República Judicialista do Brasil

23 de outubro de 2021 às 19:32

André Luís Alves
<div>O Brasil deve ser o Estado Democr&aacute;tico de Direito e n&atilde;o o &quot;Estado Do Bacharel em Direito&quot;. &Eacute; fato que mais da metade das Faculdades de Direito do mundo est&atilde;o no Brasil e isto n&atilde;o converteu em uma situa&ccedil;&atilde;o na qual tenhamos uma sociedade juridicamente mais eficiente e com melhores solu&ccedil;&otilde;es sociais, inclusive at&eacute; gera um efeito contr&aacute;rio em raz&atilde;o da necessidade de se criar mercado de trabalho para burocratas legais. Por outro lado, determinada ideologia que ainda prevalece no inconsciente coletivo foca apenas em direitos e praticamente nada em deveres, visando o pouco esfor&ccedil;o.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Nos pa&iacute;ses mais desenvolvidos quando alguma decis&atilde;o judicial tem erros de an&aacute;lise jur&iacute;dica em seu conte&uacute;do, a doutrina come&ccedil;a a escrever artigos e analisar a decis&atilde;o para question&aacute;-la. No Brasil, come&ccedil;a-se a decorar para o pr&oacute;ximo concurso ou para o Exame da OAB, pois o objetivo &eacute; apenas copiar e n&atilde;o analisar o julgado. Nesse pensamento cultural &eacute; muito comum confundir mem&oacute;ria (mero ato de copiar) com intelig&ecirc;ncia (ato de criar, analisar e pensar o tema).&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>No modelo de ensino jur&iacute;dico brasileiro, muito parecido com cursinho para vestibular ou concursos, estuda-se mat&eacute;rias como Direito Internacional, pois &quot;cai&quot; no Exame da OAB, mas como no Exame da OAB n&atilde;o &quot;cai&quot; Direito Eleitoral e Direito de Tr&acirc;nsito, ent&atilde;o n&atilde;o se tem estas mat&eacute;rias de forma comum nas Faculdades de Direito. Qual destes temas teria maior interesse no cotidiano de um Estudante de Direito e da Sociedade? O Direito Internacional ou o de Tr&acirc;nsito e Eleitoral?&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Outro aspecto &eacute; que os N&uacute;cleos de Pr&aacute;tica Jur&iacute;dica que deveriam ter uma papel fundamental na forma&ccedil;&atilde;o do aluno e de relev&acirc;ncia social, acabam sendo um mero ap&ecirc;ndice. Afinal, podem ficar apenas atendendo em casos de fam&iacute;lia, pois professores que tamb&eacute;m mant&eacute;m seus escrit&oacute;rios n&atilde;o querem concorr&ecirc;ncia. E assim, os poucos N&uacute;cleos de Pr&aacute;tica Jur&iacute;dica que tentam inovar ampliando o atendimento para &aacute;reas como trabalhista, previdenci&aacute;ria, consumidor, tribut&aacute;ria s&atilde;o retaliados fortemente. Um paradoxo &eacute; que na faculdade de Direito &eacute; comum que aluno &quot;adore&quot; o direito penal (em face da vis&atilde;o te&oacute;rica, bem diferente da pr&aacute;tica). Mas, raramente uma faculdade de direito disponibiliza assist&ecirc;ncia jur&iacute;dica nesta &aacute;rea. Ou seja, reclamam falsamente da qualidade do ensino jur&iacute;dico, mas tentam sufocar as necess&aacute;rias evolu&ccedil;&otilde;es.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>N&atilde;o menos paradoxal &eacute; que nos Exames da OAB a maioria dos inscritos faz prova para a &aacute;rea penal, por&eacute;m a maioria esmagadora dos Advogados atua na &aacute;rea c&iacute;vel. &Eacute; como se os m&eacute;dicos fizessem Exame para a especialidade de oftalmologia, mas a maioria fosse atuar na &aacute;rea de ginecologia ou cardiologia. Em suma, este Exame da OAB, o qual &eacute; necess&aacute;rio, teria qual sentido na pr&aacute;tica? Logo, precisa ser remodelado, mas n&atilde;o extinto.