Comunidades de Barreiras constroem plano local de mudanças climáticas na APA Bacia do Rio de Janeiro

25 de maio de 2023 às 19:41

direitos humanos/comunidades tradicionais
A partir de fevereiro de 23, o projeto Resiliências Climáticas iniciou o processo de elaboração participativa dos PLAMCs - Planos Locais de Adaptação às Mudanças Climáticas, em seis grupos comunitários nos territórios de atuação do projeto: Parque Estadual Morro do Chapéu; Resex Marinha Baía do Iguape; Serra da Jiboia; APA Bacia do Rio de Janeiro.
 

Encontro presencial para análise das vulnerabilidades e desenvolvimento do PLAMC
em Barreiras.
Foto: Ascom/projeto Resiliências Climáticas/Divulgação

Planos Locais de Adaptação às Mudanças Climáticas
- PLAMC são elaborados nos 4 territórios de atuação do
projeto Resiliências Climáticas, na Bahia
 
Na região da Apa Bacia do Rio de Janeiro, os planos estão sendo aplicados com a participação das comunidades São Vicente, Lamarão, Chico Preto, Lavras, e Canto Grande, localizadas em Barreiras. Os PLAMCs são instrumentos de planejamento e ação coletiva, facilitados com a participação de uma equipe técnica, incluindo professores das universidades parceiras locais (UFOB; UNEB; UNIVASF; UFRB) e parceiros de outras organizações locais. O instrumento foi trazido pela proponente COSPE, parceira do Gambá na realização do Resiliências Climáticas, que já o aplicou em outros países como Cabo Verde, Moçambique, Angola, Colômbia, entre outros.
 
De acordo com Leonardo Di Blanda, gerente do projeto Resiliências Climáticas, “Ao construir os Planos de forma participativa, visamos aumentar o grau de motivação nas comunidades para buscar constantemente soluções para fortalecer a própria resiliência diante das mudanças climáticas.
 
A base do projeto está na adaptação às mudanças climáticas. Assim, os PLAMCs têm o papel de ir além da “limitação dos danos” gerados pelos efeitos das mudanças climáticas. O objetivo é transformar as formas de acesso e uso dos recursos naturais e econômicos, a partir de quem vive no local.
 
Leonardo Di Blanda explica: enquanto as grandes nações se juntam no esforço global para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, as comunidades podem, e devem, se organizar para se adaptar a esses efeitos, analisando-os e elaborando respostas, aumentando assim a própria capacidade de resiliência.
 
A construção dos PLAMCs é realizada a partir de uma metodologia participativa.
 

Foto: Ascom/projeto Resiliências Climáticas/Divulgação
 
Nathan Dourado, consultor técnico responsável pela elaboração dos PLAMCs no projeto Resiliências Climáticas, informa que a metodologia de aplicação é baseada na realização de oficinas que combinam formação, análise e intervenção, facilitadas pela equipe técnica do projeto, “com o intuito de fortalecer a compreensão dos impactos das mudanças climáticas, assim como fazer uma análise participativa das ameaças climáticas e vulnerabilidades socioambientais”. Ele conta que tudo começa a partir da formação do grupo focal com representantes eleitos pela associação comunitária, considerando uma abordagem de gênero e juventude. Essas pessoas serão, por suas vezes, os protagonistas do processo durante as fases de elaboração, implementação e monitoramento do Plano. Os encontros acontecem na própria comunidade e todo o processo deve durar de 4 a 5 meses.
 
Ao final deste período, os documentos gerados pelos PLAMCs deverão ser entregues aos governos locais e estaduais, podendo ser apoiados politicamente para alcançar as metas dos planos estaduais e municipais de adaptação às mudanças climáticas.
 
Por já ter sido aplicada em outros países, os proponentes do projeto, Gambá e Cospe acreditam que a metodologia de elaboração dos PLAMCs possa promover uma adaptação ativa e efetiva nos territórios, considerando a diversidade local e utilizando os vastos recursos, ferramentas e instrumentos das políticas públicas, podendo ser replicada por outros programas e projetos.
 
Resiliências Climáticas é um projeto realizado em parceria por Cospe e Gambá, co-financiado pela União Europeia, em parceria com as universidades federais e estaduais UFOB, UNEB, UFRB, e UNIVASF, com o objetivo de valorizar as boas práticas de adaptação à mudança do clima em áreas costeiras e nos biomas Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga baianos.
 
