O que aprendemos com a literatura

27 de agosto de 2023 às 19:09

Minha infância transcorreu em uma fazenda no interior de Minas e, ali, a memória de meus sonhos começou. Talvez tivesse sete anos quando minha mãe me apresentou o primeiro livro, O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway. Li, então, a história de um pescador que saiu em seu barco para alto mar ambicionando trazer um grande peixe.
 

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Terminada a leitura, fui indagado: qual a conclusão sobre o livro? Respondi que havia apenas entendido a história de um velho pescador que conseguiu fisgar um grande marlim, e após fisgá-lo, a sua luta indômita para trazê-lo à praia. Ele o conseguiu, porém o marlim chegou às areias destroçado, devorado por outros peixes.
 
Compreendi apenas o sentido literal da narrativa, sem descobrir o que as palavras escondiam, embora acompanhadas de muita fantasia. Minha mãe deu-me então várias explicações metafóricas do significado daquela luta terrível entre o velho e o peixe. O pescador, ela me disse, não foi derrotado ou frustrou-se, pois lutou até o fim, deu o máximo de si e a vida é assim. Nem tudo sai como desejamos, mas o que importa e nos engrandece é a luta, é o dar tudo de si.
 
Ela me esclareceu e deu várias lições sobre como apreciar e analisar um livro. O resultado dessa minha primeira experiência literária foi, portanto, a descoberta da necessidade de penetrar nas entrelinhas, de decifrar as ideias do autor e as suas emoções, enfim, ser capaz de admirá-lo em plenitude.
 
A partir de Hemingway, comecei a mergulhar nos livros e aprendi a entendê-los, a compartilhar as emoções e sentimentos do autor, e a poder avaliá-los. Sim, pois ler e amar um autor significa penetrar em sua alma, sentir suas dores e alegrias e vivenciar os seus sonhos, interligados aos nossos, e estabelecer com ele um vínculo prazeroso permanente.
 
Havia, na estante de meus pais, a História da Civilização, de Will Durant, quinze volumes grossos, obra maravilhosa! Eu me retirava para o pomar e, recostado sob uma laranjeira, viajava pelo velho Egito, Grécia e Roma, e me deslumbrava com suas eternas contribuições à civilização. Hoje, reconheço que meu estilo foi muito influenciado pela maneira de escrever de Will Durant.
 
Depois, cheguei ao angustiante Kafka, ao existencialismo de Sartre e aos clássicos. Li a Comédia Humana, de Balzac, Machado, Eça, Zola, Proust, até me deparar com meu escritor preferido: Dostoiévski, cujos romances são verdadeiros ensaios de psicologia. Um outro assunto cativante é a História do Brasil, leituras sobre a república velha e as décadas seguintes, o suicídio de Vargas, o governo Jango e o golpe de 1964.
 
Ocorre frequentemente um problema comum a quem ama os livros: o lugar para guardá-los. O meu modesto apartamento está abarrotado deles e atualmente evito comprá-los. Aliás, minto, pois não consigo deixar de fazê-lo, porém de modo mais seletivo. Meus filhos então me aconselham a doá-los para que outras pessoas possam também desfrutá-los.
 
Porém, não entendem o meu amor por eles, não entendem que não posso me retalhar e violentar o meu espírito, pois os livros estão visceralmente em mim. Quando os vejo silenciosos, fechados nas estantes, eu sinto em cada um deles o contexto de minha vida em que foram lidos e as emoções que senti. Não percebem que sou um Quixote e estou na vida a enfrentar moinhos de vento.
 

Por Aliel Paione é escritor, autor do livro “Sol e Solidão em Copacabana”, parte da Trilogia do Sol.