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Tamb&eacute;m &eacute; comum verificar que em face do mito da obrigatoriedade da a&ccedil;&atilde;o penal, tamb&eacute;m ampliado para as transa&ccedil;&otilde;es penais no Juizado Especial (acordo penal), muitas vezes o valor da transa&ccedil;&atilde;o penal (san&ccedil;&atilde;o penal) &eacute; bem menor que o valor pago de honor&aacute;rios para o advogado dativo, o qual &eacute; beneficiado por este sistema anacr&ocirc;nico, embora publicamente acuse-se o Estado (Minist&eacute;rio P&uacute;blico) de punitivismo. Em todos os pa&iacute;ses h&aacute; discuss&atilde;o sobre o mito da obrigatoriedade da a&ccedil;&atilde;o penal (inclusive retirando a obrigatoriedade de acordos penais e permitindo o arquivamento). Mas, no Brasil nada se fala sobre isso, afinal representaria aproximadamente uma diminui&ccedil;&atilde;o de mais de 60% dos processos penais, e isto &eacute; perda de mercado de trabalho. Muito melhor deixar a m&aacute;quina funcionar e depois ocorrer prescri&ccedil;&atilde;o ou alegar que h&aacute; excesso de presos em vez de excesso de processos, e ent&atilde;o criar &quot;pris&atilde;o virtual&quot; ou &quot;pris&atilde;o fake News&quot;, como as pris&otilde;es domiciliares.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Apenas a t&iacute;tulo de argumenta&ccedil;&atilde;o, precisamos fazer c&aacute;lculos mais amplos na pol&iacute;tica criminal processual para sabermos se, em rela&ccedil;&atilde;o &agrave; popula&ccedil;&atilde;o total, temos excesso de crimes (impunidade), excesso de processos penais (mito da obrigatoriedade da a&ccedil;&atilde;o penal) ou excesso de presos (punitivismo). Afinal, conforme dados prisionais por popula&ccedil;&atilde;o de 100 mil habitantes o Brasil ocupa posi&ccedil;&atilde;o pr&oacute;xima &agrave; 30&ordf; coloca&ccedil;&atilde;o, embora seja uma das 10 na&ccedil;&otilde;es mais populosas. Isto considerando o c&ocirc;mputo de mais de 200 mil em &quot;pris&atilde;o domiciliar, o que nenhum pa&iacute;s faz de forma conjunta aos presos em pres&iacute;dios, exceto o Brasil.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Um outro gargalo &eacute; que no sistema de justi&ccedil;a gratuita impera o caos, mas como os beneficiados s&atilde;o os pr&oacute;prios prestadores do servi&ccedil;o jur&iacute;dico, nada se faz. Em rela&ccedil;&atilde;o &agrave; Justi&ccedil;a Gratuita n&atilde;o h&aacute; controle algum sobre a renda, nem prioridade, e mais de 70% dos processos no Brasil s&atilde;o com justi&ccedil;a gratuita, o que banaliza o acesso. Em todos os pa&iacute;ses, exceto o Brasil, h&aacute; um controle formal sobre a renda e ao final o perdedor &eacute; condenado a pagar as custas e demais despesas do processo. Se n&atilde;o tiver condi&ccedil;&otilde;es dever&aacute; provar, pois ser&aacute; cobrado. A Justi&ccedil;a gratuita deveria ser flexibilizada apenas no come&ccedil;o do processo para facilitar o acesso, mas n&atilde;o ao final. No Brasil gasta-se mais com Justi&ccedil;a Gratuita do que com programas como o Bolsa Fam&iacute;lia, mas nem mesmo h&aacute; interesse em auditar as gratuidades de justi&ccedil;a, pois usar o pobre para manter os privil&eacute;gios de prestadores de servi&ccedil;o d&aacute; um ar de romantismo e falsa preocupa&ccedil;&atilde;o social.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Nos Estados Unidos as pessoas n&atilde;o fazem aventura jur&iacute;dica em raz&atilde;o do receio da condena&ccedil;&atilde;o em custas. No Brasil &eacute; uma total farra da justi&ccedil;a gratuita.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Enquanto em todos os pa&iacute;ses do mundo est&atilde;o sendo fechados Tribunais e Varas para redu&ccedil;&atilde;o de custo, pois com a informatiza&ccedil;&atilde;o isto permite uma redu&ccedil;&atilde;o das dist&acirc;ncias. No Brasil estamos criando mais Tribunais, com o eufemismo de se alegar que &eacute; para beneficiar o povo, mas o que se v&ecirc; s&atilde;o estruturas palacianas e gastos nababescos que beneficiam uma casta apenas e sem avalia&ccedil;&atilde;o com meritocracia individual da produtividade.