Os governantes não gostam de ver seus retratos em preto e branco. Só a cores. Alguns olham para o espelho, como a madrasta da Branca de Neve, e perguntam: “espelho, espelho meu, há alguém mais poderoso do que eu”? O deleite que desfrutam na cama do poder acaba desenvolvendo neles uma cultura de fruição e gozo, que lhes enfraquece a capacidade de ver as coisas com isenção, acuidade e objetividade.
Tornam-se imunes à realidade. Cobrem-se com um manto que os deixam em estado contínuo de dormência. O poder provoca delírios e, assim, com o porre mental que lhes faz adormecer, os governantes cometem o primeiro pecado capital. O da insensibilidade. Assim, distanciam-se da racionalidade. Agem por emoção.
Desacostumam-se a ver de longe. Da tênue autoconfiança do início do governo, elevam-se em sua autoestima, sob a crença de que o poder da caneta é seu. Transformam-se em donos do seu pedaço, senhores de capitanias hereditárias. Incorporam o Complexo de Olimpo, o sentimento de que detêm uma aura divina. Com essa identidade, as realizações e programas do Governo deixam de ser algo inerente à função de governar para se transformar em feitos pessoais do governante magnânimo e generoso.
Nesse momento, tendem a semear a seara administrativa com a água do populismo, banhando suas ações com nomes que tentam laçar a atenção das massas, e quase sempre prometendo matar a fome, melhorar a posição dos bolsos com bolsas aumentadas, casas para todos, etc.
A população é inoculada com a injeção mistificadora que sobrepõe a identidade física do governante sobre o conceito jurídico do Governo. Muitos governantes acabam se achando heróis, salvadores da Pátria, justiceiros, Flagra-se, aqui, outro pecado capital, o da onipotência.
O mandonismo imperial está alicerçado numa base monetária. Os governantes decidem o quê, onde e como fazer. O planejamento orçamentário contemplará obras fundamentais, porém não deixará de atender ao varejo eleitoral. Para eles, o dinheiro compra tudo. Com verbas volumosas, garantirão um segundo mandato. E com recursos distribuídos com seus apoiadores, terão uma base sólida de congressistas, grupo que sustentará os programas governistas. E aqui está mais um pecado capital: o da crença na força absoluta da grana.
Depois de meses de incessantes atividades, os governantes começam a perder vigor, tornando flácida sua musculatura. Padecem do vírus da rotinite aguda. Estados e Municípios se alimentam do feijão e arroz necessários à magra existência. E correm, de pires na mão, à Brasília para mendigar as migalhas que ainda estão sobre a mesa dos comilões. Não há criatividade nas gestões, não se buscam soluções inteligentes, inovadoras e avançadas. O caldo insosso traz mais um pecadilho no arsenal dos governantes, o da rotina.
O erro seguinte aparece logo. Governantes, ávidos para criar marca, já não obedecem a uma agenda planejada, jogando suas fichas na mesa do marketing exacerbado, com feitos anunciados em profusão nas mídias impressas e eletrônicas. Não administram seus tempos de acordo com um sentido de prioridades e lógica.
Tudo ocorre ao bel-prazer. A desorganização grassa, bagunçando as malhas burocráticas e produzindo muita improvisação. Mas tudo vai às mil maravilhas, para eles, porque os seus assessores mais próximos capricham no puxa-saquismo.
Cria-se um grupo da Corte. Que vive fazendo elogios ao Rei, escondendo as coisas mal-feitas, sobrevalorizando as ações positivas, jogando para baixo do tapete as coisas erradas. As assessorias desqualificadas e os núcleos do que, outrora, se chamava de “luas-pretas”, compõem uma das maiores barreiras para a ineficácia dos Governos, descortinando mais um pecado capital, o da bajulação.
E assim desfilam os governantes na passarela do poder, cantando hosanas às glórias de sua gestão, pavimentando o caminho de suas emoções com hinos e loas. Buscam ser comparados aos melhores, aos bem avaliados. Investem em pesquisas. Suas carruagens de fogo e seus cometas planetários trafegam pelos céus, deixando rastros de nuvens coloridas que se esvaem nos ventos do tempo.
De tanto caminharem de salto alto, os governantes acabam pisando nos pés do povo. Têm respostas prontas para perguntas que não são feitas. Desculpas esfarrapadas para promessas não cumpridas. E são capazes de provar que o melhor para as massas desprovidas e incultas é aquilo que eles acham que elas merecem. E não realmente o que o povo precisa. Alguns temem enfrentar as multidões. Refugiam-se em palácios. Nesse momento, os governantes se abrigam em seu inferno, cometendo outro pecado capital, o do descompasso com o senso comum.
Serão castigados mais adiante. No dia em que o cidadão usa sua principal arma de defesa contra os maus administradores: o voto. Dará a eles o passaporte para voltar para casa, medida providencial. Nem sempre é assim, mas o voto, a cada pleito, está deixando o coração para subir à cabeça.
Por
Gaudêncio Torquato, escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político