Em entrevista Nathan Dourado conta todos os detalhes da atual fase do Resiliências Climáticas e de como os PLAMCs podem ajudar comunidades, organizações da sociedade civil e governo na busca por soluções às mudanças climáticas.
 
O que são os PLAMCs?
 
Os Planos Locais de Adaptação às Mudanças Climáticas - PLAMCs, metodologia adotada no âmbito do Projeto Resiliências Climáticas, são instrumentos de planejamento e ação, voltados para comunidades em situação de vulnerabilidade climática. Essa metodologia, além de fortalecer a compreensão dos impactos das mudanças climáticas em seus territórios de vida, objetiva aumentar a capacidade de adaptação e diminuir as vulnerabilidades identificadas pelos membros das comunidades. O Plano possui como característica principal a análise participativa das vulnerabilidades e riscos climáticos, a partir da ênfase na percepção dos sujeitos afetados, bem como a integração entre os conhecimentos científico, técnico e tradicional na busca de estratégias de adaptação.
 
São documentos simples, escritos pelos próprios grupos em um processo de facilitação da equipe técnica, utilizando uma linguagem acessível e própria da cultura local, que indicam medidas de adaptação viáveis e eficazes identificadas diretamente pelos membros das comunidades, a partir dos seus próprios saberes tradicionais. Ao construir os Planos de forma participativa, visamos aumentar o grau de motivação nas comunidades para buscar constantemente soluções para fortalecer a própria resiliência diante das mudanças climáticas. 
 
É importante salientar que os Planos vão sugerir medidas que podem ser realizadas de forma autônoma pelas comunidades, identificadas em nível local e com base em conhecimentos, articulações e práticas locais (ex. rede de multiplicação e troca de sementes crioulas, rede de coleta e beneficiamento de sementes nativas, diversificação produtiva, beneficiamento de produtos, criação de grupo de certificação orgânica participativa, transição agroecológicas, resgate de raças animais autóctones, produção de plantas medicinais, captação e armazenamento da água, uso de cercas vivas e quebra-ventos, reflorestamento/recaatingamento, acordos de pesca, campanhas de conscientização, educação ambiental nas escolas, entre outras), e medida que precisam de apoio financeiro, técnico ou político) por outros atores, sejam eles da sociedade civil ou do poder público.
 
O que é a Análise da vulnerabilidade climática?
 
Podemos considerar a vulnerabilidade às mudanças climáticas como um indicador que nos permite mensurar o quanto uma pessoa ou comunidade é suscetível a um impacto esperado e sua capacidade de lidar com efeitos negativos das mudanças climáticas. Esta abordagem ajuda, então, as comunidades rurais a avaliar sua vulnerabilidade às mudanças climáticas e identificar, planejar, as atividades apropriadas para reduzi-la.
 
Você poderia explicar a metodologia aplicada?
 
Tudo começa com a formação do grupo focal com representantes eleitos pela associação comunitária ou grupo de identidade, que serão por sua vez os protagonistas do processo durante as fases de elaboração, implementação e monitoramento do Plano. A metodologia é baseada na realização de oficinas de formação, análise e intervenção, facilitadas pela equipe técnica do projeto. Inicialmente, essas oficinas são voltadas para identificar e analisar as vulnerabilidades socioambientais e climáticas presentes na comunidade e no território. Posteriormente, ocorre a fase de planejamento e elaboração do plano em si, onde são identificadas medidas para lidar com cada vulnerabilidade identificada na fase anterior. Essas medidas contêm objetivos específicos e planos de ação que visam, sobretudo, aumentar a capacidade adaptativa e diminuir as vulnerabilidades identificadas pelo grupo e, também, promover ações de aumento da capacidade produtiva, de conservação ambiental e de melhoria das condições de vida. Os encontros ocorrem na própria comunidade, com uma periodicidade mensal. Ao todo, o processo de elaboração tem previsão de durar de 4 a 5 meses, contemplando seis etapas, que visam identificar, mapear e sistematizar as vulnerabilidades socioambientais e riscos climáticos, assim como boas práticas de adaptação. A metodologia prevê, ainda, a realização de encontros específicos com jovens e mulheres para garantir suas demandas e propostas. Nessas oficinas, estão sendo testadas diferentes ferramentas metodológicas no campo da pesquisa-ação-participativa em parceria com as universidades.
 
