A esquerda e a direita estão entortadas. Pelo conceito que expressam, a esquerda representaria a defesa de visões progressistas, uma defesa intransigente de proteção à coletividade, significando a proteção dos direitos individuais, o alimento, a casa, a livre expressão. Sob esse ideário, o Estado assume a posição de Protetor do Cidadão. Já a direita defende princípios assemelhados, com ênfase aos direitos individuais e às políticas conservadoras, que elegem a família e as tradições como seu motor de propulsão.
Pois bem, os trajetos das duas configurações do arco ideológico estão tortos. A direita se bifurca numa encruzilhada que abre veredas, não se podendo saber para onde seus transeuntes andarão, se na curva mais extrema ou na estrada mais central. A esquerda, da mesma forma, se reparte em duas curvas, uma sinalizando o caminho da extremidade, outra aconselhando a trajetória mais central, o que coincide com a mesma bússola da direita. Ambas apontam para uma vereda central. A barafunda se estabelece.
Vamos aos fatos. Hoje, a direita se divide entre a ala do militar, capitão aposentado, Jair Bolsonaro. Que pretende, e prega, querer levar seu povo à terra prometida. O Moisés brasileiro conseguirá abrir e fechar o mar para inundar o exército de Faraó, e, assim o fazendo, implantar seu império?
O fato é que até a chegada de Jair ao Palácio do Planalto, o país tinha uma direita envergonhada. Que não assumia abertamente a defesa de ideias ortodoxas na área de costumes. Ser de direita era entendido com uma pessoa retrógada, defensora da supressão de direitos, um soldado civil da ditadura de 1964. Poucos, muito poucos, assumiam essa cara.
Já ser de esquerda significaria simpatizar com o comunismo, ou pelo menos, com uma posição mais amena, o socialismo de fundo democrata, encarnado na social-democracia. Mesmo assim, os sociais-democratas sofriam por carregarem a pecha de simpatizantes disfarçados do comunismo.
Pulemos no tempo. Cheguemos ao assento do Jair na cadeira principal do Planalto. A direita tira a carapuça, enxuga o rosto, e mostra-se de cara inteira e lavada ao país. A banda direitista se mobiliza e percorre a via até as eleições municipais. A esquerda toma um tranco. Aparecem outros coadjuvantes, ou melhor, pastores do rebanho direitista. Com uma tuba de ressonância capaz de sufocar a sinfonia bolsonarista, a do Jair. Um tal de Marçal entorta o caldo e faz a performance mais estrambótica no palco da direita. Que se bifurca, conforme os termos do início desta análise.
Já a esquerda tropeça na larga avenida onde caminhava. O andarilho principal, do PT, volta ao Palácio do Planalto, enxotando o capitão Jair, mesmo ganhando o assento presidencial por pequena margem. Também, pudera. O capitão foi um desastre na administração da pandemia que se alastrou no país durante seu reinado.
Uma ala da esquerda se posta na linha de frente do seu comandante, Luiz Inácio, defendo suas ações, mesmo aquelas que não condizem com o ideário do Partido, concebido, em sua origem, por sindicatos do ABC paulista e empurrão da igreja católica, lá pelos idos dos anos 80. Outra banda faz cara feia ao pragmatismo do senhor da guerra e da paz, o mesmo Luiz, que colocou o chamativo sobrenome Lula, em seu proclamado nome. Pragmatismo que se mostra no pacto com partidos do centro e da direita, alguns abrigados na sombra de um tal Centrão, ao qual o mandatário-mor do país entrega pacotes de benesses no balcão de recompensas.
A ala mais à esquerda do velho PT encurva sob a ventania assoprada pela banda mais central, e, assim, com a lombar dolorida, caminha, caminha, de forma trôpega, desviada de seu destino, afastada de seu sonho socializante. As curvas no caminho desvendam a índole de um país que sinaliza sua contrariedade em caminhar na faixa mais à esquerda do arco ideológico.
E o racha à direita exibe a inevitável condição de um país que tem espaços livres a serem ocupados por líderes autênticos e de imagem ilibada. Quem? Quem? Quem? Bolsonaro? Esse foi um tosco participante da bancada do baixo clero, na Câmara Federal, onde aparecia como feroz defensor dos pesados anos de chumbo. Sua imagem não é tão respeitada e ainda expressa a cor dos traumas e dor dos tempos mais recentes de sofrimento. Quem mais? Pablo Marçal? Ora, este não passa de um palhaço à procura de um circo. Quem mais? Ronaldo Caiado, Romeu Zema, Tarcísio de Freitas? São andarilhos da direita muito iniciantes, sem o traquejo da fama, e de pouca visibilidade na paisagem.
Como se observa, os dois caminhos nas pontas do arco ideológico estão encurvados, tortos, afastados de seu prumo.
Procura-se um andarilho capaz de mostrar a reta capaz de levar os caminhantes para um lugar seguro e longe de tempestades.
Por
Gaudêncio Torquato, escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político