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>No discurso de se aumentar n&uacute;mero de Tribunais (e nem &eacute; de Varas), o que se alega &eacute; aumento de servi&ccedil;o, mas nada se fala em aumentar o n&uacute;mero de Ministros no STF e STJ. Ou seja, nada se fala em aumentar n&uacute;mero de cargos de Ministros no TSE, STJ e STF. Apesar de o STF j&aacute; ter tido 15 Ministros at&eacute; a d&eacute;cada de 60, quanto o Governo Militar reduziu para 11. Ora, mas se o argumento para se aumentar Varas &eacute; o aumento de servi&ccedil;o, este argumento tamb&eacute;m deveria valer para se aumentar n&uacute;mero de cargos nas inst&acirc;ncias superiores, afinal o servi&ccedil;o aumentou para todo mundo, segundo alega-se comumente.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Seguindo no rol de despesas cita-se o Estado de S&atilde;o Paulo que tem dois TRTs que se distanciam em torno de 100 km, ou seja, nem mesmo est&atilde;o em regi&otilde;es diferentes do mesmo Estado. Qual o sentido de se ter estes dois Tribunais com despesas dobradas neste novo normal digital?&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Al&eacute;m disso, temos o lobby intenso para se criar o TRF6 em Minas Gerais, ao argumento de h&aacute; excesso de servi&ccedil;o. Ora, na &aacute;rea federal h&aacute; um grande rol de temas repetitivos, e ent&atilde;o bastaria o INSS/AGU/Receita fazerem s&uacute;mulas administrativas e evitar a judicializa&ccedil;&atilde;o dos processos e haveria uma redu&ccedil;&atilde;o enorme de processos judiciais. Al&eacute;m disso, o TRF1 poderia emitir s&uacute;mulas para uniformizar, estima-se que em torno de 50 s&uacute;mulas poderiam eliminar mais de 50% dos recursos. N&atilde;o se questiona a instala&ccedil;&atilde;o de Varas, o que &eacute; diferente de Tribunais. Paradoxalmente, o TRF1 &eacute; dos cinco TRFs, o que menos emitiu s&uacute;mulas nos &uacute;ltimos 15 anos e o que alega ter excesso de servi&ccedil;o, ou seja, &eacute; um c&iacute;rculo vicioso&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Com a digitaliza&ccedil;&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel protocolar uma peti&ccedil;&atilde;o de qualquer lugar do pa&iacute;s e fazer sustenta&ccedil;&atilde;o oral por meio de um celular. Mas, isto tira o sonho de mais pal&aacute;cios para alguns &quot;nobres&quot;, pois estes se acham no direito de controlar a pobreza e aumentar despesas estatais que implicam em mais impostos e sufocamento da &aacute;rea produtiva (industrial e comercial).&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Hoje temos 05 TRFs para julgar a mesma mat&eacute;ria, ou seja, lei federal (mat&eacute;ria de direito) e geralmente sem mat&eacute;ria f&aacute;tica com audi&ecirc;ncia de instru&ccedil;&atilde;o, o que n&atilde;o significa que n&atilde;o &eacute; mat&eacute;ria complexa, mas sim que &eacute; de direito e mais objetiva. Ora, qual a diferen&ccedil;a entre uma gratifica&ccedil;&atilde;o para um militar do Ex&eacute;rcito no norte ou no sul? Qual a diferen&ccedil;a entre o Imposto de Renda entre a Regi&atilde;o do Nordeste ou no Rio de Janeiro? Portanto, bastaria apenas um TRF e s&uacute;mulas para uniformizar, mas isto geraria perda de mercado de trabalho para os bachar&eacute;is em Direito.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>No meio jur&iacute;dico, assim como no pol&iacute;tico, observa-se uma tend&ecirc;ncia de se tentar usar o pobre e este sem direito de escolha, como se fosse servo, ficando ref&eacute;m de setores corporativos. &Eacute; um &quot;pobre invis&iacute;vel&quot; e romantizado, mas na pr&aacute;tica a justi&ccedil;a gratuita n&atilde;o tem sido para os pobres. Nem mesmo h&aacute; um crit&eacute;rio simples como priorizar os que j&aacute; constam no CAD &uacute;nico, por exemplo.