, assim, um est&aacute;gio irrevers&iacute;vel, elevando os receios de uma confronta&ccedil;&atilde;o ainda mais perigosa, considerando que a investida presidencial constituiu uma rea&ccedil;&atilde;o a medidas judici&aacute;rias que determinaram a pris&atilde;o de um dos seus apoiadores, al&eacute;m da expedi&ccedil;&atilde;o de mandados de busca e apreens&atilde;o contra outros, com o objetivo de desbaratar redes extremistas dedicadas a atacar e planejar a destitui&ccedil;&atilde;o violenta da c&uacute;pula do Poder Judici&aacute;rio. A partir de ent&atilde;o, nos meios pol&iacute;ticos, passou a prevalecer a cren&ccedil;a de que Bolsonaro abdicou em definitivo de qualquer sa&iacute;da pac&iacute;fica para a artificial crise que ele mesmo concebeu. Sua aposta se afigura n&iacute;tida ap&oacute;s esses acontecimentos: estimular o rompimento das bases essenciais do conv&iacute;vio democr&aacute;tico entre as autoridades do pa&iacute;s, uma vez que o seu pr&oacute;ximo passo pode vir a ser o puro e simples desrespeito &agrave; supremacia das decis&otilde;es judiciais.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>O presidente Bolsonaro d&aacute; claros sinais de esgotamento pol&iacute;tico e de credibilidade e respeitabilidade sociais. Em que pese enfrentar crescentes manifesta&ccedil;&otilde;es de protesto, a&ccedil;&otilde;es judiciais que denunciam os seus crimes e uma comiss&atilde;o parlamentar de inqu&eacute;rito que exp&ocirc;s as v&iacute;sceras da desastrosa e corrupta gest&atilde;o da pandemia pelo governo central, al&eacute;m de den&uacute;ncias junto ao Tribunal Penal Internacional, sua administra&ccedil;&atilde;o sobrevive &agrave; custa de negocia&ccedil;&otilde;es parlamentares obscuras com setores acostumados &agrave; troca de favores pr&oacute;pria do mais baixo fisiologismo pol&iacute;tico. Eis a raz&atilde;o pela qual os cerca de 130 pedidos de impeachment contra o presidente da Rep&uacute;blica, j&aacute; apresentados ao Congresso Nacional, continuam obstaculizados pelo presidente da C&acirc;mara dos Deputados, deputado Arthur Lira, fiador desses acordos esp&uacute;rios entre um governo moralmente derru&iacute;do e uma base de parlamentares &aacute;vida por verbas e cargos a qualquer custo.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Os brasileiros e brasileiras, a essa altura, contam os dias para as elei&ccedil;&otilde;es presidenciais de 2022, &uacute;nica alternativa concreta e prov&aacute;vel de encerramento do mandato nefasto de Bolsonaro, ao tempo em que se organizam e buscam reagir, na medida do poss&iacute;vel, &agrave; mobiliza&ccedil;&atilde;o fascista dos apoiadores de um governo que parece agora inclinar-se para um golpismo cada vez mais escancarado.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Por <i><b>Mauro Menezes </b></i>&eacute; advogado, ex-presidente da Comiss&atilde;o de &Eacute;tica P&uacute;blica da Presid&ecirc;ncia da Rep&uacute;blica do Brasil e mestre em Direito P&uacute;blico e...</div> <div>&nbsp;</div> <div>...<b><i>Carol Proner</i></b> &eacute; advogada, doutora em Direito Internacional e p&oacute;s-doutora em Ci&ecirc;ncias Sociais&nbsp;</div>