Bolsonaro na ONU e o cercadinho em Nova York
21 de setembro de 2021 às 18:51
Rodrigo Augusto Prando
<div>Hoje, 21 de setembro, mais uma vez, como indica a tradição, o primeiro discurso na Organizações das Nações Unidas (ONU) cabe ao Brasil e, por isso, novamente, o Presidente Jair Bolsonaro ocupou a tribuna para suas considerações. Antes, porém, de deslindar sua fala, cabe, ainda que breves, algumas poucas observações acerca da comitiva presidencial em solo norte-americano. </div>
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<div>O Prefeito de Nova York, Bill de Blasio, chegou a afirmar, referindo-se a Bolsonaro, que "se você não quer se vacinar, nem precisa vir", sem saber que o presidente brasileiro lá estava. Depois, nas redes sociais, Blasio marcou Bolsonaro num post indicando locais de vacinação contra a Covid-19. </div>
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<div>Após o prefeito, chegou a vez do Primeiro-Ministro Boris Johnson, da Inglaterra, que questionou se Bolsonaro já havia sido imunizado, ao que o brasileiro respondeu que não. Johnson aproveitou para fazer propaganda da vacina da AstraZeneca, desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford. </div>
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<div>Tem mais. Sem poder entrar nos restaurantes sem comprovante de vacinação, o presidente brasileiro e seus acólitos fizeram foto comendo pizza na calçada. Obviamente, que a foto objetivava mostrar um presidente humilde, cioso dos recursos públicos, tal como já havia feito anteriormente. O Deputado Eduardo Bolsonaro foi vaiado em uma loja e saiu aos gritos de "you are a shame" (Você é uma vergonha - para o Brasil). </div>
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<div>Por fim, Bolsonaro e os seus chegaram para um jantar e foram vaiados, na entrada e na saída, todavia, já no interior do veículo se retirando do local, o Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, num gesto obsceno, como o dedo do meio, dirigiu-se ao grupo de manifestantes. Certamente, depois de ter, no Brasil, suspendido a vacinação de adolescentes, após um "sentimento" de Bolsonaro, Queiroga assume importante posição no pelotão ideológico bolsonarista. E, pasmem, isso tudo, em NY, em menos de 48 horas... </div>
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<div>Já na Assembleia da ONU, Bolsonaro, em seu discurso, inicia afirmando que traria um Brasil diferente, diferente daquele retratado pelos jornais e pela televisão. De fato, o presidencialismo de confrontação bolsonarista elege, sempre, um inimigo e a mídia, quase sempre, está no pódio dos ataques. Iria, ainda, apresentar um Brasil sem corrupção, cujo presidente é temente a Deus, respeita a Constituição, a família e é leal ao seu povo. No mais, a sua presidência salvou o Brasil que estava à beira do socialismo, segundo seu entendimento. </div>
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<div>O novo Brasil bolsonarista, ainda segundo o presidente, recupera a credibilidade perante o mundo, até porque os investidores encontram tudo o que almejam nestas plagas. Tratou do leilão vindouro do 5G, da agricultura, do meio ambiente e da Amazônia, das reservas indígenas, citou a ditadura bolivariana e, mais uma vez, ressaltou sua política externa séria e responsável. </div>
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<div>No que tange à pandemia, nada dito dos quase 600 mil mortos, contudo, voltou à cantilena de que defendeu a economia, a manutenção dos empregos, com a mesma ênfase que defendeu as vacinas. Ainda na dimensão econômica, a inflação, no Brasil e no mundo, seria resultado do lockdown (que não houve) e das restrições sanitárias promovidas por governadores e prefeitos. </div>
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<div>Às vésperas da conclusão da CPI da Covid, cujo parecer jurídico encaminhado à comissão é demolidor, o Presidente Bolsonaro assume, ao vivo, para o mundo, a defesa do tratamento precoce ou inicial, de acordo com suas palavras, com medicamentos sem eficácia comprovada. Chegou, até, a questionar o porquê de o mundo não usar esses medicamentos e disse que história trará quem está ou não certo neste caso. A vacina entrou na fala mais uma vez: o presidente afirmou ser contra o passaporte sanitário, pois este pode barrar a entrada ou viagens daqueles que não se vacinaram, à semelhança de Bolsonar. </div>
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<div>Já à guisa de finalização, fez menção honrosa à manifestação bolsonarista de 7 de setembro que, para ele, foi a maior da história do Brasil. Tal manifestação, como se sabe, postulava pautas antidemocráticas, mas, na ONU, transformou-se, no bojo de seu discurso, num ato de defesa da democracia, das liberdades e de apoio ao seu governo </div>
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<div>A avaliação dos jornalistas, dos analistas internacionais, dos atores políticos (no Brasil e no mundo) é que Bolsonaro vive numa realidade paralela. Afirmei, alhures, numa entrevista, que havia uma CBNF - Central Bolsonarista de Narrativas Fantasiosas - e esta indicava o caminho discursivo e a prática governamental. O discurso presidencial foi checado e as inverdades, exageros e fatos condizentes com a realidade foram indicados. Houve quem, discutindo a fala presidencial, chegou a asseverar que o famoso "cercadinho" na porta do Palácio do Planalto, havia sido, temporariamente, transferido para NY e que assistimos mais uma das lives bolsonaristas e não um discurso de um estadista </div>
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<div>O ator principal, Bolsonaro, foi para Nova York, mas os militantes do cercadinho não foram juntos, por isso ministros do bolsonarismo raiz fizeram o papel de coadjuvantes. O ambiente seguro e controlado do "cercadinho" não pode ser reproduzido sempre que desejam. Neste universo, a palavra vergonha foi frequente em quase todas as notícias ou análises a respeito da estadia em NY e do discurso presidencial; mas, obviamente, a fala do presidente renderá bons vídeos para as redes sociais bolsonaristas e o universo perfeito da CBNF. Politicamente, vale ressaltar, falar para o seu público, para sua militância, não é um problema gravíssimo, pois Lula e Dilma usaram a ONU para tal finalidade. Melhor seria que, diante do mundo, os temas abordados fossem aqueles de impacto global e, às vezes, um toque aqui e acolá, de temas domésticos. </div>
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<div>Em síntese, embora o tom do discurso não tenha sido agressivo, Bolsonaro permaneceu conjugando fake news, pós-verdades e negacionismo. O Brasil, hoje, preponderantemente, rejeita o bolsonarismo e reprova o presidente. Ademais, em todas as projeções de segundo turno para a eleição vindoura, Bolsonaro é derrotado pelos adversários. Saldo extremamente negativo da pandemia, economia deteriorada, inflação, aumento da fome, chances concretas de crise hídrica e energética criam um cenário extremamente desfavorável para o governo em todos os aspectos políticos, econômicos e sociais. E isso não mudará com discursos. Os convertidos, bolsonaristas, continuarão a gritar "mito" e a sociedade brasileira continuará a reprovar o governo e o presidente, ao menos com esta realidade em tela. </div>
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<div>Por <i><b>Rodrigo Augusto Prando</b></i> é cientista político. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp. </div>