A metodologia promove uma abordagem de gênero e geracional, tendo em conta as diferenças significativas que mulheres e jovens têm no acesso e uso de recursos naturais. Por isso, o processo de identificação dos riscos das mudanças climáticas incluirá sessões específicas com presença exclusiva de mulheres e jovens.
 
Qual a importância dos PLAMCs para a mudança climática?
 
O último relatório do IPCC de 2023, sobre mudanças climáticas, nos apresenta um cenário catastrófico. Eventos climáticos extremos estão tendo graves impactos no mundo todo e, principalmente, nas populações que baseiam suas estratégias de sobrevivência nos recursos naturais (agricultores, criadores, pescadores, extrativistas). As variações na intensidade e na distribuição das chuvas, com secas e cheias cada vez mais frequentes, aumento das temperaturas médias e ondas de calor são alguns exemplos de fatores de risco para os sistemas de produção.
 
A adaptação às mudanças climáticas não é simplesmente uma forma de “limitar os danos” gerados pelos efeitos da instabilidade climática, trata-se de repensar e transformar as dinâmicas de poder e as formas de acesso e utilização dos recursos naturais e econômicos e de reorganizar e fortalecer as redes sociais.
 
Enquanto as grandes nações se juntam no esforço global para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, as comunidades podem, e devem, se organizar para se adaptar a esses efeitos, analisando-os e elaborando respostas, aumentando assim a própria capacidade de resiliência.  
 
Como os PLAMCs podem contribuir para as organizações sociais e o governo?
 
O PLAMC propõe uma abordagem participativa que pode auxiliar governos e organizações sociais a superar desafios de inclusão na gestão. Por meio deste plano, são valorizados os saberes-fazeres e os senti-pensares de grupos sociais marginalizados e, portanto, mais vulneráveis às mudanças climáticas, reconhecendo suas contribuições para com a conservação dos ecossistemas e inovação sociotécnica no contexto das mudanças climáticas,  se tornando protagonistas tomada de decisão e formulação de propostas. Assim, os PLAMCs representam uma ferramenta que pode ser adotada pelos governos locais para alcançar as metas dos planos estaduais e municipais de adaptação às mudanças climáticas. 
 
Você acredita que esta metodologia possa ser replicada?
 
A metodologia dos PLAMCS, promovida no âmbito do Projeto Resiliência Climáticas, dá continuidade a um percurso de promoção de processos de adaptação participativa às mudanças climáticas implementados, desde 2016, no Moçambique, e Swatini, Angola e Cabo Verde. Atualmente, está sendo implementado, além do Brasil, na Colômbia. Com devidas adaptações aos diferentes contextos socioculturais e ambientais, a metodologia demonstrou resultados em nível de aceitação por parte das comunidades e na implementação de suas práticas.
 
Paralelamente à construção participativa dos PLAMCs, está sendo promovida a elaboração de Diretrizes Territoriais de Adaptação às Mudanças Locais com o intuito de incentivar a criação de instrumentos territoriais de gestão pública, com base na experiência adquirida pelo Gambá e pela COSPE, na elaboração participativa de Planos Municipais de Gestão Ambiental. Assim como os Planos Locais de Adaptação, às diretrizes terão o duplo propósito de promover uma adaptação ativa e efetiva nos territórios, considerando a diversidade local e utilizando os vastos recursos, ferramentas e instrumentos das políticas públicas. 
 
Por isso, a metodologia pode, sim, ser replicada, inclusive esse é um dos objetivos do projeto. Temos consciência que se trata de uma iniciativa piloto no Brasil que poderá ser replicada por outros programas e projetos.
 
No entanto, deve-se considerar que a vulnerabilidade climática varia dentro de países, entre regiões, comunidades e até mesmo dentro das famílias. Portanto, os resultados das análises e as boas práticas não podem ser automaticamente generalizados.
 
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Sobre as instituições:
 
Gambá - Grupo Ambientalista da Bahia - Organização Não Governamental que atua desde 1982 na Bahia. O foco está em projetos de conservação de ecossistema, como reflorestamento de áreas, na formação da cidadania e no monitoramento de políticas públicas.
 
Cospe - Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes - Organização Não Governamental Italiana, fundada em 1983 e atuante em 24 países, incluindo o Brasil.  O foco está na busca pela a justiça social, em particular apoiando grupos marginalizados e discriminados em suas demandas por inclusão social, direitos humanos e democracia.
 
Por Lívia Macêdo, da Ascom do projeto Resiliências Climáticas