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Temos tamb&eacute;m um TSE com Ju&iacute;zes tempor&aacute;rios que s&atilde;o advogados, mas n&atilde;o temos Membros do Minist&eacute;rio P&uacute;blico, e nada se fala sobre esta &quot;disparidade de armas&quot;.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Outro fato &eacute; que enquanto no mundo todo medidas como tabela com honor&aacute;rios m&iacute;nimos s&atilde;o consideradas como pr&aacute;tica de carteliza&ccedil;&atilde;o. No Brasil o CADE ainda n&atilde;o julgou requerimento em desfavor da OAB protocolado h&aacute; quase 20 anos, mas j&aacute; julgou em menos tempo casos como o de fus&atilde;o de marcas de chocolates. Realmente, comer chocolate deve ser um direito mais fundamental e urgente do que o acesso &agrave; justi&ccedil;a. Afinal, sem que o cidad&atilde;o tenha efetivo direito de escolha com alternativas para efetivarem esta escolha, como a livre concorr&ecirc;ncia, ou seja, implanta&ccedil;&atilde;o de planos de assist&ecirc;ncia jur&iacute;dica, cria&ccedil;&atilde;o de rede de assist&ecirc;ncia jur&iacute;dica com v&aacute;rios legitimados como Munic&iacute;pios, Faculdades, Organiza&ccedil;&otilde;es Sociais e outras possibilidades, n&atilde;o se tem cidad&atilde;os, nem sujeitos, mas apenas servos e objetos ref&eacute;ns de interesses corporativos. No mundo todo a popula&ccedil;&atilde;o conta com v&aacute;rias possibilidades de atendimento jur&iacute;dico. No Brasil n&atilde;o, por&eacute;m ser&aacute; que o povo brasileiro est&aacute; sendo melhor atendido? O sistema deve atender ao cidad&atilde;o ou a interesses diversos?</div> <div>&nbsp;</div> <div>Importante refletir sobre o fato de que no Direito a doutrina tende a ser mais profunda e reflexiva que os julgados em si, pois o volume de processos &eacute; enorme e burocratizado, logo a academia doutrin&aacute;ria &eacute; o local mais adequado para avaliar alguns conceitos ou influenciar as mudan&ccedil;as jurisprudenciais, ou pelo menos deveria ser. A rigor, h&aacute; algumas d&eacute;cadas n&atilde;o era muito f&aacute;cil o acesso aos julgados, mas com a internet tudo mudou. E os julgados s&atilde;o publicados resumidamente na internet, o que leva a uma tend&ecirc;ncia de pouco esfor&ccedil;o de se ler apenas as ementas, sem entender o caso, sem analisar as consequ&ecirc;ncias, al&eacute;m do foco em decorar para ser aprovado em concurso ou exame da OAB. No entanto, a doutrina j&aacute; exige uma leitura mais demorada, n&atilde;o resumida, logo desperta pouco interesse no meio jur&iacute;dico. (exceto os &quot;manuais de decoreba para concurso&quot;). Por&eacute;m, as inova&ccedil;&otilde;es geralmente come&ccedil;am com a doutrina e n&atilde;o com os julgados.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Por fim, &eacute; preciso repensar a estrutura jur&iacute;dica e seu custo, mas sem mero revanchismo e vingan&ccedil;a com proposto por setores do meio pol&iacute;tico que visam apenas destruir e atacar a estrutura jur&iacute;dica que combate a corrup&ccedil;&atilde;o, em vez de se construir um sistema l&iacute;mpido e eficiente que atenda &agrave; popula&ccedil;&atilde;o.&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>Por <i><b>Andr&eacute; Lu&iacute;s Alves de Melo</b></i>, promotor de Justi&ccedil;a do Minist&eacute;rio P&uacute;blico do Estado de Minas Gerais, Doutor em Direito Constitucional/Processo Penal pela PUC-SP e associado do Movimento do Minist&eacute;rio P&uacute;blico Democr&aacute;tico (MPD)</div>