Instituído em 2016, o teto de gastos ganhou contornos dramáticos nos últimos 30 dias. O drama é por conta da reação do mercado, dos grandes conglomerados e especuladores financeiros que não admitem perder privilégios. Para isso, dizem que o teto de gastos não pode acabar, que o governo não pode gastar mais do que arrecada e que, gastando, haverá um desequilíbrio tão grande que o Estado não poderá honrar pagamentos. E a ladainha ecoa nas manchetes e na vocalização de políticos e quadros que representam esse segmento.
O Brasil é o único país a constitucionalizar esse limite de gastos. É uma regra fiscal que não está funcionando e que deveria ser extinta no parlamento. Na época da tramitação e aprovação no Congresso Nacional, foi chamada adequadamente de PEC da morte. Ela é dramática, sim: paralisa investimentos sociais por 20 anos! Funciona para diminuir a atuação do Estado em áreas da saúde e educação, entre outras.
O teto de gastos foi criado logo após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff para – ao que tudo indica – atender a elite financeira que sempre quer mais recursos do Estado, retirando justo dos mais vulneráveis que precisam de políticas sociais. Uma regra fiscal que limita despesas públicas à inflação do ano anterior, exceto pagamento de juros e amortização da dívida pública, para, em tese ajustar o chamado déficit fiscal.
Convém lembrar que, efetivamente, o chamado descontrole de gastos, especialmente o que é referido ao governo Dilma, nunca ocorreu, e que a piora na situação fiscal a partir de 2014 foi causada principalmente pela perda de receitas e não pelos gastos. Também não se pode afirmar que os gastos foram os principais responsáveis pelo crescimento da dívida pública, mas sim o pagamento de juros, que permaneciam elevados.
Até 2013, o crescimento das receitas era maior que o dos gastos, o que possibilitava uma combinação de aumento do gasto público, geração de superavit primário e diminuição da dívida pública líquida.
Mesmo que a celeuma do teto tenha se agravado no último mês pela PEC da Transição, é importante lembrar que o atual governo - entre 2019 e 2022 -, ultrapassou o limite constitucional em quase R$ 800 bilhões!
O teto já havia sido furado em 2019 e continuou sendo ultrapassado após a fase crítica da pandemia. Para burlar a regra valeu, inclusive, o calote nos precatórios aprovado no final de 2021, conseguindo mais R$ 49 bilhões para gastar. Em 2022, o governo alterou a forma de cálculo do teto e teve mais recursos para usar na véspera da eleição. A estimativa de gastos acima do teto, somados o calote nos precatórios, a mudança no cálculo do teto e os auxílios eleitoreiros para este ano, é de R$ 116,2 bilhões.
Não se discute a eventual necessidade de extrapolar o limite do teto de gastos. Afinal, o pagamento do auxílio emergencial foi extremamente importante do ponto de vista social, humanitário e econômico. Não fosse ele, o PIB teria uma queda bem mais expressiva em 2020.
O drama a ser destacado é a consequência devastadora do teto impactando nos serviços públicos que atingem a população que mais precisa do Estado como saúde, educação, moradia, assistência. É uma regra fiscal que não leva em conta excepcionalidades, como a pandemia, sequer considera o crescimento populacional, aumento de receita, variação do PIB ou mesmo crescimento econômico.
O Estado fica praticamente proibido de atuar como deveria. Justamente em momento de necessidade, de crise econômica ou sanitária é que o Estado precisa investir. É impedido por uma regra anacrônica, draconiana e perversa. Precisa ser extinta, trocada por outro mecanismo fiscal que dê condições de planejamento. Como programar políticas públicas, ações concretas se durante o ano os recursos simplesmente são bloqueados?
O teto gera competição entre as despesas e investimentos e serve de sofisma para atingir áreas essenciais, como aconteceu esta semana quando o governo retirou, por causa do limite de gastos impostos pelo teto, mais de R$ 1 bilhão da educação, praticamente paralisando instituições de ensino.
Há outra revelação importante nesse caso. Seguindo essa lógica de limitação do Estado via gastos públicos, para o tal equilíbrio de contas demandado pelo mercado, a possibilidade de o Estado arrecadar mais, cobrar mais tributos, especialmente dos mais ricos, também fica afastada. A solução apresentada é cortar gastos, como se o problema fosse exclusivamente de gastos, não de receitas.
É preciso incrementar as receitas públicas via tributação. Como disse o presidente eleito, precisamos colocar o rico no Imposto de Renda e o pobre no orçamento. Tributar lucros e dividendos, corrigir as faixas e alíquotas da tabela do Imposto de Renda, implementar o Imposto sobre Grandes Fortunas, criar uma contribuição sobre altas rendas. Enfim, há várias medidas que podem ser implementadas para aumentar as receitas de forma justa, como mostra a campanha Tributar os Super-Ricos.
Por
Maria Regina Paiva Duarte, auditora-fiscal aposentada, vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal e da coordenação da campanha Tributar os Super-Ricos