A atmosfera golpista de 1964

28 de março de 2024 às 19:48

O Brasil vivia, em março de 1964, um dos momentos mais conturbados de sua história. Há 60 anos, vivíamos uma verdadeira atmosfera golpista. Eram tempos de Guerra Fria, e a Revolução Cubana surgia como um espectro do comunismo na mentalidade coletiva do universo latino-americano. 
 
Naquela conjuntura, o sistema político brasileiro se transformou, pois sua característica passou de um pluralismo moderado para um pluralismo extremamente polarizado. Esse quadro se agravou quando Jânio Quadros venceu as eleições de 1960. Com uma oposição ao “sistema”, Jânio almejava conquistar o apoio de uma ampla base política. Venceu com um discurso miraculoso, afirmando resolver todos os problemas ligados à corrupção e inflação no país. 
 
Calculando erroneamente a situação política, o presidente eleito resolveu renunciar, acreditando que receberia um forte apoio popular. Quem assumiu foi João Goulart, vice-presidente. Reconhecidamente identificado com uma tendência mais à esquerda do espectro político, Jango suscitou enormes desconfianças por parte de grupos civis e militares. 
 
A posse do ex-ministro de Getúlio causou um grande embate na política brasileira. Quando Jânio apresentou sua carta de renúncia, Jango estava em missão na China, e a Carta Constitucional estabelecia que o presidente da Câmara dos Deputados, na ausência do vice-presidente, assumiria o cargo. No dia 28 de agosto de 1960, Ranieri Mazzilli, presidente em exercício, informou ao Congresso que os ministros militares consideravam o retorno de Jango ao Brasil inadmissível “por motivos de segurança nacional”.
 
No entanto, o Congresso rejeitou a sugestão dos militares e respondeu com uma proposta de criação de um sistema parlamentarista. Entre os anos 1962 e 1964, o contexto de agitação política no Brasil imobilizou o Legislativo ao ponto de incapacitá-lo de oferecer uma saída à ameaça de rompimento das regras do jogo democrático. 
 
As tensões se intensificaram em 1963, quando Goulart, após conquistar a volta do regime presidencialista em plebiscito, apresentou uma emenda constitucional que permitia a expropriação de terras sem pagamento prévio em dinheiro. Essa emenda foi derrotada no Congresso em maio do mesmo ano. A partir daí, o governo adotou um tom mais radical em seus discursos, declarando que a reforma agrária era uma questão de honra em seu mandato. O Comício de 13 de março de 1964 buscou fortalecer o hasteamento dessas bandeiras. Porém, as medidas econômicas criadas para impulsionar o crescimento e combater a inflação não tiveram êxito. 
 
As oposições a Jango começaram a ganhar força na opinião pública e na sociedade civil, quando parte da classe média e camadas mais conservadoras passaram a defender uma intervenção militar para depor Goulart. No dia 19 de março, uma grande passeata em São Paulo simbolizou o apoio civil para o futuro golpe militar que viria dias depois. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade chegou a reunir cerca de 500 mil pessoas. 
 
Nesse cenário, tanto as forças de direita quanto de esquerda passaram a defender uma solução de exceção. A via armada colocava-se como horizonte político para ambos os lados. Os últimos capítulos do governo Goulart ocorreram quando este tentou formar uma coalizão fora dos poderes institucionais. Havia ali uma motivação em exercer outro mandato consecutivo, contrariando o texto constitucional de 1946, que não permitia a reeleição. Em toda essa conjuntura, a democracia representativa foi sendo engolida por uma atmosfera golpista que cobriu todos os espectros da sociedade brasileira. Embora as forças políticas afirmassem lutar pela preservação (direita) ou aprofundamento (esquerda) da democracia, a verdade é que poucas pessoas estavam dispostas a lutar pelo texto constitucional vigente. 
 
Na madrugada do dia 31 de março de 1964, Jango foi destituído da Presidência, dando-se início a uma longeva ditadura no Brasil, que alteraria profundamente a cultura política do país.
 

Por Victor Missiato, analista político, doutor em História Política e professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie (CPM) - Tamboré.